Gripe Espanhola em Brusque - Revista CARTUM nº 140.
Acredita-se que entre 40 e 50 milhões de pessoas tenham morrido na pandemia de gripe espanhola de 1918, que durou até 1920, causada por uma variação do vírus influenza mortal. Mais de um quarto da população mundial na época foi infectada (cerca de 500 milhões de pessoas) e até o então presidente do Brasil, Rodrigues Alves (que havia sido eleito pela segunda vez), morreu da doença, em 1919. O vírus veio da Europa, a bordo do navio Demerara. O transatlântico desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro. No Brasil, mais de 30 mil pessoas morreram.
Os sintomas da doença eram muito parecidos com o atual coronavírus Sars-CoV-2, e não existia cura. Em São Paulo, a população foi atrás de um remédio caseiro feito com cachaça, limão e mel. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça, foi dessa receita supostamente terapêutica que nasceu a famosa bebida “caipirinha”.
A gripe espanhola não recebeu esse nome porque a Espanha foi o país mais atingido pela pandemia, mas porque ela falou abertamente da doença. Por ser um país neutro na Primeira Guerra, que estava em andamento, a imprensa falava mais da pandemia, sem pressão do governo para evitar mencionar um vírus mortal que poderia afetar o moral da população.
Brusque, janeiro 1919, 16 mil habitantes. Gripe espanhola:
centenas de infectados, mortes: 22, em 60 dias.
A Primeira Guerra Mundial chegava ao seu final, com a
derrota da Alemanha. No entanto, outra notícia preocupava seriamente os
brusquenses. Informações vindas de Itajaí, davam conta de que a perigosa gripe
espanhola já tinha chegado na vizinha cidade. Um jornal noticiara que a peste
tinha se transformado numa terrível epidemia para “atacar famílias inteiras da
nossa cidade”, que parecia “uma necrópole”.
A preocupação dos brusquenses era mais do que justificada. E
o vírus logo aqui chegou para semear e colher a sua sinistra safra de
sofrimento, doença e morte. Como vinha ocorrendo pelo mundo a fora daquela
época, Brusque teria que pagar a sua triste e dolorosa conta em vidas humanas.
Quantos mortos e quantos infectados? Ao certo, não saberemos
jamais. Documento oficial ou particular não encontrei. Da Gazeta Brusquense,
único jornal época, não existe nenhum exemplar.
No entanto, encontrei uma importante fonte de informação no
portal eletrônico FamilySearch, extraordinário serviço de informação histórica
prestado pela Igreja Mórmon. Consultei o livro do registro de óbitos da igreja
católica. Verifiquei que, no dia 26 de novembro de 1918, José Wust teria sido a
primeira vítima da gripe espanhola, em Brusque.
No seu registro de óbito, o padre Guilherme, vigário da
paróquia, anotou à margem que a causa da morte tinha sido “grippe”. A partir
desse dia, a epidemia se espalhou pela cidade. Durante 60 dias, com o pico da
doença em janeiro, a terrível doença contagiou algumas centenas de pessoas e
sua febre asfixiante ceifou a vida de 22 brusquenses. Número que, certamente,
foi maior porque se refere apenas aos católicos. Dos evangélicos luteranos, não
encontrei nenhuma informação.
Dor e sofrimentos profundos, tristeza e medo sem tamanho
devem ter abalado a têmpera de coragem e confiança que forjou a história de
vida do povo brusquense. A doença, da forma mais dolorosa, escolhia as crianças
para serem a maioria das vítimas da tragédia. Não foram poucos os pais a
amargar a dor de levar seus filhos à sepultura.
No final de janeiro de 1919, terminam os registros com a
anotação “Grippe”. Assim, tudo indica que, em dois meses, a gripe espanhola
teria cumprido a sua terrível missão apocalíptica de castigar o povo brusquense
com doença e a morte de, no mínimo, de 22 pessoas.
Depois desse tempo apocalíptico, mesmo sem remédio nem
vacina, o vírus da espanhola parecia já não contagiar nem causar a morte. Mas,
por muito tempo, a dor e o sofrimento continuaram assombrando o pensamento dos
brusquenses.
Agora, neste tempo de Covid-19 e afastamento social, parece que voltamos ao final de 1918. Mesmo sem nenhuma morte em Brusque, vivemos assustados, mascarados, com medo, desviando uns dos outros. Se a história se repete, penso não ser demais perguntar. Quando esse inimigo invisível armado de uma coroa de espinhos para nos castigar, terminará a sua funesta missão e nos deixará em paz?
João José Leal – Da Academia Catarinense Letras
* Crônica publicaca no jornal O Município, em 17.06.2020
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