"Buettner e Os Lampiões" - Revista CARTUM INTERATIVA nº 160 - Livreto do BUETTNER
Era fim de tarde, e a festa começaria logo. Enquanto o sol se escondia atrás das montanhas, todos aguardavam, ansiosamente, não apenas a banda iniciar, mas também os lampiões do empresário Edgar Von Buettner que funcionavam com álcool, para serem acesos.
O empresário fazia a propaganda de que esses lampiões eram o que havia de mais moderno em se tratando de iluminação. Eles eram mais econômicos e brilhavam muito mais do que seus concorrentes de acetileno ou querosene. Em 1907, Brusque vivia uma discussão sobre qual seria a melhor escolha para a iluminação pública da cidade. Edgar von Buettner, com novidades que trazia de uma recente viagem à Europa, defendia que Brusque deveria substituir os poucos focos de luz, que eram movidos a querosene, por um sistema movido a álcool.
Além de Brusque, o empresário atuou em Itajaí. Naquela
cidade, inclusive, instalou alguns lampiões no centro da cidade para convencer
a população dos benefícios da nova iluminação. Fora os motivos práticos,
Buettner defendia que os lampiões a álcool favoreceriam a agricultura nacional,
que produzia a cana contra o imperialismo do querosene importado das empresas
Rockfeller, dos EUA. O que Buettner não anunciava em suas propagandas é que ele
era um produtor de álcool, e que conseguiria muito lucro caso Brusque ou Itajaí
seguissem suas orientações. Em 1909, Itajaí firma contrato com uma empresa de
iluminação do Rio de Janeiro e, em 1913, Brusque ganha sua rede elétrica por meio
da iniciativa do empresário João Bauer. Buettner, que atuava com sucesso no
ramo têxtil ficara para trás no ramo elétrico.
Pesquisa: Carlos Eduardo Michel.
Essa narrativa inicial teve como objetivo apresentar,
de forma resumida, a figura de Edgar von Buettner, personagem atuante na utilização da iluminação a álcool em Brusque e Itajaí, bem como da propaganda
acerca destes meios de iluminação nos primeiros anos do século XX. Assim como
também a ligação entre a imprensa, aqui representada pelo semanal Novidades, e
as aspirações de Edgar que era homem de negócios e procurava na instalação dos
lampiões a álcool novo campo de investimentos.
Com esse objetivo, ao longo dos primeiros anos do
século XX, passou a discutir sobre qual o modelo de iluminação pública deveria
ser aplicado na cidade de Itajaí. Como atuava também naquela cidade, publicou
cartas no jornal Novidades discutindo os benefícios da iluminação a álcool.
Buettner mantinha em sua casa comercial amplo “estoque de lâmpadas, véus
incandescentes e outros pertences”, como também “Álcool Cristal”. Sua campanha
no jornal apregoava, ainda em 1906: “Com os modernos aperfeiçoamentos,
a luz a álcool é comparável, sem o menor exagero, à luz elétrica”.
No ano de 1905 Edgar, acompanhado de um irmão, segue para a Europa ‘em viagem de recreio’, como também de ‘negócios de seu interesse’. Na Europa, Edgar entra em contado com os avanços da indústria, com as novas descobertas da ciência. Toma gosto por eles e vê aí uma oportunidade de investimento. A partir de sua viagem naquele ano de 1905, teve início sua campanha na imprensa em defesa do uso do álcool para iluminação, pública e privada.
Uma das intenções de Buettner era fazer a aquisição na Europa do equipamento necessário para implementar novo impulso à navegação no Itajaí-Mirim. O Novidades noticiava que o brusquense buscava, além de outros objetivos, uma “... lancha a vapor... com lenhas por combustível, visto achar que a atual feita por motor a petróleo ainda não é bastante satisfatória e que ainda se pode obter coisa melhor. Apesar de que a lancha Selma fez a viagem de 4ª feira de Brusque a esta cidade em 6 horas”.
Em sua carta publicada no semanal a 11 de março de
1906, referindo-se à cidade de Itajaí, Buettner defende a troca da iluminação a
querosene pela iluminação a álcool, mais “econômica, asseada e brilhante”.
Pode-se perceber o interesse do capitalista em realizar a instalação desse
sistema na cidade de Itajaí, das lâmpadas a álcool, e a imprensa lhe servia de
espaço para defender tais objetivos. “Conforme os cálculos que fiz, a
iluminação na cidade de Itajaí poderá ser feita por 2:000$000 mais ou menos”.
O consumo em maior escala do álcool resolveria, segundo Edgar von
Buettner, o problema da agricultura na região, pois a plantação de cana seria
ampliada, melhorando os preços de venda do produto e a viabilidade econômica da
plantação de cana, que no período em que escreve, passava por forte crise, pois
os preços estavam baixíssimos. Consta que Edgar von Buettner possuía fábrica de
produção de álcool em Brusque. Assim, a adoção da iluminação a álcool daria
novo impulso as suas atividades econômicas.
O ano de 1906 já se encaminhava para o seu fim, com as tradicionais
comemorações natalinas, missas e cantorias religiosas em homenagem a Jesus de
Nazaré. Naquele mês de novembro de 1906, nosso investidor dava mais um passo na
tentativa de consolidar a utilização das lâmpadas a álcool. Enquanto que na
cidade de Itajaí a iluminação era tida como péssima, com seus lampiões “... que
estão acostumados a nunca sentirem os efeitos de uma toalha com um pouco de
água e potassa. A luz que desprende é baça, fumarenta e avermelhada, quase
claridade nenhuma produzindo. Os postes são feios, escuros, dando uma impressão
fúnebre”, segundo destacava o cronista itajaiense, Buettner preparava-se para
mudar o cenário.
Com o objetivo de angariar adeptos a sua ideia, Edgar von Buettner realizou experiências com suas lâmpadas a
álcool à Rua Governador Hercílio Luz, em Itajaí, “... tendo sido acesos 4
lampiões colocados em bem elegantes braços de ferro, presos à parede das
casas... As lâmpadas com suas camisas incandescentes deram uma intensa luz de
um tom esverdeado, fazendo contraste com a luz avermelhada e fumarenta dos
lampiões a querosene. Na noite seguinte repetiu a experiência, sendo
aproveitados para a colocação das lâmpadas a álcool diversos postes da atual
iluminação pública...”. Conforme tivemos a oportunidade de conhecer, Edgar era
persistente em seus objetivos e não desistiria facilmente.
Essa discussão ocorreu ao longo de 1906, retornando às páginas do
semanário, meses depois, mais precisamente em novembro de 1907. No dia 10 de novembro o jornal Novidades
publicava uma nota a respeito da intenção da municipalidade de Itajaí proceder
à iluminação pública a acetileno. Para tanto se recorria a uma casa comercial
situada no Rio de Janeiro. Diante dessa nota, Edgar von Buettner, atento às
discussões em andamento, apresenta seu protesto quanto aos objetivos
pretendidos pela municipalidade.
Duas semanas depois, a 24 de novembro, no mesmo jornal era publicada uma
carta de Buettner a respeito do assunto. Saí em defesa dos interesses locais, e
dos seus, é claro. Intitulada “Uma Carta”, as palavras do comerciante
brusquense eram publicadas naquele mês de novembro: “ ... li a referência de que a municipalidade
de Itajaí pretende instalar nessa cidade a iluminação pública a acetileno. Esta
notícia é de uma tão alta importância (importância negativa) para nossa zona
sob o ponto de vista econômico, que merecia fosse impresso, para conhecimento
de todos...”, para que pudessem protestar, completava Edgar. O uso de acetileno
preocupava o comerciante brusquense que via no uso do álcool uma possibilidade
de investimento.
Buettner utilizou os seguintes argumentos na defesa da utilização do
álcool: 1. A iluminação a álcool era mais barata; 2. Mais asseada e brilhante;
3. Seria um grande incentivo à produção de cana para a região. Em sua carta de
24 de novembro de 1907 teceu argumentos semelhantes, embora tenha valorizado os
ganhos econômicos para os agricultores da região com a produção de cana: “... é
essa planta uma de nossas principais culturas e a qual nos proporciona a mais
brilhante e ideal das luzes: a luz incandescente a álcool!!”.
Suas aspirações eram elevadas, e esperava que o poder público adotasse o
modelo a álcool “... havemos de conseguir no espaço de poucos anos, desde que o
emprego do álcool seja feito em larga escala e às municipalidades cabe a
iniciativa de dar o exemplo de patriotismo, preferindo a luz incandescente a
álcool a todas as congêneres. (...) A iluminação a álcool, na Alemanha, tem
tomado proporções espantosas nestes últimos três anos”.
Ao passo que visualizava um amplo uso do álcool para a iluminação
pública, defendia essa idéia com ares de patriotismo, isso devido ao fato de
que a energia necessária poderia ser produzida localmente e também porque as
negociações para iluminação a acetileno estavam sendo feitas com um ‘casa
comercial do Rio de Janeiro’. E na edição seguinte protestava contra o uso do
querosene, adquirido do truste norte americano pertencente ao ‘Rei do querosene’ Rockfeller.
Está bastante provado que a luz a álcool torna-se muito mais
barata. Julgo também mais conveniente empregar-se o álcool para a iluminação,
visto ser um produto nacional e assim o dinheiro que somos obrigados a gastar
com esse serviço público ficará aqui e não irá para a Norte América encher o bolso do ‘Rei do querosene’ Rockfeller, que
ultimamente foi condenado a uma multa de 200 mil contas (!) mais ou menos por
ter explorado, escandalosamente e fraudulentamente , com seu truste do
querosene, milhares e milhares de pobres trabalhadores.
A modernidade oferecia melhorias para a vida da comunidade, como também possibilidades de investimentos. Da Europa vinham novos produtos e exemplos a serem seguidos, pelo menos era o que defendia o propagandista do uso do álcool: “Há dois meses recebi o exemplar de uma lâmpada de luz a álcool invertida chamada Sinumbra, ou sem sombra, por não produzir sombra alguma. Esta lâmpada foi a única premiada na última exposição. (...) A Sinumbra é de uma força iluminativa de 75 velas...”.
A
iluminação a álcool deve ser para nós a mais digna de apreço, porque a
matéria-prima é tirada de nosso solo, produzida por nosso lavrador, o qual
contribui primeiro com o seu imposto... Quem a usou não quer mais dispensá-la,
porém o que mais interessa é ser a luz a álcool mais barata. A lâmpada de luz
invertida sinumbra gasta somente 1 litro de álcool em 12 horas (...) Como
propagandista da iluminação a álcool e como contribuinte do município de Itajaí
entendo ser meu dever protestar contra o projeto de instalação de luz a
acetileno nessa cidade...
Sobre o andamento do projeto de iluminação em Itajaí, se fora utilizado
o álcool ou o acetileno, ou ainda querosene, não encontramos maiores detalhes
na imprensa. Porém, na edição de janeiro de 1909, encontramos a seguinte nota
no órgão noticioso: “O serviço de iluminação pública da cidade durante o ano de
1909 foi arrematado pelo sr. Antonio Martiniano da Silva por 1:600$”. Edgar von
Buettner estava fora da jogada.
A discussão acerca da iluminação ocorreu também em Brusque no mesmo
período, haja vista que também esse município não possuía iluminação publica.
No ano de 1908, a municipalidade fazia constar em seu ‘Orçamento Geral da
Receita e Despesa Municipal do Município de Brusque’, para o exercício de 1908,
a quantia de 1.000$000 para as despesas com iluminação pública, porém no
‘Balancete de Receitas e Despesas do primeiro trimestre do exercício de 1908 da
Superintendência Municipal da Vila de Brusque’ não se encontra a despesa
referente com o dito serviço. Essa situação repete-se nos orçamentos seguintes,
caso que nos leva a acreditar que as discussões estavam em andamento, porém sem
uma definição até aquele momento. Diante dessa situação nosso homem de
negócios, Edgar von Buettner, se adiantava na tentativa de emplacar seus
projetos acerca da iluminação.
Por ocasião de um concerto musical realizado na
Sociedade dos Atiradores, em que um grupo de músicos ambulantes se apresentou
‘com fina perfeição artística’, iniciativa de Edgar von Buettner e Luiz Muller,
no qual a elite da cidade esteve presente ao espetáculo, a novidade foi
apresentada.
Como nos faz saber o cronista do Novidades, a
apresentação fora organizada por Edgar, e agora o sabemos, que não sem
interesses. Buettner tratou de preparar o salão de forma a apresentar seus
novos produtos ao púbico. “Além do raro prazer musical, teve o público boa
ocasião de admirar a excelente
iluminação a álcool, sendo o vasto salão iluminado somente com seis lampiões,
que produziram claridade como se fosse dia”. Em 1907 os debates acerca de quais
seriam os melhores aparelhos para a iluminação corriam pela imprensa
itajaiense, inclusive eventos transcorridos em Brusque, como tivemos a
oportunidade de conhecer. Como em Brusque não existia órgão noticioso nesse
período, as informações circulavam através do órgão de imprensa de Itajaí, que
por aqui chegava.
Encontramos Buettner, solitário, a escrever sobre o
assunto, pelo menos no Novidades. Em Brusque é certo que a coisa esquentava. O
evento organizado na Sociedade dos Atiradores era um ato proposital e visava
angariar adeptos a seu projeto. Se a elite embarcasse, consumindo tais
lampiões, é quase certo que muitos os seguiriam. Tanto por serem de melhor
qualidade, de menor preço, como também por representarem a modernidade, o novo.
As palavras deitadas sobre as páginas do Novidades
encantam ainda hoje, que dizer na época: “Merece o moderno sistema toda
proteção. Os novos lampiões, chikcs e elegantes, não são somente uma decoração
apreciável para cada mesa e cada salão, oferecem também a maior e poossível
limpeza assim como economia”.
“Uma luz três vezes mais intensa do que a luz a
querosene”, essa era uma das vantagens da iluminação a álcool, a outra era o
preço, considerado por Edgar bastante acessível: “Pode ser calculado o consumo
do álccol por hora em 30 réis...”, como também incentivava o comércio dos
derivados da cana que “... anteriormente o negociante não sabia o que fazer com
o melaço do açúcar que o colono trazia para o mercado em barricas, hoje porém
já é aproveitado e bem estimado na fabricação do álcool e não se perde mais
nenhum”.
No ano de 1908, quando tiveram início as discussões acerca da instalação
do marco comemorativo aos 50 anos de fundação da cidade (Joana), discutia-se
sobre qual o melhor método para empreender a iluminação que partiria do topo do
monumento. Estava previsto no projeto inicial “... em 1908, uma escultura em
bronze de uma mulher, simbolizando a Vila, tendo sobre a cabeça um lampião de
acetileno ou álcool”. Ainda em 1908 não se tinha claro qual o modelo que seria
utilizado para a iluminação pública da cidade, tendo em vista que a instalação
da usina de João Bauer somente ocorreria cinco anos mais tarde.
Pesquisa: Robson Gallassini (in memoriam).
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