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CRÔNICAS João José Leal.

Seguem abaixo 91 CRÔNICAS de João José Leal - Da Academia Catarinense de Letras, Promotor de Justiça e Professor Aposentado.

Aos amigos, crônicas de minha autoria...
(João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras)



Prozac Eletrônico

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 15.05.2024).
Antigamente, quando tínhamos que enfrentar uma longa fila de espera para entrar num cinema, ser atendido por um caixa de banco ou por outro qualquer prestador de serviço público ou privado, o jeito era conversar com a pessoa que estivesse mais próxima.
Na sala de um consultório médico ou outro profissional liberal, podíamos ler o jornal do dia ou a revista semanal. Muita amizade também ali começou, nas conversas sobre doença. Afinal, quem padece de um mal está sempre disposto a ouvir o outro e a abrir o peito para contar sobre a moléstia que lhe atormenta.
Veio a TV com suas novelas, documentários e noticiários para ajudar a passar o tempo em casa e nessas salas onde, pacientemente, ficamos à espera de uma sentença médica sobre a nossa saúde.


Neste novo tempo de pós-modernidade cibernética é diferente. Quase não vamos mais ao cinema e vemos nossos filmes em casa, sentados numa poltrona. Da mesma forma, quase não vamos ao banco porque somos todos bancários. Sacamos dinheiro, pagamos com cartão ou Pix, consultamos extrato e saldo e as filas de banco estão desaparecendo.
Agora, ninguém olha para a grande tela, ninguém mais lê nem conversa. A sala, mesmo lotada, permanece silenciosa. Nas filas e salas de espera, onde calma e muita paciência é a receita, mal chegamos e mergulhamos o olhar no cristal desse feiticeiro eletrônico que não sai das nossas mãos.
Pelo WhatsApp, o preferido dos internautas de todas as idades, lemos e mandamos mensagens; pelo Google, sabemos das últimas notícias ou assumimos o desafio de resolver um quebra-cabeça que, dizem alguns, faz bem para a memória dos velhos preocupados com o Alzheimer.
A verdade é que muito pouco usamos o celular, como fizemos com o telefone tradicional durante mais de um século, para falar com alguém do outro lado da linha ou do fio. Já não temos mais tempo para conversar ao telefone. Preferimos as mensagens gravadas despidas da espontaneidade e intimidade que envolvem e marcam a conversa entre amigos.
Mais que um simples telefone sem fio, o celular ou telemóvel como dizem nossos irmãos lusitanos, é hoje um poderoso microcomputador de mil e uma funções. Uma delas é de ser uma espécie de psicotrópico do mundo virtual, uma pílula tranquilizante, enfim, um Prozac eletrônico contra a impaciência que sentimos diante de um breve ou longo tempo de espera.
E já não nos aborrecemos, não ficamos incomodados. Graças às múltiplas funções da caixinha milagrosa chamada celular, o tempo passa e esquecemos de ficar irritados.
Penso que as secretárias, essas fiéis escudeiras dos profissionais liberais relapsos que não sabem o que é relógio e todos nós também, deveríamos render homenagem ao inventor do celular, esse aparelho de infinitas funções que nos livra da ansiedade e da irritação diante do tempo de espera.
João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

Fim da Segunda Guerra Mundial
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 08.05.2024).
No dia de hoje, há 79 anos, terminava na Europa a Segunda Guerra Mundial, conflito que causou a maior tragédia das muitas vezes sangrenta história da humanidade. Com a capitulação da Alemanha, era enterrado o macabro projeto nazista de construção do império de uma Grande Germânia ariana.


Mesmo que no Japão a guerra ainda continuasse até setembro, os povos de todo o mundo festejaram a grande vitória do bem e da paz sobre o mal e a intolerância política.
Proclamando uma odiosa doutrina de supremacia da raça ariana, o Estado nazista praticou uma criminosa guerra agressão contra nações europeias soberanas. Seus exércitos invadiram fronteiras nacionais para assassinar milhões de pessoas e destruir fábricas, campos agrícolas e cidades inteiras.
O apocalíptico plano nazista, sustentado por sua infernal máquina de guerra, culminou com o holocausto de seis milhões de seres humanos exterminados pelo único pecado de serem judeus.
Para o genocida e paranoico Führer, Adolfo Hitler, a Alemanha nazista, haveria de durar por mais de um milênio. Não passou de uma dúzia de anos.
Terminada a guerra, o quadro era de uma Europa em escombros e de terra arrasada, com as principais cidades alemãs destruídas.
É a ironia perversa da guerra, que se move como bumerangue cruel da destruição e da morte. No começo, foram os nazistas que arrasaram cidades e dizimaram populações de quase todas as nações europeias.
Semearam ventos de flagelo, de ódio e sofrimento. Colheram tempestades de fogo e morte lançadas por bandos de milhares de pássaros de guerra.
Muitas imagens, fotos e filmes foram feitos para retratar a terrível paisagem de desolação e tristeza; milhares de textos — romances, artigos e ensaios — foram escritos para descrever o horror da hecatombe; museus foram criados para não deixar a grande tragédia cair no esquecimento dos homens que nem sempre acreditam na história.
Penso que as imagens do filme Alemanha Ano Zero, de Rossellini é um retrato mais emblemático do quadro de devastação e ruínas causado pela insensatez humana turbinada pelo ódio, intolerância e fanatismo político.
Felizmente, não há mal que sempre dure. E quando parecia que o ódio e a vingança seriam o combustível de um implacável ajuste de contas; quando a paz e a concórdia pareciam uma utopia impossível, enfim, quando tudo parecia perdido, eis que vitoriosos e derrotados pensaram nos milhões de mortos, miraram o futuro e decidiram se dar as mãos.
E a Europa conciliada se levantou dos escombros da hecatombe para implantar um extraordinário e exitoso plano de reconstrução econômica e política.
Pouco mais de vinte anos depois, fui estudar na França. Nas férias, visitei diversos países da Europa ocidental. Das ruínas da guerra — com o olhar de turista, é claro — já não havia quase mais nada. O que vi foram cidades reconstruídas, prosperidade, paz e bem-estar social.


Enoturismo

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 24.04.2024).

Ultimamente, a idade já não me permite viajar com a frequência dos bons tempos em que fui passageiro desse barco sem bússola e sem rumo, chamado turismo, que nos convida a navegar ao sabor da curiosidade na busca de novos ares, diferentes paisagens urbanas e a viver novas emoções. Mas não posso me queixar, tantas foram as viagens de minha vida.

Ainda no ano passado, estava eu em Santiago e não resisti ao chamado da nova proposta, que a gente de rodas nos pés apelidou de enoturismo.

Visitei três vinícolas, inclusive a Concha y Toro, maior do Chile. No caminho, conheci um jornalista da Editora Abril que ali estava para uma reportagem e acabei entrevistado. Disse-lhe, em tom de brincadeira, que após mais de mil horas em museus e catedrais góticas, queria conhecer um pouco da vitivinicultura.



Queria ver os campos cultivados com as diversas cepas, percorrer corredores escuros, cheios de paranho, verdadeiros labirintos por onde passam os operários do trabalho duro e, de uns tempos para cá, também os curiosos turistas. Subir e descer escadas, em meio a tanques, tonéis, barricas e empoeiradas garrafas guardando o precioso líquido das safras ditas especiais.

Na chilena Concha y Toro, maior vinícola da América Latina, o périplo começa a céu aberto, junto aos parreirais com uma taça de branco nas mãos e termina com a encenação da estória do diabo que, durante à noite, bebia o melhor vinho do patrão.

A ladainha do enoturismo começa com a lição sobre a vindima, a uva madura colhida por mãos operárias, encestada e levada para o sacrifício do esmagamento por modernas máquinas. Neste trabalho, a modernidade aposentou os pés humanos, que já não mais realizam o ritual da dança eufórica da transformação do fruto maduro no suco vinífero, que a linguagem da viticultura chama de mosto.

A via-crúcis prossegue no interior da vinícola com uma parada diante de enormes tanques de madeira. E, porque tudo muda, também de inox, onde o mosco fermenta, esquenta, e ferve, no milagre químico de conversão da uva em vinho.

Depois, vem a estação do envasamento, garrafas em contínuo movimento para receber o líquido vermelho, que um dia vai ser ostentado, chacoalhado e levado aos lábios, numa taça de cristal para o gole final.

A última parada sempre termina, todos já fatigados , na sala de degustação, com a ladainha do guia a dizer que o vinho ali servido cheira a cravo da Índia, canela, anis, um pouco a lavanda, a jasmim e outras lorotas de seduzir mentes excitadas pela curiosidade.

E, todos concordam com o discurso do encantador de serpentes, que muito fala e nada diz. Finalmente, passam no balcão para compras que fazem a alegria do proprietário da vinícola.

Não sou sommelier nem guia enoturismo. Mas, aprecio o vinho, essa purpúrea bebida , minha companheira de jantar há mais de 60 anos.

Afinal, se Cristo serviu vinho aos seus apóstolos na sua última ceia, penso que um ou dois cálices a cada noite, se bem não faz a ninguém, mal também não.

João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras




Justiça Brazuelana

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 03.04.2024).
— Boa tarde. Lembro-me que o senhor foi o advogado do marido que matou a esposa com quatro tiros. Foi em 1996 e o crime abalou a cidade. Eu tinha aqui recém-chegado pra trabalhar no Banco Brasil. Não sei como, fui sorteada para ser jurada.
Olha, sempre quis parabenizar-lhe pela sua brilhante defesa. Foi um discurso que impressionou a todos que lotaram o salão do júri. Fiquei apaixonada pela sua oratória. No dia seguinte, toda a cidade comentava a eloquência do seu discurso de defesa. O senhor ficou famoso, depois daquele júri.
- Não absolvi o réu porque acho que nenhum marido tem o direito de matar a esposa por adultério. Mas, a sua defesa foi irretocável.
— Desculpa lhe perguntar, o senhor continua advogando e fazendo júri?
— Faz dez anos que parei de trabalhar. No começo, senti falta da advocacia. Mas, depois de um tempo, já não lembrava mais que um dia participei de centenas de audiências e muitas vezes subi à tribuna do júri popular para defender os acusados dos crimes mais graves praticados nas cidades da região. Sinto que se estivesse advogando, não me sentiria bem. Não consigo entender essa justiça criminal hoje praticada pela nossa suprema corte.
— Na Universidade, aprendi que o STF foi criado para julgar em grau de recurso as grandes causas jurídico-constitucionais. Não para se transformar numa delegacia de polícia, que manda prender mais de 1.200 cidadãos, com base numa equivocada e falaciosa narrativa de que seriam todos golpistas, fato só visto na Venezuela. Mesmo lá, as prisões são feitas a conta-gotas e não às centenas. É o que se pode chamar de justiça criminal brazuelana!


– Para mim, golpe de Estado exige um movimento planejado e conduzido por líder disposto tomar o poder. E aqueles vândalos bolsonaristas do 8 de Janeiro agiram por conta própria, de forma desorganizada, cada um quebrando e depredando sem obedecer à ordem de um chefe golpista (ao menos, o ministro Moraes das prisões aos camburões cheios, até hoje não prendeu nenhum líder do golpe de Estado).
Além disso, os “golpistas” não proclamaram um novo governo nem usaram nenhuma arma. E a história política nos ensina que os canhões e fuzis sempre estiveram nas mãos dos que derrubaram um governo para chegar ao poder.
- Ao contrário, há informações de que algumas “golpistas” idosas teriam sido presas com um rosário e uma bíblia nas mãos.
— Para mim, durante toda a sua centenária história, a função jurisdicional do STF sempre foi a de defender a lei, a liberdade e a Constituição. O que vejo agora é uma corte transformada numa instância judicial que manda investigar, decreta prisões às centenas e condena cidadãos a longas e cruéis penas de prisão, sem respeito às regras do devido processo legal.
- Os julgamentos ocorrem sem a presença física do advogado e decisões são prolatadas na calada das madrugadas, minutos depois de defesas prévias sequer lidas. Uma abominável justiça das trevas.
— Desculpe o desabafo, pois acabo de conhecer a senhora. Mas, não consigo concordar com a justiça criminal praticada pelo STF em relação aos 1.200 cidadãos que estão sendo processados e condenados por um crime que, a meu ver, não existiu.
- Infelizmente, temos um Congresso acovardado e aparelhado. Se parlamentares independentes e comprometidos com a verdadeira justiça tivéssemos, uma lei de anistia já teria sido promulgada para reparar a injustiça brazuelana praticada contra esses indefesos e desvalidos cidadãos brasileiros.

Velho Advogado

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 27.03.2024).

Na sala de uma moderna clínica ortopédica, uma das pacientes com o pé engessado perguntou ao homem sentado em sua frente, se ele era advogado.
— O senhor é o Dr. Fischer, não é? Logo me lembrei. Certa vez, já faz mais de 20 anos, o senhor advogou para a minha sogra, que tinha uma ação contra o INSS. Levou anos. No final, ela recebeu uma bolada de benefícios atrasados. Até morrer, ela sempre falou no seu nome, dizendo que foi um bom advogado, muito gentil e atencioso. Não cansava de falar bem da sua pessoa. O senhor ainda trabalha?


— Não advogo mais. Fiquei velho, doente do coração. Resolvi escutar o conselho da minha mulher e me aposentei para descansar. Faz mais de 10 anos que deixei o escritório com o meu filho e não entrei mais no fórum da comarca.
— Mas, o que aconteceu com o senhor, perguntou a mulher, apontando para o braço esquerdo do velho advogado, enfaixado e suspenso numa tala preta, dessas com moderno fecho de velcro.
— Pura imprudência. Estou aposentado e, em vez de sossegar, achei que deveria cuidar do quintal da minha casa, na rua Azambuja. Fui cortar um galho de árvore com um facão, errei o golpe e acabei cortando o pulso da mão esquerda. Foi um corte profundo, sangrou muito, um ferimento tão grave que acabei no hospital. Foram oito pontos para fechar o corte. Quase perdi a mão. Como você pode ver, a mão e o antebraço ainda estão inchados e pretos. Estou preocupado. Na minha idade, a gente já vive doente e qualquer ferimento pode complicar tudo.
— Já faz um mês e ainda continuo vindo ao ortopedista. Só nesta semana é que começou a melhorar um pouco. Além disso, tenho insuficiência renal e é preciso me cuidar para não ter que entrar na hemodiálise. Aí, então, ficaria condenado à penitência semanal de enfrentar aquele aparelho ligado ao corpo para filtrar o sangue. Dizem que cada sessão dura quase quatro horas. Prefiro morrer.
— Sempre gostei da minha profissão, de atender os clientes e de estudar os casos para ingressar com uma ação. Mas, não daquelas monótonas audiências, para ouvir testemunhas que quase nunca sabiam de nada ou não falavam a verdade. Imagina, se eu tiver que ficar tanto tempo imobilizado para fazer hemodiálise. Deve ser um tormento.
— É mesmo. O senhor precisa se cuidar.
— Claro que sim. Acho que agora aprendi a lição. Quem passou a vida dentro de um escritório ou do fórum, não deve se meter a jardineiro, muito menos a lenhador, como me disse o vizinho. Agora, já prometi à minha mulher que as árvores podem cair em cima da casa, que não mexo uma palha.
— Cheguei à conclusão de que cada um na sua profissão; cada macaco no seu galho; cada aposentado na sua poltrona, diante de uma tela da TV, do computador ou do celular, esse aparelhinho esperto, cheio de magias e sem preconceito de raça, cor, classe social, nem de faixa etária porque todos — criança, adolescente, jovem, adulto e até idoso centenário — vivem da mão à noite de olho na telinha.



Outono 2024: Verão que não Deixará Saudades

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 20.03.2024).

Nem parece, mas já estamos no outono. Cumprindo a lei física que rege a viagem dos astros através do espaço sideral, o nosso planeta mais uma vez repetiu o seu Equinócio de outono, quando dia e noite têm a mesma duração de 12 horas. Assim e a ciência meteorológica trabalha precisão de relógio suiço, desde os seis minutos cravados da última quarta-feira, já estávamos dormindo na estação das temperaturas amenas. Espero que assim seja, daqui pra frente. Afinal, já fomos suficientemente castigados com um tempo estival que nos fez suar sem botar a mão na massa.



Dizem os doutores do tempo que esse verão foi o mais quente já registrado no Brasil. Houve um dia, lá para o norte das Minas Gerais, que os termômetros bateram na casa dos 44,8°C, isso sem contar a sensação térmica, como dizem eles, que deve ter passado dos 50 graus. Dá para imaginar uma pessoa caminhando ou trabalhado ao meio do dia e em pleno sol?

Não foram apenas três meses de calor. No começo de outubro passado, estive em Manaus. A Amazônia parecia estar pegando fogo, de tão quente. Não dava para caminhar nas ruas ensolaradas. Voltei para Brusque e percebi que, também aqui; a temperatura não estava pra pinguim nem pra esquimó.

Naquele mês. a primavera ainda não havia completado o seu primeiro mês e passamos conviver com altas temperaturas e tempestades de causar enormes estragos na nossa Brusque e em muitas outras cidades brasileiras.

Tudo por conta desse moleque diabólico chamado El Niño, que aquece a temperatura das águas do Pacífico e provoca essas terríveis ondas de intenso calor. O pior, garantem os profetas do tempo, é que esse capeta do sol escaldante, das chuvas copiosas de causar inundações, das tormentas que nos assustam, dos ventos e vendavais que deixam um rastro de desgraça na sua passagem, continuará ainda por algum tempo.
Não como até ontem, com dias tão quentes de nos deixar indolentes e ser um pretexto para se jogar nos braços da ninfa da preguiça. Seria insuportável e um castigo que não merecemos. A verdade que não se sabe ao certo quando esse indesejado moleque do tempo sairá de cena para dar lugar à sua companheira La Niña.

Por ser mulher, deverá nos tratar com mais delicadeza e menos violência e nos livrar desses insuportáveis dias de calor intenso.
Pela minha experiência de 82 outonos, estou certo de que a Mãe-Natureza não esquecerá dos seus filhos, mesmo que por eles seja muitas vezes maltratada.

Assim, não deixará de nos brindar com dias mais frescos e agradáveis, que serão muito bem-vindos porque ninguém é masoquista para gostar de viver numa fornalha ardente.

E quando chegarem os dias verdadeiramente outonais, penso que ninguém vai sentir saudade desse verão que, por meses, nos cozinhou num caldeirão infernal.


Anistia e STF. Que Democracia é esta?

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 07.03.2024).
Ninguém pode negar que no dia 8 de Janeiro de 2023, em Brasília, foram praticados graves crimes de dano contra o patrimônio público, principalmente, contra a sede dos três poderes. Da mesma forma, ninguém pode defender os seus autores, que devem ser processados e punidos de acordo com a lei penal.
No entanto, somente por meio de uma hermenêutica politizada, para dizer o mínimo, pode-se afirmar que aqueles depredadores cometeram tentativa idônea, muito menos, crime consumado de abolição ou golpe de Estado.
Nenhum “golpista” portava qualquer tipo de arma; nenhum representante das instituições da República foi objeto de violência ou grave ameaça; nenhum grito ou manifesto de destituição dos representantes dos três poderes foi proclamado.
Na verdade, os poderes constituídos não sofreram qualquer tipo de restrição, muito menos, foram impedidos de exercer as suas funções constitucionais. Ao contrário. Continuaram funcionando normalmente, sem qualquer tipo de ameaça e cada vez mais fortalecidos.
Assim sendo, não se pode falar em crime de abolição do Estado democrático, pela ausência de uma condição ou elemento jurídico indispensável à consumação desse grave crime.


Diante dessa narrativa do STF, a legítima bandeira da anistia está sendo desfraldada e é preciso que ganhe cada vez mais força. É evidente que, enquanto o principal interessado, Jair Bolsonaro, estiver à frente deste legítimo movimento, uma futura lei de anistia dificilmente será aprovada.
Também é não se pode esperar apoio da OAB, que continua batendo palmas para as mais de 1.200 prisões - coisa nunca vista na sua história - como se a instituição não existisse para defender todo e qualquer culpado ou inocente da justiça criminal.
No entanto, com o povo manifestando-se por todos os meios de comunicação contra esse gravíssimo e supremo equívoco, poderemos ter a esperança de que o Congresso Nacional, ouça a voz das ruas, das praças, das redes sociais e aprove a necessária e justa lei de anistia.
Por tudo isso, fiquei estarrecido com a declaração de alguns ministros do STF. Deixaram de lado o pudor judicial que a negra toga lhes impõe para mandar um recado aos parlamentares. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, esses ministros anteciparam o voto em eventual julgamento sobre a matéria e “afirmaram que uma anistia, mesmo que aprovada pelo Congresso, não teria efeito prático porque certamente seria anulada pelo Supremo”.
Dizem ainda, que o questionável “precedente firmado na anulação do indulto concedido ao ex-deputado Daniel Silveira” seria um indicativo de que “a corte teria maioria folgada para invalidar uma anistia”. Trata-se de afirmação falaciosa, pois a Constituição Federal só proíbe a concessão de indulto ou anistia para crimes hediondos e de terrorismo. Não há nenhuma outra restrição ao poder discricionário e de conveniência política de decretar indulto, cujo decreto pode ser bom ou ruim, mas é uma competência privativa do chefe do Executivo.
Dizem os supremos juízes, ainda sem razão, que a Constituição não admite “anistia para crimes contra a democracia”. Infelizmente, ignoram ou deliberadamente procuram confundir a opinião pública. Na verdade, a história da anistia deste país sempre esteve relacionada aos crimes políticos.
É da sua natureza levar o perdão legal aos processados e condenados e semear o esquecimento político-jurídico sobre crimes do passado, a fim de se restabelecer a paz política no âmbito da nação. Foram os casos de todas as leis de anistia deste país, da primeira promulgada em 1892, à última aprovada em 1979.
Além de tudo disso, caso dos depredadores do 8 de Janeiro, não se trata somente de acalmar os ânimos políticos e pacificar a nação. A verdade é que uma futura anistia deverá fazer justiça a condenados com base num entendimento ideologizado. Portanto, pode-se dizer que todos os atos processuais, incluindo sentenças já prolatadas, são judicialmente discutíveis, para dizer o mínimo.
Além de tudo isso, essa necessária umanistia, representará tão somente um legítimos decreto legislativo de absolvição de condenados sem direito a recurso, senão para os próprios julgadores e isso contraria a Convenção Universal dos Direitos Humanos.
Hoje, muitos dos que estão no comando da nação brasileira, vociferando contra a concessão de uma justa e necessária anistia para os atuais condenados pelos atos de 8 de Janeiro, são os mesmos que um dia foram beneficiados por esse instituto político-jurídico de concórdia política.
Se Rui Barbosa, o grande patrono das três primeiras leis de anistia, pudesse viajar nas asas do tempo, com certeza, indignado, estaria bradando:
Que democracia é esta em que o STF não se vexa em mandar recado dizendo ao Parlamento o que pode ou não ser votado?
Que democracia é esta em que os parlamentares que representam a vontade popular são previamente advertidos (e se calam!) de que não podem aprovar uma lei de anistia que venha a pacificar a nação brasileira?

Filosofia de Para-Choque
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 28.02.2024).

Nas estradas, já não vemos caminhões que, além da carga, carregam frases escritas no para-choque. São pensamentos e ditos populares sobre o cotidiano das nossas vidas, satirizando governantes e políticos e a dura vida dos próprios profissionais da estrada.
Foi uma moda caminhoneira comum nos anos 1960 e que foi sendo abandonada a partir deste século. É claro que ainda podemos ver caminhões com uma dessas frases.

No entanto, a velocidade é a marca desta sociedade pós-moderna, que nos faz rodar a mais de cem, voar a mil quilômetros por hora, porque sempre estamos com pressa para chegar a um destino que será apenas um ponto de novas partidas.
E assim, voando baixo sobre tapetes negros, já não temos tempo para ler as mensagens que viajam nas traseiras de jamantas e treminhões.
Na internet, essa rede de informações sem limite e sem fim, podemos ler algumas frases espirituosas. São ditados dessa filosofia popular itinerante, geralmente recheados com uma boa dose de ironia e bom humor, viajando sobre as rodas de um veículo de carga pelas estradas desse imenso território brasileiro.
Anotei algumas delas e a primeira diz que “Se político andasse de caminhão, as estradas teriam melhor conservação”.
É uma crítica bem-humorada ao precário estado da nossa malha rodoviária, por onde transita a produção industrial e agropecuária brasileira. Ninguém desconhece que, salvo as rodovias pedagiadas com tarifas que pesam no bolso do caminhoneiro, as demais estradas deste país estão sucateadas ou em péssimas condições de tráfego.
A frase, temperada com as letras da ironia, também não deixa de atribuir aos políticos e governantes a responsabilidade por esse grave problema de circulação rodoviária, que afeta especialmente os mais de dois milhões dos nossos profissionais do volante.
A seguir, transcrevo mais algumas poucas, que falam por si só:
“Nasci pelado, careca e sem dente: o que vier é lucro”. “Tudo que é bom na vida faz mal ou é pecado”. “Não sou detetive, mas só ando na pista”. “Melhor chegar atrasado neste mundo do que adiantado no outro”. “A fortuna faz amigos, a desgraça prova se eles existem de fato”. “Saudade não tem braços, mas aperta”.
Penso que essas centenas de frases curtas, objetivas, jocosas, algumas escritas com uma boa dose de sarcasmo, são mensagens e recados amistosos que o caminhoneiro — um desconhecido que nem sonhamos quem seja — inscreve numa barra de ferro do seu veículo para nos deixar mais bem-humorados e alegrar o nosso espírito durante as viagens cansativas, desconfortáveis e irritantes, que fazemos por essas estradas perigosas e sempre entulhadas de veículos.


Conversas Praianas – Cachorro e Socos

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 21.02.2024).

Na roda de conversas das mulheres do Alvorada do Atlântico, o assunto mais uma vez são os cachorros. Marilda, chapecoense, agora moradora permanente da Dubai brasileira, estava contando a novidade.
Amigas, não é muito frequente, mas quando estou em casa, nos finais de tarde, levo a minha poodle para caminhar e fazer as necessidades. Passou das cinco e a minha Shelby fica indócil, agitada, ganindo sem parar até que alguém resolva levá-la. - É incrível, parece que ela tem relógio. Ontem, estava passeando com minha “menina” e encontramos um rapaz com outro poodle.
— Como vocês sabem, a Avenida Atlântica virou uma passarela canina e a gente tem que parar a cada momento para os cães se beijarem e se cheirarem, quando não dá briga, é claro. Perguntei ao moço como era o nome do seu cachorro que parecia um pouco nervoso. Só escutei ele dizer Quindim e não deu mais tempo.
— Pois não é que o Quindim ou Bombom, já não me lembro mais de tão nervosa que fiquei, avançou e mordeu feio a perna de uma mulher que passava com o marido? A coitada levou um susto tão grande que despencou sobre a calçada, o sangue jorrando forte, escorrendo pela perna e formando uma poça enorme. Nervoso, o marido procurou acudir a esposa. Ela tomava aspirina pra afinar o sangue e corria o risco de sofrer uma grave hemorragia.
— Num minuto, diversas pessoas rodeavam a vítima. Não vi de onde veio e o marido já estava com uma toalha fazendo um tampão para estancar o sangue. Então, colocaram a mulher sentada no chão à espera do Samu, que alguém já havia chamado.
— E o dono do cachorro agressor não fez nada? Perguntou uma das amigas.
— Olha, com o cachorro no colo, ele não sabia aonde se esconder. Só pedia desculpas e repetia quase chorando que o Quindim nunca tinha mordido alguém. Não deu muito tempo para desculpas. Vendo que a esposa estava mais calma, o marido avançou sobre o rapaz, desferindo-lhe tapas e socos. Logo formou-se uma confusão danada. Parecia que todos concordavam com o merecido castigo dado ao dono do cachorro.
— Mas, bastou um soco atingir de raspão o Quindim e os presentes passaram a gritar que o cachorro não tinha culpa e que o dono é que deveria ter mais cuidado. Então, foi uma chuva de xingamentos contra o marido furioso pela agressão ao pobre cão. Foi um pandemônio. Parecia que os mais exaltados iam partir pra violência. Felizmente, chegou o Samu e os ânimos se acalmaram.
— No meio da confusão, também não sei de onde veio, apareceu um advogado. Não conseguiu falar com o marido, ainda muito nervoso. Então, deixou o seu cartão com a mulher ferida, dizendo-lhe que estava à disposição do casal para fazer uma representação criminal e também uma ação por danos materiais e morais.


Conversas Praianas – Cachorros e Sandálias

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 31.01.2024).

Neste verão, a tribo de sexagenárias do Alvorada do Atlântico contou com mais duas condôminas de Mato Grosso e Tocantins. Como sempre, as reuniões vespertinas para colocar as fofocas em dia aconteceram quase todas as tardes.
E o assunto de uma das conversas foi sobre o cão de estimação. Afinal, quase todas têm o seu “menino” ou “menina”, como dizem elas, um poodle, um buldogue, um labrador ou um outro de uma das muitas raças.
Embora novata no grupo, Maria Fernanda, da capital de Tocantins, tomou conta do bate-papo para contar o que lhe acontecera antes do Natal.
— Amigas, vocês não vão acreditar o que me aconteceu no começo de dezembro. Um casal, que havíamos conhecido numa festa de casamento, nos convidou para jantar no apartamento deles. Logo que meu marido tocou a campainha, escutei o latido de dois cães atrás da porta. Já na entrada, dois poodles avançaram em nós e não paravam de latir, aquele ganido estridente que zunia nos meus ouvidos.
— Um deles quase me mordeu. Imaginem, em vez de afastar os dois diabinhos e levá-los para um outro local, a dona, que agora virou tutora, apenas disse que os “meninos” eram assim mesmo e só queriam brincar. E não parou de falar dos seus dois queridinhos. Não teve jeito, a conversa rolou em meio àqueles latidos esganiçados, que tornavam quase impossível entender o que ela me dizia. Fomos para o jantar e, felizmente, os dois peludos se calaram e desapareceram para que pudéssemos comer em paz e conversar, sem gritos.


— Como vocês sabem, Palmas é uma das cidades mais quentes do Brasil e, pra piorar, não tinha ar-condicionado na sala de jantar. Estava um calor danado, de suar em bicas. Então, pra aliviar os pés, tirei as sandálias embaixo da mesa.
— Já passava das onze horas, quando meu marido e eu resolvemos nos despedir. Procurei calçar as minhas sandálias, vasculhei com os pés por baixo da mesa e não consegui encontrá-las. Abaixei-me para procurar e nada das sandálias. Então, expliquei para os anfitriões que tinha tirado as sandálias e, para encurtar a conversa, as sandálias foram encontradas num quarto do apartamento.
— Veio a dona com a minhas sandálias, que me custaram 1.400 reais, com as tiras completamente roídas pelos dois cachorros. Sem pedir desculpas, ela ria às gargalhadas do ocorrido, dizendo que não era a primeira vez que os “meninos” comiam o calçado das visitas. Botei as sandálias no lixo e saí dali furiosa e descalça.
— Na semana seguinte, meu marido disse-me que queria retribuir a gentileza do convite. Armei um barraco daqueles. Falei pra ele que os dois estavam proibidos de entrar em minha casa.



Conversas Praianas – Confeitaria Karlsdorf

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 17.01.2024).

— Amigas, estive em Brusque. Vocês precisam conhecer a Confeitaria Karlsdorf. Disseram-me que o dono quis fazer igual a uma confeitaria alemã em que trabalhou, onde aprendeu a arte da confeitaria. Realmente, parece uma daquelas confeitarias que a gente vê na Baviera. É uma beleza. Tudo arrumadinho, os vidros dos balcões limpos, brilhando como cristal e uma limpeza impecável. As tortas com um visual de dar água na boca. Em cima de cada uma delas, graciosas miniaturas de bonecas da imperatriz Sissi. Os docinhos e salgadinhos, então, lado a lado, numa ordem prussiana perfeita.


— E a decoração dos salões? Vocês não podem imaginar o capricho. As mesas são de madeira encerada na cor nogueira e as toalhas coloridas de tecido quadriculado, passadas a ferro de não se ver uma dobra. Para sentar, cadeiras de madeira na mesma cor com um recorte no espaldar, em forma de coração e bancos aconchegantes nos cantos dos salões. Em cima de cada mesa, vasos de astromélias brancas.
— Nas paredes, delicadas pinturas a óleo de flores e de antigas cidades alemãs. Os lustres, de ferro batido, pintados numa cor cinza, são decorados com pequenas lâmpadas imitando velas. No centro, tem uma cabeça de cervo cheia de chifres, como naquelas confeitarias das estações de neve. Estive lá no mês de dezembro e a decoração natalina estava maravilhosa. A garçonete me disse que quase tudo veio de Karlsdorf.
— Mas, já vou avisando. Se alguma de vocês quiser ir a Brusque para comer uma excelente empadinha, uma torta salgada ou doce, é preciso paciência com as regras da casa. Pedi umas empadinhas de palmito. E a resposta? Era o dia das empadas de frango e de carne. De palmito, só às sextas e sábados.
— Então, parti pro pão picante e pedi uma fatia coberta com cenoura ralada e azeitona. Imaginem vocês, a moça me disse que a fatia da vez era com pepino em cima. Não gosto muito de pepino, para mim já basta o nome. Mesmo assim aceitei porque o visual era apetitoso. Pedi para tirar o pepino e, confesso, o pão picante estava muito bom.
— Fui ao balcão para ver as tortas. Tinha umas dez de sabores diferentes. Então, pedi uma fatia da torta de nozes. O protocolo era o mesmo. Só serviam fatias das tortas já cortadas. Não adiantou insistir em falar com o dono, porque o homem não arreda o pé. Resolvi, então, comer um strudel de maçã, um apfelstrudel, que a moça loira pronunciou como se estivesse em Berlim. Tem mais. O dono não aceita cartão de crédito nem cheque. Só há pouco tempo e depois de muita reclamação a gente pode pagar por Pix.
— Outra regra da casa é fechar às sete da noite em ponto. Estava lá naquela hora e tive de sair com outros fregueses debaixo de uma trovoada terrível. Chovia a cântaros, de alagar as ruas. Então pedimos para ficar até passar a chuva, mas o dono disse que sempre fechou às sete da noite e que não era culpado pela tempestade. Não teve jeito, tive que caminhar por ruas alagadas para chegar ao carro, encharcada da cabeça aos pés.
— Olha se me perguntarem se vale a pena, digo que sim. Mas, é bom consultar a previsão do tempo para ver se há risco de chuva e trovoada.
Inabalável Democracia ou Comício da Intolerância?
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 10.01.2024).
Com as bênçãos do STF, seu poderoso padrinho, o governo Lula promoveu anteontem um ato público ao qual deram o nome de “Democracia Inabalável”. Ministros, convidados especiais, políticos e parlamentares que apoiam o seu governo a troco de emendas parlamentares que custam bilhões ao Tesouro Nacional se fizeram presentes ao ato de fé em favor da democracia.
Não a democracia representativa e popular, mas sim a relativa, aquela defendida pelo Chefe do Executivo ou a outra, a concebida nos gabinetes dos ministros do STF.
O ato político contou também com a presença de ministros do STF, que neste estranho tempo de explícito ativismo judicial, não se conformam em exercer apenas a judicatura suprema. Consideram-se competentes para também governar a nação brasileira por meio de decisões monocráticas ou colegiadas que anulam leis aprovadas pelo Congresso Nacional, estabelecem diretrizes administrativas ou criam o direito como se fossem, eles próprios, os infalíveis legisladores dessa nação tão dividida.


Segundo a propaganda oficial, a estranha assembleia dos paladinos da intolerância punitiva com ou sem toga negra foi convocada para promover a defesa da inabalável democracia brasileira. No entanto, ficou claro que o verdadeiro objetivo foi o de condenar os atos de vandalismo ocorridos no dia 8 de janeiro de 2022 e dar credibilidade à equivocada narrativa de que os manifestantes praticaram o crime de tentativa de golpe de Estado para derrubar o governo Lula.
Ora, qualquer estudante de direito sabe que ninguém consegue praticar tentativa punível, muito menos, um golpe de Estado sem armas nas mãos. Sabe também que os crimes imputados aos “golpistas” eram tanto mais impossíveis de serem consumados quanto se sabe que os atos de depredação coletiva não impediram nem restringiram o exercício dos poderes constitucionais, condição indispensável à configuração dos referidos tipos penais.
Sem se dar conta da explícita contradição, o próprio STF afirma, agora, que a nossa democracia é “inabalável”.
E assim, embarcados na discutível narrativa criada pelo ministro Alexandre de Moraes, os chefes dos três poderes e outros oradores destilaram ódio, intolerância, ameaças de mais prisões aos inimigos da democracia, que pode ser qualquer cidadão que assim seja rotulado.
Apesar dos discursos recheados de adjetivos e juramentos em defesa da democracia, por trás dos panos também ficou evidente que o comício eleitoral de segunda-feira não passou de uma inútil tentativa para dar credibilidade ética ao presidente Lula.
No tanto, boa parte dos brasileiros não esquece que foi ele o grande chefe do maior esquema de corrupção ocorrido no país. Sabe também que o STF não o absolveu nem o inocentou dos seus graves crimes. Apenas e de forma discutível, anulou os processos.
Se, juridicamente, Lula recebeu uma carta de alforria pelos crimes praticados, politicamente, a história é outra bem diferente. Carrega ele consigo a hedionda nódoa de improbidade que nenhum tribunal supremo pode apagar da história política brasileira. Isso muitos brasileiros sabem e não esquecem.

 
Ano 2024: Tempo de Promessas
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 03.01.2024).
Se o tempo em que vivemos nesse planeta Terra, barca cósmica navegando no oceano infinito dessa leitosa e esbranquiçada galáxia que os gregos apelidaram de Via Láctea teve um começo, isso teria acontecido há quatro bilhões de anos. É o que dizem os estudiosos da ciência astronômica. É tanto tempo que o pontapé inicial dessa caminhada infindável se perde nos limites da mais fértil imaginação humana.
Então, o tempo não teria um começo com dia, mês e ano conhecidos com precisão de calendário ou de cronômetro que marca milésimos de segundo. De qualquer forma, é certo que não sabemos exatamente quando tudo começou nem, muito menos, quando será o fim, se é que haverá um final para a nossa vida na Terra.


No entanto, o ser humano precisa de regras, de convenções para sobreviver coletivamente e resolveu dividir o tempo em anos de 365 dias. Assim, há três dias, estamos vivendo as emoções de um novo ano.
Como sempre, a última noite de 2023 se transformou numa festa geral, num momento de exagerada euforia com direito a jantares reunindo amigos e familiares, a muita bebida alcoólica até o amanhecer de deixar muita gente de porre, com as pernas cambaleantes e as mentes perturbadas pelo efeito das toxinas etílicas sorvidas de taças e copos sempre nas mãos.
Como acontece a cada virada de calendário, a noite do final de ano foi um comovente momento de calorosos e apertados abraços, olhos marejados por reconciliações que já pareciam impossíveis e de votos de um feliz ano novo. São frases repetidas a cada ano, mesmo sabendo que o novo ano será marcado, sim, por vitórias, conquistas e momentos de alegria. Mas, também por derrotas e momentos de sofrimento e tristeza, porque a felicidade nunca será plena.
É uma tradição de séculos. Final e começo de um novo ano é tempo de manifestações explícitas de fraternidade e de solidariedade sem fim. Na verdade, de promessas a cada ano renovadas e que acabam, muitas delas, sendo esquecidas no dia seguinte, quando muito, cumpridas a pau e corda.
A verdade é que o amor ao próximo exige sacrifício de gente santa e nós não passamos de simples pecadores em busca de uma vida pautada nas virtudes que tanto proclamamos e que tão pouco praticamos.
Mas, não podemos deixar a esperança morrer. Tantos são os votos de felicidade e saúde ao próximo, tantas são as promessas de fraternidade e solidariedade que é razoável acreditar e ter esperança que, no próximo final de ano, seremos pessoas melhores e a humanidade terá avançado no caminho da fraternidade, da solidariedade, da paz e do bem-estar social.
Aos meus leitores, desejo um Novo Ano com muita saúde, alegria e paz.


OPINIÃO: Meu Primeiro Natal


(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 21.12.2023).

Meu primeiro Natal guardado na memória, aconteceu em Tijuquinhas, situada à beira-mar, no município de Biguaçu. Dali, sobre a linha das águas salgadas da Baía Norte, podia-se ver o contorno esmaecido do casario que se debruçava sobre as calçadas e ruas estreitas da então provinciana Floripa. Da bela paisagem marinha, destacava-se a silhueta aramada da Ponte Hercílio Luz, obra de engenharia já centenária.

Não é uma grande distância. Não mais, talvez, de 12 kms em linha reta. No entanto, a capital parecia longe do alcance de quem vivia numa localidade, àquela época, isolada de tudo. Para viajar à capital era preciso ir de carroça a Biguaçu e de lá pegar o ônibus, numa viagem de quase uma manhã inteira.

Naquele primeiro Natal, creio que eu tinha seis anos. Na mudança de Tijucas para a pequena e quase-nada Tijuquinhas, minha Mãe não esquecera de levar o singelo presépio da família. Era preciso preservar a tradição cristã e reverenciar – a cada 25 de dezembro – o nascimento de Cristo. Nossa casa, que passou por algumas reformas, ainda se encontra no mesmo local. Mas, com a vista da verticalizada Floripa de hoje encoberta pelo aterro levantado para a construção da BR-101.

Na véspera daquele já longínquo Natal, meu pai fechou a venda mais cedo. Logo que escureceu, a pequena sala de nossa casa – fracamente iluminada pela luz de velas e de um lampião – além da família, foi tomada por alguns fregueses, humildes agricultores e vizinhos, convidados a participar da cerimônia natalina, todos curiosos para contemplar a magia celestial do presépio.


Em cima de uma mesa, serpenteava um improvisado caminho, em meio a pequenas pedras, a improvisadas colinas e a uma pastagem de musgo onde estavam deitadas as “ovelhas” do bom pastor. Tudo ornamentado com barba de velho e gravatás.

No canto junto à parede, a cena da natividade: pequenas e toscas imagens em gesso do humilde São José, com seu ar circunspecto de pai-idoso; a Virgem Maria com seu olhar de pura serenidade e, no centro, o Menino Jesus, deitado num humilde berço, de braços abertos como a dizer que estava chegando para redimir uma Humanidade cheia de vícios e pecados.

Na singela cena, não poderia faltar ainda a imagem do burro, que trouxera a Virgem Maria, de Nazaré a Belém e que possibilitou a fuga salvadora do massacre infantil ordenado pelo sanguinário Herodes, então Rei da Judeia, inundada pelo sangue de inocentes criancinhas. Não faltaram, também, as figuras dos humildes pastores que trouxeram os primeiros alimentos para o sustento da família-mater da cristandade.

Depois das orações, foi entoada a tradicional e bela canção Noite Feliz, puxada por minha irmã mais velha que estudava interna no colégio de Tijucas e que tinha a voz mais afinada. Fora ela, também, a principal responsável pela montagem do presépio, naquele momento mágico e singelo contemplado pelo olhar extasiado, de profunda admiração e devoção, por aquelas pessoas tão humildes e pobres – agricultores ou pescadores – quanto a própria cena da Natividade ali representada.

Naquele momento mágico, a singela representação da Natividade, simbolizada por toscas imagens pintadas em gesso e envoltas por uma ornamentação de musgos, barbas-de-velho e gravatás, exercia um ingênuo e profundo fascínio naquelas pessoas — pobres agricultores e pescadores — vivendo tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe do progresso. das novidades e dos feitiços da capital.

Ao leitor desta crônica, Feliz Natal.

Aparelhamento ideológico do STF

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 06.12.2023).

A indicação de Flávio Dino para integrar o STF representa uma afronta, um deboche ao Senado Federal desferido pelo presidente Lula da Silva. Como todos sabem, cabe agora aos senadores aprovar ou rejeitar o nome do atual ministro da justiça que passou onze meses a desrespeitar e achincalhar as duas casas legislativas do Congresso Nacional.

Convocado ou convidado para depor ou prestar esclarecimentos sobre fatos investigados por CPIs, Flávio Dino se negou a comparecer, alegou levianamente doença momentânea e até se disse preocupado por sua segurança, para deixar de atender ao chamado parlamentar. Quando o fez, procurou desmoralizar parlamentares que o interrogaram ou lhe pediram informações sobre fatos investigados, inclusive, recusando-se a entregar provas sobre os atos de vandalismo do 8 de janeiro.

Agora, depois de hostilizar os parlamentares, ele próprio um senador da República, Flávio Dino precisa da aprovação do Senado para vestir a toga negra de ministro vitalício do STF. Por isso, penso que a sua indicação deveria ser rejeitada pelo Senado.

Não se trata de saber se Flávio Dino tem conhecimento jurídico, já que é formado em direito, já foi magistrado e professor universitário. Mas, essa atividade profissional foi há muito abandonada quando pendurou a toga para ser deputado federal, depois governador do Maranhão, senador e, agora, ministro de Estado a serviço do seu guru político Lula da Silva.

Portanto, como fez em junho, ao indicar seu advogado particular para ser ministro do STF, o presidente Lula, agora, também não está indicando um jurista com “notável saber jurídico”, como reza a Constituição.

Não é por sua formação jurídica que Flávio Dino foi indicado para ocupar uma vaga na Suprema Corte e sim por sua militância ideologicamente identificada com a política petista de poder. E, principalmente, por ser um fiel servidor do seu chefe político.

Penso que, se os senadores tiverem um mínimo de independência e dignidade política, devem rejeitar a indicação desse ministro parlapatão. Na verdade, a indicação de um militante partidário para assumir uma cadeira da suprema corte representa apenas e tão somente um movimento a mais no tabuleiro do projeto de poder político petista de aparelhar ideologicamente o STF.

Infelizmente, assim como aconteceu com a indicação do advogado Zanin, parece que a aprovação de Flávio Dino já foi costurada com promessas de vantagens, favores, cargos e verbas de emendas aos senadores. A sabatina na Comissão de Justiça, ocorrida na última segunda-feira, não passou de uma falaciosa encenação, indicando a sua aprovação pelo Plenário do Senado será apenas uma mera formalidade para enganar a opinião pública.

E o indicado adentrará as portas da Suprema Corte para dizer a última palavra sobre importantes questões judiciárias nacionais, aplicando a lei segundo o seu livre convencimento, mas também a serviço de um partido e de um projeto de poder político. É triste ver o STF transformado num colegiado cada vez mais ideologizado, com boa parte dos seus integrantes nomeados por governos petistas.



A Morte de Um Inocente

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 29.11.2023).

A morte de Cleriston Pereira da Cunha na penitenciária da Papuda é um grave fato político e judiciário que precisa ser investigado com o maior rigor. E o ministro Alexandre de Morares, que decretou a prisão preventiva desse inocente preso e se omitiu em conceder-lhe a liberdade para tratar de sua doença, deve ser o alvo dessa investigação. Digo inocente preso porque o STF não tem se cansado de proclamar que todo acusado, mesmo aquele já condenado em segunda instância, é considerado inocente até o trânsito em julgado da ação.
A responsabilidade por essa triste morte se torna tanto mais grave quando se sabe que Cleriston foi preso, juntamente com mais outros 1.200 cidadãos brasileiros porque teriam protestado, invadido e depredado prédios públicos da capital da República. É possível que até quisessem que as forças armadas praticassem um golpe de Estado. Mas, há séculos, o Direito Penal das modernas democracias e o nosso Código Penal assim prescreve, deixaram de punir a intenção ou o mero desejo por mais perverso que seja.
No entanto, o ministro Moraes criou a narrativa de que os manifestantes do 8 de janeiro cometeram os crimes de associação criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Em consequência, decretou-lhes a prisão preventiva às centenas, coisa jamais vista na história política e judiciária desta nação. Nenhum delegado de polícia prendeu em tão pouco tempo tanto bandido neste país. E o ministro prendeu mais de um milhar de cidadãos.
Ora, o ministro Moraes sabe muito bem que é impossível tentar, muito menos, promover um golpe de Estado sem armas nas mãos. Um exame isento do fato ocorrido mostra claramente que os manifestantes não estavam armados com nenhum revólver, nenhum fuzil, nenhuma metralhadora, muito menos um canhão sequer. Um olhar atento e imparcial das ações praticadas deixa evidente que não houve qualquer tentativa de proclamação de um novo governo. Ao contrário, o governante recém-eleito assistiu de camarote aos atos de depredação e de vandalismo.


Portanto, imputar aos manifestantes o grave crime de abolição violenta do Estado democrático é uma decisão arbitrária que não corresponde à lei e aos princípios penais do Estado Democrático. Parece que, de tanto caçar e reprimir autores de fake news pela internet, o ministro Moraes criou a narrativa de golpe de Estado e passou a divulgá-la por todos os canais de comunicação.
Durante o regime militar, em nome da Segurança Nacional, os órgãos de repressão rotulavam as pessoas de subversivas para aplicar-lhes os rigores da lei. Neste novo tempo de chumbo, infelizmente, sem um novo Sobral Pinto para bater às portas do STF e proclamar a inocência de seus clientes presos, é a própria Corte que, em nome do Estado Democrático, rotula centenas de pessoas de golpistas para aplicar-lhes um tratamento penal de crueldade penitenciária.
Se tivéssemos um Parlamento independente, cônscio do seu poder institucional, já teríamos uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita para dar a esses infelizes acusados a justiça e a liberdade que merecem e colocar a suprema corte no devido quintal da sua competência constitucional.
E o ministro-xerife das mais de 1.200 prisões já estaria sendo investigado e responsabilizado pela anunciada morte de um acusado doente com risco de vida, ao qual lhe recusou impiedosamente o direito de se tratar num hospital ou em casa, em paz, acompanhado dos familiares.



Senhor Automóvel: Velhos e Novos Desfiles

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 22.11.2023).

Existiu um tempo em que o automóvel era objeto de luxo, desejo de consumo de muitos ou de quase todos, mas só acessível ao bolso de poucos, muito poucos, uma elite de contar nos dedos. Então, aos domingos e feriados, era moda circular pelas ruas centrais da cidade, de preferência ao redor da praça principal, a via pública transformada numa passarela a céu aberto para um desfile de puro exibicionismo e de vaidades embarcadas em cima de quatro rodas.

Ao volante, o chefe de família, termo que hoje não é bem-visto por mulheres cheias de modernidade. Ao lado, a rainha do lar, livre do fogão, do tanque e do cabo de vassoura, na única folga semanal. Atrás, uns quatro ou cinco miúdos porque, à época, a prole era ainda missão de honra. Todos vestidos como se fossem a uma festa, formavam um retrato perfeito das famílias ricas das cidades brasileiras dos anos 1960.

Expressão da elite econômica e social de cada comunidade de um país que ainda desconhecia estradas e ruas congestionadas de caminhões e automóveis, aquelas poucas famílias — o casal com seus filhos pequenos — desfilavam lentamente sob o olhar dos que sonhavam com um pé de borracha para também ascender ao topo da escada do prestígio econômico e social.


Os filhos maiores dessa pequena burguesia, jovens de berço sem mão na massa, muitos sem idade nem licença para dirigir, engrossavam também a procissão veicular de uma sociedade profundamente desigual. Aqueles playboys, como se dizia na época, dirigiam o seu Fusca, os mais afortunados até um Karmann-Ghia, a namorada ao lado, mãozinha na mãozinha e outra no volante.

O tempo passou rápido. O avanço tecnológico e a produção em escala massificada permitiu o acesso do tão desejado automóvel à grande maioria dos brasileiros. E, há muito, terminaram aqueles desfiles sociais sobre quatro rodas. Salvo, é claro, o caso dos donos de veículos de mais de milhão de reais — as Ferraris, os Porsches e outras grifes — extravagâncias automotivas que escancaram o paradoxo social de poucos com tanto e muitos com pouco ou quase nada.

Em BCamboriú, os poucos condutores de volantes a peso de ouro fazem questão de exibir suas coroas motorizadas em ruidosos desfiles pelas principais avenidas — de preferência, as avenidas Atlântica e a Brasil — apinhadas de outros veículos, cujos donos, em frente da bomba de combustível, nem sempre têm dinheiro para encher o tanque.

O pior é que os donos desses Cavalos Rampantes não se contentam apenas em exibir os seus troféus motorizados de mais de um milhão de reais. Para chamar a atenção e puro sadismo alteram a descarga do veículo para fazer um barulho ensurdecedor e irritante, que reverbera em meio aos gigantescos paredões de concreto e vidro e que atormenta os tímpanos de quem está no interior do lar ou de quem está a caminhar em busca de saúde para o corpo e de paz para o espírito.

Finados

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 02.11.2023).

Parece-me que a data de ontem, dedicada a Todos os Santos, já foi um dia santificado. Em todo o caso, era uma data religiosa especial para a igreja católica. Além das cerimônias religiosas, as pessoas aproveitavam a folga do trabalho para ir ao cemitério. O costume secular evocava, ordenava até e as mulheres, aquelas santas donas de casa e mães de muitos filhos, não deixavam de ir ao cemitério para limpar as sepulturas e ornamentá-las com flores brancas – lírios, margaridas, copos-de-leite e crisântemos – símbolos da paz e do descanso eterno.
Era uma preparação para o dia seguinte – Finados – feriado universal dedicado ao culto dos mortos. Hoje, mulheres ainda vão ao cemitério, principalmente as representantes daquela geração de servas do lar, fiéis cumpridoras da promessa ao pé do altar e de tudo por amor à família.
Os costumes mudaram, mas a verdade é que não desapareceram. Amanhã, muita gente levará flores e acenderá velas nas sepulturas dos seus entes queridos. Eu serei um deles.
Depois que envelheci, por estar aposentado, ter mais tempo para pensar nesta ou numa outra vida, talvez, passei a me lembrar mais dos familiares já falecidos.
Então, irei aos cemitérios de Tijucas e, em seguida, ao antigo cemitério de São Miguel, em Biguaçu, onde estão sepultados meus avós e meus pais.
Neste último e antigo cemitério, estão enterradas famílias de açorianos que vieram povoar o litoral catarinense, a partir da segunda metade do século 18, a maioria para viver da pesca artesanal e buscar, nas águas salgadas de um mar nem sempre tranquilo, o peixe-sustento da família. Navegavam mar adentro, em canoas feitas de um pau só de garapuvu que, nesta época de finados, já está a florir para pontear as encostas da nossa Serra do Mar com belos topetes dourados.
Não levarei flores de plástico porque, em vida, eles sempre cultivaram flores nos jardins da nossa casa, essas preciosas obras de arte da natureza que, assim como nós, nascem, vivem mais ou menos tempo, exalam os seus delicados perfumes e depois fenecem, cumprindo o inexorável ciclo da vida.
Herdeiros que somos da cultura judaico-cristã, visitando cemitérios ou longe das sepulturas, amanhã lembraremos com tristeza e pesar dos nossos familiares e amigos já falecidos. Tem sido assim, uma tradição que herdamos dos primórdios do cristianismo e que tem origem na narrativa bíblica da dolorosa e sofrida via crucis da morte de Cristo, a caminho do calvário.
É claro que nem todos são ou se consideram velhos. Para os mais jovens, o Dia de Finados não significa compromisso com cemitério. Os que podem botar os pés ou os pneus na estrada partirão amanhã para mais uma viagem de lazer.
E, se houver tempo, os seus mortos serão lembrados em breves instantes ao volante de um automóvel, nas asas de um avião ou em divertidos jantares.
*Crônica publicada ontem publicada no jornal O Município, de Brusque.
João José Leal - Da Academia Catarinense de Letras

Amazônia – Curiosa Seca do Rio Negro

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 18.10.2023).
Ao longo de minha já longa vida, muita leitura fiz, muitas fotos e vídeos vi da Amazônia e de sua vasta bacia fluvial, a maior deste planeta Terra que está secando, caminhando rápido em direção a uma grave crise de água, segundo afirmam os mais rigorosos ambientalistas. Tudo o que li, todas as imagens que tinha visto, no entanto, não me disseram nem me mostraram, enfim, não me valeram tanto quanto a viagem pelo rio Negro, que fiz na semana passada.
Foram quatro dias navegando rio acima pelo seu largo leito, ancorando em alguns dos seus inúmeros braços que mais parecem enormes baías da costa marítima; cruzando em frente à foz de afluentes tão grandes quanto nossos maiores rios do sul do país; contornando centenas de ilhas, grande parte delas sem viva alma ali residente.
Só no Arquipélago das Anavilhanas, por onde navegamos, são mais de 400 pequenas e grandes ilhas. Navegar de ponta a ponta em frente das maiores, são muitos minutos e a impressão é de que estávamos em frente à terra firme do continente.
Na Amazônia, tudo é imenso e se revela numa dimensão superlativa. É o caso, infelizmente, do tamanho da seca do rio Negro, cujas águas já haviam baixado mais de 14 metros, causando uma seca jamais vista. Todos sabem que a estiagem é um fenômeno se repete a cada ano, no período de maio a setembro.



Mas, este ano as águas baixaram muito além da média histórica.
Realmente, do porto de Manaus até o destino final da nossa navegação, a paisagem escancarava a altura das barrancas antes cobertas pelas águas em abundância. Enormes bancos de areia emergiam do leito ainda caudaloso e largas praias de fina areia branca se estendiam ao longo de todo o percurso.
Os infindos e pequenos ribeirões, os igarapés, que serpenteiam em meio à floresta sem fim e os igapós com suas águas que invadem as ilhas e uma grande faixa das terras ribeirinhas para deixar a mata submersa, há muito haviam secado.
O que impressiona é que, embora seja uma estiagem severa como nunca registrada, é uma seca em meio a uma paisagem verdejante e uma vasta floresta exuberante cortada pelo largo, profundo e caudaloso rio Negro, em cujo leito corre lentamente grande abundância de água doce.
Na verdade, é uma curiosa seca, sentida e medida pelo baixo nível das águas, cujas marcas podem ser vistas no muro do longo cais do porto da capital amazonense, nas margens transformadas em extensas praias e nas ilhas livres das águas invasoras dos igapós. Curiosa ou estranha porque água não falta no leito caudaloso do rio Negro!
Vi também que, conformado e resiliente, o amazonense sabe que o tempo da estiagem vai terminar. Em novembro, as chuvas copiosas voltarão para levantar o nível do Negro e dos muitos outros rios da maior bacia fluvial do mundo. Então será o tempo do inverno amazonense, com chuva todos os dias e temperaturas mais amenas. E o manauara marcará os seus compromissos para antes e depois da chuva.

Ecologia, Animais e Pássaros

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 04.10.2023).
Tenho um calendário afixado numa parede da cozinha, aquela tradicional folhinha do SCJ publicada pela editora Vozes, há mais de 80 anos. É um presente de todos os anos de uma fiel amiga da minha família. A cada manhã, uma rotina diária difícil de manter nesse tempo moderno de vida internetizada e de correria sem fim, a gente retira uma pequenina folha de papel, que parece reciclado. Além da data, a folhinha traz informações, reflexões e comentários diários sobre religião, filosofia, fases da lua, previsão do tempo, dicas de saúde, receitas culinárias, datas comemorativas e muitos assuntos.


Ontem, a folhinha avisou-me que, hoje, se comemora o Dia da Ecologia, ciência que surgiu no começo do século passado como um ramo da Biologia e que não deve ser confundida com ambiente. É uma ciência recente na história da divisão das áreas do conhecimento humano, criada para estudar como os seres vivos se comportam e interagem entre si. É, portanto, uma ciência fundamental para que possamos compreender a natureza e o ambiente em que vivemos.
Acho muito bom que se tenha uma data especial para lembrar a importância da natureza e do ambiente em que vivemos. É claro que o nosso compromisso com a preservação do ambiente deve ser permanente e de todos os dias. Afinal, ninguém pode desconhecer que a vida humana saudável e sustentável sobre o planeta Terra depende de um ambiente ecologicamente equilibrado. Já estamos maltratando demais a natureza e é preciso acreditar no que dizem os estudiosos do clima.
Não naqueles que gostam de nos aterrorizar e que mais parecem cavaleiros do apocalipse, arautos do fim dos tempos que se aproxima a galope. No entanto é preciso reconhecer que os graves danos praticados pela ação humana contra a natureza já estão causando um perigoso desequilíbrio ambiental.
E o resultado são as tragédias climáticas que estamos enfrentando, inundações de proporções cada vez maiores, estiagens prolongadas, ciclones e furacões devastadores, além do efeito estufa com o aquecimento das águas e da atmosfera.
Como há datas comemorativas para tudo e todos os gostos, diz a folhinha que hoje é também o Dia das Aves e dos Animais. Ninguém mais é capaz de defender, como ocorria no passado, a caça de aves ou de qualquer outro animal. A nossa fauna precisa ser respeitada e protegida, assim também como a nossa flora.
Felizmente, a educação ambiental muito tem ajudado para a formação de uma firme e sólida consciência ambiental. E os resultados positivos já se fazem sentir.
A nossa Mata Atlântica está vivendo um claro processo de recomposição florestal e já não vemos mais aquelas chagas vermelhas deixadas nas encostas pela extração abusiva de madeira e corte predatório das árvores centenárias. Os pássaros estão se reproduzindo e voltaram às praças de nossa cidade, aos quintais e jardins de nossas casas.
Assim, neste tempo primaveril, a paisagem ganha um toque de beleza floral e o canto das aves chega aos nossos ouvidos como um presente da natureza.
É nosso dever conhecer e observar cada vez mais os preceitos da ciência ecológica para que nossos filhos e as futuras gerações possam viver num ambiente equilibrado, saudável e cada vez mais de braços dados com a Mãe Natureza.


Primavera Vestida de Verão

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 27.09.2023).
Previsão do tempo já foi coisa de pescador, agricultor e de papo de bodega, dos que viviam em frente ao balcão, de copo na mão, jogando conversa fora. Mas, se preciso fosse algo mais que mero palpite, magos, feiticeiros, bruxos, pajés e xamãs, manipuladores de misteriosos rituais, intérpretes de estranhas mensagens decifradas nos desenhos de nuvens e fumaças de fogueiras ou de búzios e cartas sobre a mesa, eram chamados para dizer o que viria pela frente, se chuva ou sol, frio ou calor. E a meteorologia vivia de meros palpites ou da fé dos crentes na força sobrenatural das orações e mandingas.
Hoje, continuamos a dar palpite sobre o tempo. Mas depois de ouvir o noticiário ou consultar os aplicativos de sites baixados em nosso pequeno e mágico tablet que tudo vê e tudo sabe. Sim, hoje, cada macaco no seu galho e previsão do tempo é coisa para meteorologista diplomado em universidade, que assina boletins que nos dizem com precisão o que vai acontecer nos próximos dias e até meses, em matéria de frio e calor, chuva e sol.


É verdade que esses magos dos tempos modernos, com diploma de universidade, também consultam nuvens e fumaças. Mas, são nuvens invisíveis dos céus de um mundo virtual que só conseguimos ver em telas de cristal. Também estudam cartas carregadas de informação. Mas, são mapas fotográficos vindos das alturas dos satélites, que mostram onde estão os ventos quentes ou frios, os cumulus e nimbus cheios de chuva ou o céu límpido e ensolarado.
Então, com certeza científica, esses doutores do tempo fazem previsões com meses de antecedência para nos dizer se o inverno será rigoroso ou ameno, se o verão será escaldante ou de dias mais frescos, se podemos sair de casa sem guarda-chuva, com roupa de calor ou de inverno.
No começo deste ano, disseram que teríamos um inverno com algumas ondas de frio. Mas, seria uma estação amena com temperatura acima da média histórica. Também disseram que teríamos uma primavera chuvosa e mais quente. Não deu outra.
A estação das flores e dos cantos dos pássaros chegou no último sábado vestida de verão, com muito sol e calor. No domingo, então, o Brasil das queimadas parecia pegar fogo, com temperaturas passando dos 40 graus em algumas regiões do país. Em Brusque, o primeiro dia primaveril mais pareceu um dia de verão escaldante, com o termômetro batendo na casa dos 35 graus.
Acredito nas sentenças dos homens da meteorologia. Assim, é muito provável que teremos uma estação primaveril mais quente, sujeita a chuvas e trovoadas. Tragédias climáticas, como acabou de ocorrer no Estado gaúcho, infelizmente, não estão fora do radar desses magos do tempo. Tudo, dizem eles, por causa do El Niño, esse moleque dos ventos, das chuvas, do sol abrasador e dos desastres causados por inundações, ciclones ou estiagem prolongada que seca campos, lavouras, mata o gado e muita gente de sede.
É uma triste ironia. A ciência e tecnologia humanas conseguem prever chuvas, trovoadas e inundações, tempo de sol e seca. No entanto, não conseguem nos livrar dos desastres e desgraças da natureza.



Conversas Caninas: Corleone


(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 21.09.2023).

Na avenida Brasil, as duas idosas cruzaram as trelas dos seus fiéis companheiros de caminhada matinal. Os cães, essas bengalas andantes da velhice moderna, dois poodles de fitinhas nas cabeças, blusinhas contra o frio, partiram para a operação reconhecimento, focinho com focinho, cheirando-se um a outro, os rabos abanando amistosamente.

Logo, pareciam velhos amigos a saltitar um contra o outro, as patas dianteiras no ar como se estivessem a se abraçar, essa forma de selar amizades caninas. Os latidos amistosos ecoavam sobre a movimentada calçada da avenida transformada em passarela de cachorros de todas as raças.

As donas, agora chamadas de tutoras sem lei nem termo judicial, também se fizeram amigas à primeira vista. Afinal, cachorro é companheiro fiel e ponte de novas amizades. Uma das mulheres não se fez por esperar para perguntar o nome do menino da outra.

— Olha, quando comprei este meu queridinho em Itajaí, ainda estava em dúvida. Mas, eu adoro cinema. Sou da geração áurea da sétima arte, como dizem os que gostam de falar complicado. A gente enfrentava enormes filas de dar a volta no quarteirão, para assistir a um bom filme de prender a atenção do começo ao fim.

— Era uma beleza, aquele tempo em que a gente comprava ingresso e ficava mais de hora de mãos de dadas com o namorado, à espera do início da sessão. Por causa da TV, depois do videocassete e dos CDs, os cinemas foram ficando vazios. Agora, estamos vivendo a onda Netflix e o cinema mudou-se para dentro das nossas casas.

— Fico triste ao ver os antigos cinemas, locais de encontro frequente das pessoas, fechados ou ocupados por igrejas evangélicas. Mas, tudo muda e, neste tempo de internet conduzindo nossas vidas, cinema só nos shoppings, passando filme que quase ninguém assiste.

— Também vivenciei os tempos de ouro do cinema, disse a outra. Depois dos quatorze anos, já podia frequentar as sessões noturnas e não perdia um filme com os galãs franceses e de Hollywood. Eu era apaixonada pelo Charlton Heston. Nunca esqueço as cenas de correr lágrimas do filme Os Dez Mandamentos. Não essa versão evangélica e novelesca feita pela igreja do Edir Macedo. Estou me referindo àquela superprodução de mais de duas horas, que assisti três vezes, para entender bem todo o enredo.

— Mas, deixando de lado o cinema, não me disseste o nome do teu poodle. Afinal, como se chama?

— Pois é, amiga. Como eu ia dizendo, na minha juventude não perdia um bom filme e um dos que amei de paixão foi o Poderoso Chefão. Gostei tanto do primeiro filme, que assisti três vezes. A gente não via passar as três horas de duração. Nunca mais esqueci aquelas cenas da máfia americana. Então, quando cheguei em casa com o meu poodle ainda criança, não tive dúvida para batizá-lo de Corleone, em homenagem ao grande ator norte-americano Marlon Brando.


Conversas de Consultório. A Setentona
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 13.09.2023).

Já passava das seis da tarde. Numa conversa animada com a secretária, a última paciente não estava preocupada com o atraso do cardiologista. Sempre atenciosas, essas profissionais dos consultórios médicos atendem o telefone, marcam horários das consultas e, presencialmente, recebem os clientes de forma gentil. Se o médico atrasa, ouvem pacientemente o impaciente paciente e se transformam num escudo para livrar a barra do seu impontual chefe.
— Dona Gertrudes, o que a senhora fez para se conservar assim, bonita e elegante, aos 72 anos? A senhora parece não ter mais de 60. Não lhe tinha dito antes. Mas, cada vez que a senhora vem aqui, fico admirando a sua elegância. Depois, falo para outras pacientes que lhe conhecem. Todas concordam que a senhora é um exemplo de mulher bem conservada.
— Uma delas disse-me que lhe conhece há muitos anos e que senhora continua a mesma, sempre elegante e charmosa. Olha, eu já disse para as minhas amigas e até para o meu marido que, quando envelhecer, quero ficar como a dona Gertrudes.
— Pois é minha filha, já me perguntaram qual é a receita usada para me manter assim, com uma boa aparência física e disposição para viver. Sempre respondo que, se receita existe, desconheço e quero comprá-la. Para a minha idade, sinto-me bem e tenho boa saúde. Claro que não deixo de ir ao médico de vez em quando, como venho aqui para ver como está o coração. Mas, são consultas de rotina.
— Antigamente, a gente só ia ao médico quando estava passando mal, pronta para ser levada ao hospital, quase à beira da morte. Mas, sabes como é essa tal de modernidade. A gente chega aos 60 e começa a rotineira peregrinação aos consultórios médicos. Felizmente, tenho Unimed. Se depender do SUS, você sabe como é, a gente fica mais doente só em saber o tamanho da fila de espera para uma consulta. Se precisar de uma cirurgia especializada, então corre-se o risco de morrer antes de entrar no bisturi.
— Tomo dois ou três remédios porque se você vai ao médico não escapa de uma receita nem das farmácias. Esses profissionais modernos não querem saber quem a gente é, se trabalha, o que faz na vida, onde nasceu nem se a gente tem família. Perguntam o que a paciente sente e mais nada. Viram-se para o computador e começam a digitar um rosário de exames. É laboratório, é raio-x, que está caindo de moda. Agora, a moda é tomografia, ressonância e essa tal de medicina nuclear. Felizmente, até agora não encontraram nenhuma doença para mim.
— A verdade é que sempre me cuidei. Minha receita para manter a forma é comer pouco, caminhar bastante, trabalhar sempre que possível, em casa e no jardim. Não preciso ir ao médico para fazer dieta alimentar. Basta fechar a boca.


Outono 2023 – Alvorada das Aracuãs
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 23.08.2023).
Costumo me levantar por volta das 7h da manhã. Muitas manhãs, acordo com o canto, ou melhor, com os gritos estridentes das aracuãs, essas aves de plumagem marrom e pintas brancas, em forma de escamas, cobrindo o peito e que a ciência ornitológica resolveu chamar de Ortalis Squamata.

No
passado, pouco mais de 50 anos, almas sem piedade ambiental, costume ancestral a conduzir o instinto que mata, os caçadores foram implacáveis com as aracuãs e a espécie quase foi extinta da nossa Mata Atlântica.

Nas caçadas dominicais ou de qualquer outro dia da semana, as aracuãs eram alvos preferidos na mira de espingardas que vomitavam fogo e chumbo da morte, que quebravam o silêncio e tingiam com sangue o verde das nossas matas. Lembro-me muito bem das fotos de caçadores brandindo suas espingardas, os troféus sem vida pendurados no cinturão da crueldade, butins de uma covarde batalha contra indefesas aves. Não era apenas exibição para a posteridade.

Na culinária de uma época sem compromisso com o ambiente que nos garante a vida saudável, as aves abatidas - a aracuã a mais comum - eram saboreadas em jantares festivos para reverenciar a bravura e a destreza dos heróis matadores de indefesos alvos.

Tudo em meio a intermináveis conversas sobre a vida no interior da mata inóspita, o seu silêncio quebrado pelo cantar da passarada e pelo estampido mortífero de um tiro de espingarda. Longas conversas também sobre os mistérios que alimentavam as fantásticas histórias e anedotas repetidamente contadas por caçadores e que sempre aumentam um conto a cada conto.

Felizmente, a natureza é forte. A educação ambiental também muito ajudou e as aracuãs foram se reproduzindo e voltaram aos nossos jardins, quintais e chácaras. Agora, quase mansas como uma ave doméstica, chegam a pousar nas janelas das nossas casas, à procura de alimento e podem ser vistas por toda a nossa cidade.

A natureza negou à aracuã um cantar melodioso. Por isso, talvez tenha-lhe destinado a missão de nos acordar com o seu grito de alvorada e nos avisar que é hora de se levantar, mesmo para os que, assim como eu, já estão aposentados.

Com frequência, acordo com os gritos das aracuãs. De perto, tão perto que não me deixam dormir, escuto os gritos altos e vibrantes de três ou quatro delas a ecoar pelo quintal da minha casa, como que a chamar ou desafiar as outras distantes companheiras: “venham cá, venham cá”. E, de longe, vem o grito das outras: “não vou lá, não vou lá”.

Não me incomodo com a algazarra. Afinal, são gritos passageiros a dizer que a natureza continua viva. Tomo o meu café da manhã e vou levar frutas para elas e outros pássaros que vivem nas árvores do quintal da minha casa.

Inverno 2023. O Canto do Sabiá-Preto
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 16.08.2023).
Costuma-se dizer que a primavera é a estação da paisagem verdejante, das flores a desabrochar em manhãs cálidas e radiantes. A poesia também segue esta mesma toada para cantar em versos e rima, a crença de que a estação primaveril é o tempo da sonoridade musical, da alegria e do gáudio.

Enfim, é o tempo do canto dos pássaros, como se esses emplumados entes usassem relógio no pescoço.

Ao contrário, o inverno seria o tempo cinzento das árvores desfolhadas e do silêncio dos pássaros.

Penso que essa é mais uma crença influenciada pelo discurso vindo da Europa. Afinal, somos ou queremos ser euro-americanos. No hemisfério norte, com o fim do verão e dos seus dias ensolarados, vem o tempo do frio intenso, das folhas despencando numa suave e graciosa dança na sua volta à Terra-Mãe e do recolhimento das pessoas ao interior dos lares.
E os pássaros desaparecem da paisagem, se calam e só voltam a encher os ares com os seus cantos melodiosos quando as manhãs tépidas e ensolaradas da primavera chegam para um novo e passageiro tempo alegre e festivo.

Não é assim em terras tropicais do nosso Brasil. Mesmo no Sul, onde vivemos. É verdade que, no inverno, sempre enfrentamos alguns dias de frio de tirar acolchoados, cobertores, jaquetas e casacos das gavetas e armários. Mas, nada tão intenso que nos deixe em meio a uma paisagem europeia de neve cobrindo árvores desfolhadas e sem abrigo para os pássaros.


Há tempo já aposentado, tenho tempo para dar comida aos pássaros. Afinal, precisamos ajudá-los a sobreviver num espaço urbano cada vez mais hostil às aves que, um dia, viviam nas matas que lhes garantiam o alimento de cada dia. Tenho observado que, neste mês de agosto, gaturamos e sanhaçus continuam cantando para nos alegrar e mostrar que a vida continua, apesar de dias frios que tenhamos de enfrentar.

Se aracuãs, joões-de-barro e bem-te-vis não cantam bonito, também não ficam em silêncio durante o inverno.

Todas as manhãs, escuto a algazarra das aracuãs, avisando umas às outras que é hora de buscar comida, em meio aos prédios e casas de uma cidade que continua crescendo para cima e para os lados. Pelas sete horas, já estão empoleiradas para o café da manhã com bananas e mamão que lhes ofereço.

Tomam conta do espaço, espantam gaturamos, gaipavas, saíras, sanhaçus, tiés e sabiás e só deixam o local após saciarem a fome matinal. Aos pequenos, resta esperar e se conformar com as sobras avidamente extraídas junto às cascas das frutas.

Em breve, os sabiás-laranjeira e os brancos devem nos brindar com seus belos concertos canoros, antes que o inverno deixe lugar para a primavera. Para minha alegria, a cada mês de agosto, um saltitante e elegante sabiá-preto retorna ao meu quintal.

Chega cantando, para demarcar território e avisar a parceira que é hora de construir um novo lar, cumprindo o mágico ciclo da perpetuação da espécie. Ontem, pela primeira vez, ouvi o seu canto estridente vindo do alto de uma árvore.
Estou convencido de que a natureza é forte e resiste aos maus-tratos causados pela insensatez ou pela necessidade humana. Porisso, as aves estão de volta aos nossos quintais para conviver conosco, buscando refúgio e comida nos frutos das poucas árvores existentes.
Ou, então, recebendo das mãos de quem tem tempo e boa vontade o alimento solidário de cada dia.

A Bagagem Imigratória dos 55 Colonos Pioneiros
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 04.08.2023).
Ao deixarem a sua terra natal, a sua nação germânica, para embarcar numa sacrificante viagem transatlântica e viver em terras da América, os imigrantes alemães que fundaram a Colônia Brusque, aqui aportaram trazendo a sua bagagem. Muita coisa material não trouxeram. A pobreza tinha sido a causa da dolorosa partida em busca de uma nova vida de esperança e prosperidade.


Se casados fossem, é claro, com eles vinham as mulheres e filhos. No coração de cada um, casado ou solteiro, vinha também a tristeza e a saudade dos familiares e amigos que, na pátria alemã, haviam ficado para sempre. Não eram apenas tristeza e saudade as suas companheiras de viagem.
Documento de identidade não pode faltar no bolso do viajante com destino a outras terras além-mar. As nações ainda têm fronteiras, essas cercas invisíveis que nos fazem ser brasileiro ou estrangeiro. E, sem passaporte para se provar quem se é e de onde se vem, todas as portas se fecham.
Na viagem transatlântica, os desbravadores das terras do Itajaí-Mirim, não esqueciam o tradicional baú. Nessa arca de madeira europeia pós-diluviana das travessias marítimas, vinha a escassa e pobre indumentária da família e alguma roupa para enfrentar as sofridas noites de insônia, enjoos e balanço sem fim. Aqueles navegantes de primeira viagem, homens, mulheres e crianças acostumados à vida rural de tranquilo sono, jamais esqueceriam os dias e noites passados a bordo daquela nau chacoalhante, lentamente singrando as águas oceânicas rumo ao continente americano.
Ferramentas e objetos pessoais, poucos, porque transportar custava muito para quem partia fugindo de uma vida de miséria, também integravam a bagagem dos imigrantes que aqui aportaram.
Sem dinheiro, ninguém vai longe. E, no bolso, os colonos pioneiros traziam a pequena economia juntada de um trabalho agrícola que já não lhes rendia para a sobrevivência. Assim, alguma ajuda dos parentes que ficaram para trás sempre era bem-vinda.
Carregavam, ainda, o seu patrimônio cultural, seus costumes e suas tradições, que podem ter se transformado ao longo dos tempos, mas continuam preservados pelos eventos artísticos, festivos, recreativos e religiosos que se repetem em nossa comunidade.
Aqui chegavam falando e escrevendo em alemão, a Língua na qual haviam sido criados, alfabetizados e educados. Por muito tempo, a Colônia Brusque seria um pedaço da Alemanha no sul do Brasil.
Num país católico, parte dos imigrantes trouxe consigo a sua fé evangélica luterana, contribuindo para o reconhecimento do pluralismo religioso num país onde o catolicismo era religião oficial de Estado.
Finalmente, penso que, nas veias de cada um deles, corria o sangue da bravura e da vontade ferrenha de ser um vencedor em terras da América. E todos, no recôndito de suas almas desbravadoras, carregavam o sonho de construir uma comunidade de bem-estar para os seus filhos e as gerações posteriores.
Hoje, Brusque está completando163 anos de fundação. Mais que um feriado, deve ser um dia para relembrar a saga dos 55 imigrantes pioneiros que fundaram a Colônia Brusque, hoje, a próspera cidade em que vivemos.


Alô, Alô Telefonista!
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 29.06.2023).
A invenção do telefone por Alexander Graham Bell, em 1876, revolucionou os meios de comunicação. Basta imaginar que, a partir daquele momento, uma pessoa poderia falar em viva voz e em tempo real com alguém que estivesse na ponta da linha de outro telefone. Mas, como todos os inventos, precisou de aprimoramento, pois no começo a comunicação só era possível entre pessoas que tivessem seus aparelhos interligados entre si.
Dois anos depois, foi implantada a primeira central telefônica nos Estados Unidos, por onde passariam todas as chamadas feitas pelos usuários de telefone. A central empregaria tantos funcionários quantos os necessários para fazer essa ponte de comunicação, num trabalho constante e intenso de transferir as chamadas telefônicas aos destinatários.
Surgiu então a profissão de telefonista. Inicialmente, só homens exerceram essa atividade que, em pouco tempo, passou para mãos apenas femininas, sob o argumento de que as mulheres são mais calmas e delicadas no atendimento aos usuários, estes nem sempre pacientes e gentis.
No filme A Troca, Angelina Jolie interpreta o papel de uma telefonista da Central de Los Angeles, dos anos 1920. Logo no início, a câmera mostra a atriz sentada em frente a uma mesa, no seu local de trabalho, um imenso salão ao lado de dezenas de outras telefonistas.
A cena, provavelmente, procurou focalizar o exaustivo trabalho exercido por aquelas profissionais. No entanto, não deixa de também destacar a grande importância dessa profissão para o progresso das comunicações.
De fato, até os anos 1960, as centrais telefônicas das grandes cidades foram locais de trabalho com centenas de mulheres sentadas em frente a um painel cheio de fios e pinos manejados a todo o momento, a fim de transferir a ligação ao destinatário que se encontrava em outro aparelho telefônico.
Em suas rápidas e hábeis mãos, estava o poder de permitir que o usuário de um telefone pudesse falar com outra pessoa, perto ou distante, desde que também tivesse um aparelho similar em sua casa ou no local de trabalho.

Com o surgimento do telefone com discagem direta e automática, as telefonistas foram perdendo os seus empregos. Hoje, elas ainda exercem essa atividade nos hospitais, escritórios de advogados, de empresas, consultórios médicos. Mas, é diferente dos primeiros tempos daquela telefonia, que revolucionou os meios de comunicação.
Quando guri, em Tijucas, poucos tinham telefone, então objeto de luxo, que só a elite desfrutava. Lembro-me bem da telefonista Joaninha, que morava numa velha casa, seu próprio e acanhado local de trabalho, na companhia de uma irmã e da mãe viúva. Era uma figura importante na vida cidade e conhecida de todos os tijuquenses.
Trabalhava dia e noite, para atender às chamadas telefônicas que podiam ser feitas a qualquer momento, de manhã, de tarde, de noite e até de madrugada.
Quantas conversas e notícias, quantos negócios e convites, quantos namoros e encontros marcados, quantos avisos de doença e de morte foram possíveis graças ao trabalho dedicado de Joaninha, numa época em que a telefonia precisava de mãos hábeis e prestativas – ponte de passagem – para que duas pessoas pudessem se comunicar, cada uma na ponta de uma linha telefônica?
No Dia da Telefonista, dedico esta crônica à Joaninha e também às demais profissionais que ainda exercem esta atividade.



Lisboa
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 14.06.2023).
Durante a pandemia cheguei a pensar que não voltaria à Europa. A viagem é cansativa para uma pessoa da minha idade. Mas, acho que em minhas veias corre sangue cigano e me enchi de vontade e coragem para mais uma viagem ao velho continente.
Comecei por Lisboa. Pareceu-me não ter cruzado o Atlântico nem ter deixado o meu país, tantos eram os brasileiros a perambular pelas ruas e avenidas da capital portuguesa em conversas que não eram as de gajos portugueses, que falam comendo sílabas e palavras. Se não caminhavam, estavam a lotar restaurantes para comer bacalhau que, aqui, poucos gostam e menos ainda comem porque o preço é sempre salgado.

Brasileiros de todos os tipos e idades, vi entrar e sair das lojas com sacolas de lembrancinhas para os entes queridos que aqui ficaram. Viajar para o continente europeu, nem todos podem e esses, resignados, conformam-se com um ímã da Torre Eiffel, do Parlamento inglês ou do Coliseu colado na porta da geladeira. Ou, já que estamos falando de Portugal, com um pequeno azulejo do Galo de Barcelos, pendurado na parede.

Vi filas de turistas, a grande maioria filhos desta terra um dia descoberta por um almirante português perdido da rota a caminho das Índias, pacientemente esperando para comprar um pastel de nata ou de Belém, que aqui se compra mais barato e é tão bom quanto o de lá. Mas, turista é assim mesmo, viaja para gastar, comprando e comendo.
Vi ainda, aqueles antigos bondes amarelos lotados com a nossa gente, a circular pelo entorno do Rossio e da bela Praça do Comércio para depois subir em direção ao Chiado, a parte alta e elegante da cidade.
Muitos desses turistas tupiniquins ali desciam do velho bonde para sentar-se, se lugar vago encontrassem, à mesa do centenário Café A Brasileira, onde Fernando Pessoa também tomava uma bica, como assim diziam os portugueses de sua época para o nosso cafezinho.
Na chegada ou na saída do Café, quase todos sentavam-se para uma fotografia na cadeira ao lado da escultura em bronze do grande poeta português. Também sentado numa outra cadeira, de óculos, Pessoa está vestido com terno e gravata borboleta, seu inseparável chapéu na cabeça, as pernas elegantemente cruzadas e um braço apoiado em uma mesa. Sem dúvida, é uma bela obra de arte escultural em homenagem ao grande poeta.
É possível que esses turistas verde-amarelos não tenham lido Fernando Pessoa, nem os versos do Mar Salgado, seu poema mais conhecido em que o poeta diz que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Não é de duvidar que muitos só tenham ouvido falar do seu nome ali mesmo, no Chiado, antes de se sentar ao lado da figura do bardo imortalizada no bronze.
Mas, é assim mesmo. Para o turista, sempre vale a pena qualquer retrato captado pela telinha digital do celular, diante de um monumento, castelo, catedral ou de uma estátua. Afinal, viajar não é só restaurante e compras.
É também fotografar às mãos cheias.



Conversas Praianas – Cachorro no Elevador
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 31.05.2023).
Inverno a começar em 20 dias, algumas ondas de frio outonal já tendo mostrado a cara e o quórum das mulheres nas tertúlias vespertinas do Alvorada do Atlântico ficou reduzido. Umas voltaram para Chapecó, Curitiba e outras cidades também, porque condomínio em BCamboriú é uma colmeia de gente vinda de muitos lugares deste país.
Mesmo assim, ao redor da mesa estavam umas dez mulheres. Iolanda, mais velha da turma, já nos seus 70 anos avançados e mais ligeira para falar, estava contando sobre o ocorrido com a moradora do 1.806, que tinha vindo morar no prédio há poucos dias.
– Imaginem, chegou há 15 dias e já aprontou confusão. Tem quatro cachorros, dois Goldens enormes e dois Poodles agitados, que passam o dia latindo, aquele ganido agudo que atravessa paredes e portas e reverbera pelos corredores. Os vizinhos estão sofrendo com o barulho infernal. Reclamaram e ela respondeu que é só no começo porque os queridinhos estão estressados por causa da mudança. Ama os seus cães e disse que ninguém pode proibi-la de ter animal de estimação no apartamento, sua propriedade privada.
– No começo desta semana, ela entrou com os quatro cães no elevador social. Um condômino chamou a atenção dela, dizendo que o lugar de animal é no elevador de serviço. Ela achou ruim, ficou uma fera, desaforou e ameaçou o morador. Berrava que nem louca, dizendo que proibir seus filhinhos de estimação de entrar no elevador social, era discriminação punida pela lei de proteção aos animais.
– Quase se tapearam na porta do elevador. Foi um bafafá tremendo, um bate-boca daquelas de gafieira, uma baixaria de prédio de gente de baderneiros e sem educação nenhuma. Era ela gritando, ameaçando de processo o coitado do condômino que apenas lembrou a proibição prevista no Regimento Interno e os quatro cachorros latindo nervosos, fazendo um barulho infernal que ecoava por toda a área do térreo.
– Fala grosso porque deve achar que tem as costas quentes. Parece-me que o marido é ligado à justiça, um juiz, procurador, não sei bem. Neste país, muita gente pensa que tem mais direitos do que os outros. Se antes já não se podia brigar com essa gente da justiça, agora, com o Alexandre Moraes prendendo gente às centenas, é um verdadeiro perigo de se ir pra cadeia.
– O zelador me disse que a encrenca foi parar nas mãos do síndico, que chamou a atenção da encrenqueira e lhe aplicou a multa prevista na convenção. Então, a coisa ficou feia. Ela saiu berrando que queria ver quem tem o topete de lhe cobrar a multa, que tem um irmão advogado especialista em danos morais e vai processar o síndico e o condomínio.
– Amigas, eu gosto muito de cachorro. Mas, não devemos exagerar. Conheço gente que considera o cão o seu melhor amigo. Dizem que não se pode confiar no ser humano que, mais cedo ou mais tarde, sempre apronta alguma desfeita para cima da gente. Não sei, pelo que tenho visto, se essa mulher for pra justiça, nós é que vamos pagar a conta dessa encrenca canina.
– Olha, a continuar assim, não é de duvidar se um dia os cachorros subirão pelo elevador e nós, humanos, pelas escadas.


Bazar Praiano – Manoel do Chapéu
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 05.04.2023).
Durante a última temporada e ainda nos últimos finais de semana, caminhei muitas manhãs pela praia central de BCamboriú.
Mais uma vez, vi que praia não é só veranista tomando banho nas águas salgadas do Atlântico ou se bronzeando sob o sol abrasador. Não é só comida e bebida de todos os tipos, a formar um festival gastronômico à sombra de uma vasta floresta de barracas e guarda-sóis.
Pulseiras, colares, óculos de sol, roupas, chapéus, tatuagem, até tererês – não o tereré, aquele mate sorvido em pequenas cuias pelos hermanos paraguaios – mas aquelas finas tranças de cabelos pretos retintos e também muitos outros produtos são anunciados aos gritos de vendedores que circulam a todo o momento, no grande bazar a céu aberto da Dubai brasileira.
Sol de assar finas peles de turistas vindos de todas as partes desse país imenso, o chapéu é um desses produtos de consumo frequente no comércio feito sobre a areia.
Para os homens, são aqueles chapéus tipo Panamá, não os legítimos, fabricados com palha natural, a toquilla do Equador, mas imitações feitas com fibras sintéticas que, se vindas da China, não será surpresa. É interessante, os tão comuns bonés de aba na frente, bitola ajustável para qualquer cocuruto e de todas as marcas e grifes – os preferidos da juventude – parecem não ser os mais vendidos.
Como sempre, a vaidade da mulher é que comanda a moda, inclusive na praia. E assim, os chapéus femininos, esses de aba larga de sombrear cabeça e ombros, são o forte desse comércio ambulante feito sob um sol abrasador.
Vaidosas, elas usam um par de óculos de enormes lentes escuras, quebram a aba do chapéu para cima ou para baixo, conforme o termômetro da autoestima ie desfilam de norte a sul na ensolarada passarela praiana. Vejo essas caminhadas como uma versão moderna daquelas que se faziam aos domingos à tarde ou noite, o chamado footing, ao redor de praças ou de rua em muitas cidades brasileiras.
Vendedores de chapéus são muitos a empurrar os seus carros por toda a extensão da praia. Penso que isso é indicador certo de que a demanda não é pequena. Afinal, as mulheres adoram variar no visual e detestam repetir a mesma indumentária. Assim, um chapéu de cor e modelo diferentes para desfilar na orla marítima a cada dia, ao menos a cada semana, só faz bem ao ego feminino.
Passam eles com seus carros enfeitados com tantos chapéus que nada se vê do improvisado veículo, nem os seus pequenos pneus feitos para se mover sobre a areia. Empilhados uns sobre os outros, alguns escolhidos como modelos pendurados na lateral e numa armação da parte superior, aquela loja de chapéus ao ar livre vai se movendo lentamente até que uma veranista se apresente para comprar uma nova cobertura para a sua cabeça povoada por um sentimento de puro hedonismo.
E como tudo é competição, há sempre um que se destaca e se torna referência nesse tipo de comércio a céu aberto e sol a pino. É o Manoel do Chapéu, conhecido e amigo de muitos veranistas que batem ponto diariamente ou aos finais de semana na praia central da Dubai brasileira.

Outono 2023 – Vivaldi, Folhas Mortas e o Amor que Partiu sem Dizer Adeus
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 13.03.2023).

Na bela composição – As Quatro Estações – Vivaldi musicaliza a primavera e o verão com acordes musicais vibrantes, como a dizer que chegou o almejado tempo das verdejantes folhas nas copas das árvores, do canto dos pássaros e das coloridas flores nos jardins, adormecidas nas estações anteriores.
Então, o concerto se enche de vibrantes acordes, se transforma numa profusão de notas musicais fugazes para anunciar a chegada do tempo primaveril e estival de festa, alegria, prazeres e de renovação da vida.
Depois, vem o outono que começa com acordes ainda alegres porque é o tempo da colheita. Mas, logo depois as cordas dos violinos e celos entristecem, as notas musicais entram num compasso lento e de monotonia, como a simbolizar as árvores perdendo suas folhas e a exuberância ostentada nas estações anteriores.


Na sua alegoria musical, Vivaldi desenha o outono como um tempo de tristeza, nostalgia e saudade dos momentos de alegria e prazeres vividos na primavera e no verão.
É claro que a consagrada composição se refere às estações do hemisfério norte, onde o frio intenso cobre o chão de folhas amarelas, de neve de branquear a paisagem e contrasta com o calor das estações quentes. Mas, nós aqui do sul, temos também as nossas estações frias e árvores que trocam a sua folhagem verde pelo amarelo e até vermelho, suas folhas preparando-se para o último balanço, na volta inexorável ao regaço da Terra-Mãe.
Não foi só Vivaldi que levou o outono para campo da arte musical. A bonita canção francesa Feuilles Mortes, que se tornou mundialmente conhecida por sua versão em inglês Autunm Leaves, fala também das folhas de outono vermelhas e douradas levadas pelo vento e pela chuva a cair contra a vidraça do amante saudoso do amor vivido na primavera e na estação estival.
Para o compositor francês, o outono é cantado como a estação da tristeza e da solidão, pois a canção fala da saudade que vai no coração do amante ao lembrar-se dos beijos da mulher amada, durante o tempo ardente do verão.
Pois é. O nosso outono começou na tarde da última segunda-feira. Pelo que dizem os magos do tempo e da temperatura, a perigosa La Niña estará se despedindo para nos deixar um tempo menos sujeito a catástrofes climáticas. Não sou da área, mas estou certo de que os dias de calor escaldante e chuvas exageradas estão com os dias contados. E, com certeza, alguns dias de frio virão para que blusas, casacos, cobertores e acolchoados deixem armários e gavetas onde dormitam durante as estações quentes.
Então, me lembrei de escrever essa crônica ouvindo a beleza musical das Quatro Estações, de Vivaldi, para me acalmar o espírito e refletir sobre o texto que acabo de escrever.
Lembrei-me também de ouvir uma antiga gravação da canção Folhas Mortas, na bonita voz de Carlos Galhardo. Na versão portuguesa, a letra diz que as “folhas de outono fazem lembrar eu e você à luz do luar. Mas, você partiu sem dizer um adeus. E eu triste fiquei, com minha dor”.
Cada um tem a sua história de amor a ser lembrada. Mas, provavelmente, nem todos tenham uma amada que, um dia, partiu sem sequer dizer adeus. E, durante o outono que está começando, talvez poucos se lembrem de olhar pela janela para as folhas amarelas caindo das árvores, no último balé de suas curtas existências.
100 Anos da Morte do Águia de Haia

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 04.03.2023).

Após a brilhante participação de Rui Barbosa na Conferência de Paz realizada em 1905 e que lhe rendeu o apelido de Águia de Haia, uma anedota foi repetida por muito tempo, mesmo depois da sua morte. Um indivíduo teria entrado numa alfaiataria, cumprimentou o dono e disse-lhe educadamente:
Sou professor de português e gostaria de lhe parabenizar por ter homenageado ao nosso grande Rui Barbosa, o patrono dos advogados do Brasil, exímio orador, jornalista, personalidade política marcada pela honestidade e amor por esta nação que navega em mar tempestuoso, em busca de um porto seguro de bem-estar social.
– Rui foi também um habilidoso diplomata. Na Conferência de Haia, projetou a imagem do Brasil perante as nações do mundo inteiro, ao proferir discursos dos mais aplaudidos em favor da paz, da democracia, da igualdade das pessoas e da autodeterminação dos povos. Deixou a Holanda com o prestigioso epíteto de Águia de Haia. Como alfaiate, é claro, você não tem obrigação de saber tudo isso.



– Olha, eu sabia que Rui Barbosa tinha sido um grande brasileiro. Mas, confesso que desconhecia tudo isso, disse o alfaiate.
– Tem muito mais ainda, meu caro alfaiate. Rui escreveu suas importantes obras jurídicas e políticas numa linguagem gramaticalmente impecável, num estilo literário admirável. Enfim, foi um mestre da linguística portuguesa. Indiscutivelmente, Rui foi um admirável cultor da língua vernácula. Tanto que, com todo o mérito, foi um dos fundadores e presidente da Academia Brasileira de Letras.
– Também desconhecia as habilidades literárias desse ilustre brasileiro, nascido na Bahia.
– Pois é em respeito ao amor que Rui sempre teve pela língua portuguesa que gostaria de dizer-lhe que a placa da sua alfaiataria contém um grave erro ortográfico. Lá está escrito “Agúia de Haia”. Acho que você não se deu conta de que o acento agudo deve ser colocado no “a” maiúsculo. Por isso, em consideração a esse grande personagem da vida brasileira, defensor incansável da língua portuguesa, peço-lhe que corrija a placa e mande colocar o acento agudo na vogal certa.
Mostrando a agulha com que estava alinhavando um paletó, explicou pacientemente.
– Meu caro professor, o nome da minha modesta alfaiataria não é uma homenagem ao grande Águia de Haia. Penso que ele merece muito mais que uma simples placa de alfaiataria. É que todos os meus fregueses me consideram um excelente profissional e me deram o apelido de Agúia de Ouro, pelos meus alinhados que dizem perfeitos. E, principalmente, porque fui eu que confeccionei o terno que Rui Barbosa vestia, quando proferiu o seu famoso discurso de estreia na Conferência de Haia.
Há 100 anos, no dia primeiro de março de 1923, Rui Barbosa morria na cidade de Petrópolis. Sua morte foi dominada pela emoção popular que se espalhou por todo o Brasil. Naquele dia, a Águia de Haia deixou a terra que tanto amou e partiu para o espaço infinito, voando sobranceiro nas asas douradas da imortalidade.



Campanha da Fraternidade 2023 – Dar de Comer a quem tem Fome

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 25.02.2023).
Desde 2005, terminadas as férias e silenciados os últimos toques dos tamborins e clarins carnavalescos, tenho aproveitado o tema da Campanha da Fraternidade para escrever minha crônica da quarta-feira de cinzas. Afinal, a Igreja Católica sempre escolhe um assunto que merece a nossa atenção. Como sempre, será uma simples abordagem política e social sobre o tema deste ano – a fome – que gera doença e morte, humilhação e vergonha e que afronta a dignidade das pessoas que não têm o que comer.
Nunca é demais lembrar que a fome tem sido um flagelo a açoitar a saúde física e mental de boa parte da humanidade e de nossos irmãos brasileiros. Embora a produção de alimentos tenha aumentado significativamente, não são poucos os que, em todo o mundo, ainda passam fome. Relatório da ONU publicado no ano passado apontou que mais de 800 milhões de pessoas foram afetadas pela fome em 2021, em todo o mundo.
No Brasil, em 2021, foi realizado um inquérito sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19. O estudo levantou a cifra de 33,1 milhões de brasileiros que responderam estar inseguros quanto à garantia de sua alimentação.
Mas, isso não quer dizer que todos estavam passando fome, como equivocadamente afirmou a ministra Marina Silva. É evidente que a maior parte dos integrantes desse sinistro e perverso contingente não vivia numa grave situação de fome permanente porque a consequência seria a morte de grande parte dessas pessoas.
Tanto que o estudo refere-se aos que se sentiam afetados pela fome, àqueles que, de forma frequente ou ocasional, enfrentavam uma situação de “insegurança alimentar”. Trocado em miúdos, isso significa dizer que, no momento da pesquisa, essas pessoas enfrentavam “incertezas sobre sua capacidade de obter alimentos”. Provavelmente, a calamidade sanitária criada pela pandemia da Covid-19 aumentou essa terrível sensação de incerteza alimentar.
Seja como for, o fato é que muitos brasileiros sofrem com a fome crônica ou ocasional.


Daí a relevância do tema da Campanha da Fraternidade, que está sendo lançada nesta manhã pela Igreja Católica. O tema “Fraternidade e Fome”, conforme consta do texto oficial, visa despertar o espírito de caridade de todos os cristãos em face dos que passam fome. Num país que está entre os maiores produtores mundiais de alimentos, a fome de muitos brasileiros só pode, diz a Igreja, ser consequência da estrutura injusta da nossa sociedade.
No documento-base da Campanha da Fraternidade 2023, a Igreja propõe “refletir o tema da fome a partir da perspectiva cristã” entendendo que “qualquer discurso religioso sem uma prática de vida coerente torna-se estéril e vazio”.
O lema da CF foi pinçado de um versículo do evangelho de Mateus – “Dai-lhes vós mesmos de comer”. É, portanto, um chamado pastoral para fazermos parte dessa Campanha em favor dos que, neste país produtor de tantos alimentos, ainda não têm comida na mesa.
Penso que cada um de nós pode atender ao chamado da CF e fazer a sua parte, mesmo sem frequentar a igreja católica.
Afinal, nesta nação de tantas promessas políticas não cumpridas, os que não têm comida na mesa estão cansados do discurso oficial de que não haverá mais fome.

João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

Golpismo ou Vandalismo?


(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 15.02.2023).

Se vivemos numa democracia, não se pode defender os atos de vandalismo praticados contra o patrimônio público no dia 8 de janeiro passado. Refiro-me àquelas pessoas que, num ato tresloucado e sem qualquer sentido, invadiram as sedes do parlamento, do STF e do executivo, para quebrar, danificar, enfim, destruir um patrimônio pertencente à coletividade. Os chefes dos três poderes oficializaram o discurso e parte da imprensa engrossou a narrativa de que, naquele fatídico 8 de janeiro, teria ocorrido uma intolerável tentativa de golpe de Estado, que precisa ser severamente reprimida.


O rigor judicial não se fez por esperar. Quase 2 mil manifestantes foram presos e a lista não para de crescer, por força do poder da caneta carcerária de um magistrado da suprema corte que mais parece um juiz criminal de primeiro grau. Muitos permanecem incomunicáveis e sem direito à visita de familiares, mesmo aqueles que negam a participação nos atos de invasão e depredação.

Salvo por meio de uma discutível hermenêutica que privilegie a política em detrimento do direito e da justiça penal, a análise isenta dos fatos não pode chancelar a narrativa oficial de que teria ocorrido uma tentativa de golpe para derrubar o atual presidente da República. É evidente que todos os manifestantes devem ser responsabilizados pelo crime de dano qualificado ou outra infração penal comum. No entanto, não se pode afirmar, como quer o ministro Alexandre de Moraes, que os manifestantes tentaram abolir o Estado Democrático de Direito.

Segundo o Código Penal, este grave crime somente ocorre “com o emprego de violência ou grave ameaça” que venha a “impedir o exercício dos poderes constitucionais”. Ora, as milhares de imagens dos atos de vandalismo mostram que nenhum manifestante portava sequer uma faca na cintura, muito menos um fuzil ou uma metralhadora. Não se promove golpe de Estado quebrando portas e vidraças, destruindo esculturas e rasgando pinturas. Era, sim, um bando de civis desarmados, inconformados com o resultado da eleição, reunidos num protesto sem objetivo claro de abolir a nossa democracia.

Também não se pode dizer que os poderes estatais foram impedidos de funcionar. Ao contrário, durante todo o tempo em que foram praticados os condenáveis atos de vandalismo, as instituições estatais se mantiveram e continuam em pleno funcionamento. Os próprios chefes dos três poderes reconhecem, inclusive, que o Estado democrático de direito continua mais forte ainda.

É possível que os manifestantes quisessem que as forças armadas praticassem um golpe de Estado. No entanto, o ministro Moraes sabe muito bem que a intenção ou a mera cogitação, por mais que seja censurável, não configura crime de qualquer espécie. Além disso, diz o CP que não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio, é impossível consumar-se o crime. Ora, os atos praticados jamais poderiam consumar o grave crime que agora está sendo imputado aos manifestantes, pois em nenhum momento os militares admitiram a aventura de um golpe de Estado. A verdade é que um golpe de Estado só pode ocorrer por meio de uma ação armada e organizada de militares ou civis.

Por isso, os brasileiros hoje processados e presos pelo ministro Moraes merecem o mesmo tratamento dado àqueles que, em setembro de 2016, quiseram impedir a posse de Michel Temer na presidência da República. Aquela, foi uma manifestação tão grave e violenta quanto essa última de 8 de janeiro. No entanto, ninguém foi processado por crime contra o Estado Democrático.



Conversas Praianas – Concurso de Miss Santa Catarina
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 08.02.2023).

Na borda da piscina do condomínio Alvorada do Atlântico, Maria Anunciatta conta suas histórias de família, muitas delas sobre fatos escandalosos envolvendo seus filhos, parentes e amigos. Ela parece não se importar com vexames de um passado de muitos anos.
Descontraída, abre a caixa-preta dos escândalos ocorridos na família. Sente que contar esses casos para as amigas é uma espécie de terapia em grupo, que só Freud talvez explique.
Dessa vez, é a história de sua filha mais velha, Alice, casada e hoje vivendo em Floripa. Maria Anunciatta abriu o peito para dizer:
— Em 1974, minha filha tinha completado 18 anos. Minhas amigas diziam que era uma das moças mais bonitas de Chapecó. Quando passava na Avenida Getúlio Vargas, não havia homem que não parasse para olhar. Os moços solteiros davam em cima para namorar com ela.
- Mas, Alice não queria saber de namorado firme e sim de estudar Pedagogia. Sempre se lembrava da sua primeira professora. Queria seguir a carreira do magistério, que achava a mais bonita profissão e lecionar para as crianças.
— Pois, foi naquele ano que apareceu o Robertinho em Chapecó. Já contei para vocês como foi a sua chegada. Estava à procura de moça bonita para representar a nossa cidade no concurso de Miss Santa Catarina. Com aquela voz afeminada e aveludada, uma conversa macia de seduzir qualquer jovem inexperiente, encheu a cabeça de minha filha com elogios de todos os lados.

- Dizia ele que ali estava a mais pura beleza da mulher catarinense, cultivada longe do ambiente viciado e degradado das cidades do litoral. Jurava que Alice seria a Miss Santa Catarina daquele ano.
— Depois, foi a vez do meu marido Francisco. A eleição era garantida, garantiu-lhe o cronista. Bastava algum dinheiro para fazer o guarda-roupa da candidata, pagar a hospedagem e o transporte da torcida, três ônibus lotados para impressionar os jurados. Meu marido, pessoa simples, que fez o nosso patrimônio com trabalho e muita economia, não queria conversa sobre concurso de Miss.
- E, quando o Robertinho falou em dinheiro para agradar aos jurados, então, o Francisco quis bater nele. Tivemos que segurá-lo para não fazer uma besteira.
— Vocês sabem como é! Alice já tinha a cabeça feita, cheia de ilusão, no calor da sua juventude. E o coitado do pai não teve como negar. Foi um trabalho para encher três ônibus de torcedores. Ninguém queria ir, num bate e volta de mais de mil quilômetros de viagem. A muito custo, conseguimos, pagando comida e mais um dinheiro extra. E lá fomos nós levar nossa filha Alice para disputar o título de Miss Santa Catarina, na capital do Estado.
— Eram 12 candidatas. Alice acabou ficando em terceiro lugar. Em dinheiro de hoje, a brincadeira custou mais de 60 mil reais e o sumiço de Robertinho logo depois do resultado.
— Mas, Deus é grande e tudo vê. Durante o concurso, Alice conheceu um oficial da PM que se apaixonou pela sua beleza. Se o título de Miss não conquistou, um bom marido arranjou.

Conversas Praianas - Smith Wesson
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 25.01.2023).

A condômina Maria Tereza, que o coronavírus botou na UTI por quase um mês e que escapou por pouco, acha que ficou completamente imunizada. Sente-se cheia de saúde. Não quer admitir que ficou diferente. Antes, mais ouvia do que falava. Agora, está sempre a falar, contando alguma fofoca sobre alguém do grande condomínio. Parece que essa é mais uma das sequelas deixadas pela Covid, ainda não pesquisada. Dessa vez, está falando do novo condômino.
— Ontem, cumprimentei o novo morador do 1508, no elevador. Ele fez de conta que nunca tinha me visto. Nunca fomos amigos, é verdade. Mas, eu vi muitas vezes essa figura na avenida Getúlio Vargas, em Chapecó. Era bastante conhecido por causa do nome Smith Wesson.
— É o sobrenome ou o apelido dele?
— Nada disso. São os dois prenomes, mesmo. O sobrenome é Spadollini, família bem conhecida na Capital do Oeste. Lá, todos conhecem a história. Foi capricho do pai, homem rico, proprietário de fazendas de pinhais em Faxinal dos Guedes, que já foi um distrito do velho município de Chapecó. Era uma terra de ninguém, uma vasta região de campo cheia de pinheiro araucária, disputada a tiros de revólver por madeireiros sem compromisso com a lei nem com a justiça.
— Lá pelos anos de 1940, a extração e o corte de madeira eram fonte de renda fácil. Era quem mais pudesse chegar, se apossar de terras sem escritura, montar um galpão com serraria, contratar peões sem direitos trabalhistas e mandar passar o machado ou a motosserra nos pinhais. Em poucos anos, a intensa atividade meramente extrativista acabou com as matas de araucária.
— O pai do nosso novo condômino foi um dos madeireiros pioneiros daquela região. Enriqueceu cortando, serrando pinheiro e exportando grande parte da madeira para a Argentina. Quando morreu, as fazendas e serrarias passaram para as mãos do filho que, no ano passado e agora veio morar aqui no Alvorada do Atlântico.
— Desculpa, Maria Tereza, mas nós queremos saber o porquê do nome Schmitt Wesson. Pelo que sei, é a marca de uma famosa marca de revólver.
— Pois é, amigas. O pai dele era pessoa temida em Chapecó, pela ambição e violência. Carregava sempre um revólver Smith Wesson ostensivamente portado na cintura. Corria na cidade o comentário de que, nas disputas pela posse de terras e pinheiros, havia matado três madeireiros. Isso, lá pelos anos de 1950, quando a justiça era praticada com as próprias mãos e os conflitos de terra resolvidos à bala. Nas bodegas da cidade, o velho caudilho sempre fez questão de dizer que o seu vasto patrimônio havia sido conquistado de arma na mão, ameaçando concorrentes e intimidando peões.
— O velho tinha feito uma promessa de dar ao seu primeiro filho, se macho fosse, o nome Smith Wesson. Queria homenagear a principal ferramenta usada para construir a sua riqueza.



Conversas Praianas: Visita ao Beto Carrero
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 17.01.2023).

Dois amigos agricultores de Tangará da Serra, lá do Cerrado mato-grossense, vieram passar o final de ano em BCamboriú. A safra tinha superado a expectativa, os silos ficaram abarrotados e o preço se mantivera elevado. Grande parte do dinheiro da soja já estava no bolso e a família bem que merecia umas férias na praia.
Pais, filhos, até sogra, 12 pessoas, família de agricultor da soja é gente unida, chegaram em duas caminhonetas cabina dupla, tração nas quatro rodas para se instalar num apartamento na 3ª Avenida, mais de mil metros distante da praia. Mas, gente do Centro-Oeste acha tudo perto e caminhada de quilômetro é um pé aqui e outro na areia da praia.
Turista, todos nós sabemos, carrega no sangue o gene da curiosidade. Além de curtir a praia, queriam também assistir ao espetáculo pirotécnico do final de ano. Tinham escutado que, no instante final da última noite do ano, o show de fogos projetado nos ares do mar de BCamboriú, maravilha feita de ilusão e fantasia, é coisa que não se esquece nunca mais.
De lambuja, uma visita ao parque do Beto Carrero seria o presente para a criançada.


No último dia do ano, os tangaraenses acordaram cedo para tão esperada visita ao Beto Carrero. Queriam aproveitar ao máximo as atrações do famoso parque temático e voltar cedo, a tempo de assistir ao grande espetáculo da última noite do ano. Mas, não contavam com a BR-101 congestionada.
Foi um anda e para de duas horas, até chegar ao parque e enfrentar uma enorme fila para comprar os ingressos. Já passava do meio-dia, quando os perseverantes veranistas cruzaram o portão de entrada do parque.
Então, foi aquela correria, uma dispersão geral, cada um correndo em direção ao seu brinquedo preferido. Mas, veraneio é tempo de fila para tudo e no Beto Carrero não é diferente. Paciência muita e horas de espera foram necessárias, até embarcarem na aventura de viajar a 100 km/h na Star Montain e nas demais atrações, todas com nomes em inglês, porque brasileiro adora estrangeirismo. Tudo valia a pena para vivenciar instantes de pura adrenalina e emoções mil nas demais atrações.
Não foi fácil reunir a turma dispersa. Pelas nove da noite, enfim, as duas famílias estavam embarcadas para a volta o mais rápido possível. Mais uma vez, esqueceram de consultar a BR-101. Entulhada de caminhões e automóveis, a rodovia transformou a volta dos veranistas matogrossenses num suplício de mais duas horas de viagem.
Chegaram todos exaustos, caindo pelas tabelas, prontos para se jogar na cama. Só se acordaram com os estampidos dos fogos. Foi uma corrida de São Silvestre até a praia para lá chegar a tempo de ainda ver a fumaça do espetáculo pirotécnico se esvanecendo acima das ondas do mar da Dubai brasileira.
Plantador de soja é teimoso, perseverante. Os dois fazendeiros juraram de pés juntos para as suas famílias que, a depender do preço dos grãos, no final deste ano estarão de volta para assistir ao tão badalado show dos fogos.
Então, não haverá erro. Já de manhã, levarão comida e bebida para o dia todo, fincarão barraca para a festança e só deixarão a praia no ano seguinte.


Feliz 2023: Rui Barbosa e o Novo Governo

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 04.01.2023).

Antes de mais nada, desejo aos meus queridos leitores um Feliz 2023.
O ano começou também com um novo governo. Foi uma grande festa da rubra militância esquerdista. Isso, ninguém pode negar.
Não adiantou os bolsonaristas dizerem, muito menos rezaram até!, que Lula da Silva não tomaria posse. Ele já está instalado no Planalto e Jair Bolsonaro está veraneando na Flórida. Infelizmente, não ficou na pátria amada para cerrar fileira ao lado dos seus apoiadores, muitos deles acampados noite e dia desde o mês de novembro.
Mesmo com toda a propagando e promessas mil de melhores dias para todos, penso que será mais um desastre político e econômico para a nação brasileira. O passado é minha testemunha. Basta lembrar dos 14 anos de governo petista, marcados pela irresponsabilidade fiscal e pela prática generalizada da corrupção contra a administração pública, fato nunca jamais visto neste país.
Com a alforria que lhe concedeu o STF, Lula da Silva voltou à presidência, com direito à presença de diversos chefes de Estado. Alguns governantes europeus, seduzidos pelo canto da sereia do discurso dos companheiros de bandeira vermelha, que prometem livrar da miséria o espoliado povo latino-americano, atravessaram o Atlântico para cumprimentar um presidente que, há três anos, estava na prisão por crimes cometidos contra a bolsa da maltratada nação brasileira.
Outros vieram de mais perto, do continente americano ou africano, de pires nas mãos, confiantes na edição de uma segunda rodada de financiamentos a fundo perdido a serem esbanjados por um BNDES engajado no projeto político de transformar o messias petista num estadista mundial.


Até Rui Barbosa, o nosso paladino da honestidade e da justiça, lá estava no meio do povaréu. Aquele mesmo que, há mais de um século, partiu desta terra frustrado diante de tanta injustiça, envergonhado de ter sido honesto nesta terra onde o poder econômico e político se agigantara nas mãos dos maus.
Transfigurado para realizar essa fantástica viagem sideral através dos tempos, o imortal Rui Barbosa, desceu dos céus para testemunhar o que estava acontecendo em Brasília, essa capital que à sua época não se imaginava que um dia pudesse existir.
Curioso, porque a curiosidade é o pão de cada dia dos sábios e ouvindo os gritos de “Lula, Lula”, que ecoavam na esplanada dos ministérios, perguntou a um espectador ao seu lado, que destoava da rubra multidão por não usar camisa nem boné vermelho:
- Peço-lhe que me perdoe a ignorância porque faz quase um século que parti desta nação chamada Brasil. Então, data venia, permita-me perguntar-lhe quem é esse Lula, tão aplaudido, que está recebendo a faixa presidencial? É que também estou ouvindo, embora vindos de longe, gritos de “Lula ladrão, teu lugar é na prisão”. Afinal, esses últimos devem ser os derrotados e inconformados, os desordeiros inimigos do Estado democrático de direito.
- Olha, não estou acreditando que você não visita o Brasil há tanto tempo. Mas, se você assim diz, faço de conta que é verdade. Essa é terceira vez que Lula da Silva chega à presidência deste país. Governou por 8 anos, elegeu e reelegeu a sucessora, Mas, durante esse tempo houve muita denúncia de corrupção comandada por Lula, o líder incontestável do seu partido, que se intitula dos trabalhadores.
- Perdoe-me, não estou entendendo bem. Os demais brasileiros não são trabalhadores?
- Claro que trabalham, a maioria trabalha até muito mais do que os petistas de estrela na testa. Porém, é uma forma que arranjaram para se dizerem representantes dos trabalhadores. O próprio Lula pouco trabalhou. Desde cedo, foi líder sindical e nunca mais entrou numa fábrica, a não ser para protestar e fazer greve nos portões de entrada das montadoras do ABC.
- Perdoe-me mais uma vez, a pergunta. As denúncias de corrupção eram falsas?
- Falsas coisa nenhuma. Pegaram políticos com dinheiro na cueca, com malas e quartos cheios de dinheiro vivo; empresários e parlamentares foram denunciados, processados e condenados por terem se apropriado de bilhões de reais dos cofres públicos e da Petrobrás, a grande petroleira brasileira que quase foi à falência. Foi o maior esquema de corrupção já visto neste país. Tudo comandado por Lula da Silva, que foi condenado em três instâncias criminais.
- Não quero abusar da sua paciência, mas condenado por corrupção, agora pode ser presidente da República? É que no meu tempo também havia corrupção. No entanto, o povo não elegia corrupto condenado pela justiça e, se isso acontecesse, penso que o STF da minha época não deixaria.
- Vejo que você ficou muito tempo mesmo longe do Brasil. Agora, é diferente porque foi o próprio STF que resolveu anular os processos criminais contra Lula da Silva, condenado a mais de 20 anos de prisão.
- Ah! Entendi. Então, Lula da Silva foi absolvido e inocentado das graves acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e de formação de quadrilha?
- Não, nada disso. A verdade é que o STF, diante da farta prova documental e testemunhal, das confissões e dos milhões de reais devolvidos aos cofres públicos, não teve coragem de absolvê-lo nem de declarar a sua inocência. Na sua suprema sabedoria jurisprudencial, a corte criou uma estranha versão de suspeição do juiz e acabou por anular todos os processos contra Lula da Silva. Como diz o povo, Lula foi descondenado.
- Mas, cuidado porque um dos ministros com toga de xerife, proibiu o povo de falar que Lula é um ex-condenado, muito menos um ex-presidiário. Agora, você entendeu o que se passa no Brasil de hoje?
- Desculpe, mas continuo não entendendo. Bem que, na sua santa sabedoria, São Pedro me avisou: “voltarás ao teu espaço celestial ainda mais envergonhado do que quando aqui chegaste há cem anos”.


Natal 1915: guerra e o primeiro advogado brusquense

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 21.12.2022).

Era 25 de dezembro de 1915. Na edição daquele dia tão importante para a cristandade, a Gazeta Brusquense não publicou nenhuma matéria sobre o Natal. Apenas as tradicionais mensagens de “Boas Festas e Feliz Ano Novo”, pagas por famílias da elite brusquense, foram publicadas na página 3. E mais nenhuma palavra sobre a festa natalina. Assim como vinha acontecendo desde o começo da I Guerra Mundial, a primeira página foi ocupada por mais um extenso artigo enaltecendo as forças armadas alemãs.

Só no final da página 2 foi publicada uma pequena nota sobre Júlio Renaux, filho do capitão da indústria brusquense, que havia regressado à cidade no dia 22 de dezembro, depois de ter concluído “um curso brilhante e recebido o diploma de Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais”, no Rio de Janeiro. Segundo escreveu o jornal, “a chegada do Dr. Júlio Renaux, o primeiro filho do município formado em Direito, foi uma verdadeira festa para os habitantes de Brusque”.

A Gazeta não estava exagerando. Autoridades e muitos brusquenses tinham se deslocado ao som da Banda Concórdia até a entrada da cidade para recepcionar e prestar “uma carinhosa homenagem” ao novo bacharel em Direito. Na ocasião, “o prefeito Vicente Schaefer proferiu um vibrante e eloquente discurso de saudação ao novel advogado”.

Naquele tempo, diploma de bacharel em Ciências Jurídicas era coisa rara, privilégio só permitido aos filhos da elite econômica e política brasileira, ostentado como verdadeiro troféu pertencente à comunidade local. Talvez por isso, ao final do seu inflamado discurso e em nome do povo brusquense, o prefeito presenteou o novo advogado com “um lindo anel de rubi, ladeado de brilhantes”, símbolo da corporação dos profissionais do direito.

Em seguida, provavelmente com o anel a brilhar no dedo anelar da sua mão esquerda, o primeiro advogado nascido em Brusque acompanhou “o préstito puxado pela Banda Concórdia”, até o Hotel Schaefer, no centro da cidade. Ali, foi saudado pelo jovem Alexandre Gevaerd, representante da Mocidade Brusquense.

Então, o Dr. Júlio, “visivelmente comovido, agradeceu as manifestações de simpatia e carinho de que estava sendo alvo da parte de seus conterrâneos”. No seu longo discurso, não deixou de citar o pensamento de um grande jurista alemão, afirmando que “a vida do Direito é uma luta incessante” para garantir a ordem e o progresso social. E afirmou que estava voltando para lutar pelo Direito, pelo progresso e o desenvolvimento da sua cidade natal.

Assim era no começo do século passado e continuou sendo por muito tempo depois. A comunidade orgulhava-se dos seus raros profissionais diplomados nas poucas faculdades existentes no país, considerando-os um verdadeiro troféu de bem-estar social para os seus habitantes.

Hoje, se o poder público municipal decidisse presentear cada advogado com um anel de rubi e brilhantes, com certeza, muitos milhares de reais seriam gastos para fazer a alegria das joalherias da cidade. E os céus da cidade faiscariam em dias de sol com o brilho de tantos diamantes.



Copa do Mundo 2022 – Derrota e Bife de Ouro

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 14.12.2022).


Na última sexta-feira, pela TV ou com os meus próprios olhos, vi multidões de brasileiros, de norte a sul do país, fardados com a camiseta amarelo-canarinho para assistir e festejar mais uma vitória do Brasil.
Poucos acreditavam, mas acabou acontecendo.
Com os melhores craques do futebol mundial, pagos a peso de milhões de euros pelos grandes times europeus, alguns alimentados a bife de ouro, nossa seleção foi derrotada pela Croácia.
Penso que o Brasil jogou melhor, chutou muito mais contra o gol adversário, mas no final da prorrogação cedeu o empate para o time adversário. Como dizia o técnico tijucano, quando o Carlos Renaux ou o Paysandu jogavam contra o Tiradentes, “dominamos o jogo o tempo inteiro, infelizmente fomos derrotados”. Às vezes era uma derrota por goleada, mas a duvidosa explicação servia de consolo para os torcedores engolirem o sabor amargo do fracasso do time da casa.


No caso do último jogo da seleção, é preciso reconhecer que a nossa derrota aconteceu na disputa por penalidades máximas, quando tivemos o azar de encontrar pela frente Dominik Livakovic, o melhor goleiro da Copa. Fez milagrosas defesas durante os 120 minutos de bola rolando e ainda defendeu um pênalti do novato e inexperiente Rodrigo.
Penso que não é exagero dizer que Dominik jogou por toda a sua equipe. Além disso, tivemos um fatídico poste da trave adversária a barrar o nosso caminho para a vitória.


Então, em vez da alegria, das danças saltitantes e da corrida triunfal para saudar a torcida, a tristeza geral, o choro dos jogadores prostrados sobre o gramado pela ácida derrota. E a fuga, para muitos, covarde, do técnico Tite que preferiu se esconder no vestiário e abandonar os seus comandados no momento em que precisavam de um ombro firme para verter as lágrimas do fracasso.
Saí caminhando pela avenida Atlântica, de BCamboriú. Nos bares e restaurantes equipados com telões e decorados para a festa da vitória, a decepção tomava conta do ambiente. A fiel torcida dourada ainda ali permanecia, o grito de Brasiiiiiiillllll entalado na garganta desses apaixonados pelo futebol, que vibram e enlouquecem a cada vitória brasileira e que sofrem a cada derrota de partida decisiva, como se estivéssemos perdendo uma guerra para uma nação inimiga.
Continuei minha caminhada e lembrei que o técnico Tite recebia um salário mensal de quase dois milhões de reais. E, também, que quatro jogadores brasileiros acompanhados do Ronaldo Fenômeno, deixaram a concentração para saborear bifes folheados a ouro, tomar vinhos e drinks sofisticados, num dos mais luxuosos restaurantes do Catar. Os demais, com certeza, também não devem passar a vida a pão e água.
Então, pensei que não vale a pena ser um aficionado pelo futebol, nem sofrer ou chorar pelas derrotas da nossa seleção.


Copa do Mundo 2022 e a Festa da Gastança

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 07.12.2022).
Somos o país do futebol, nossa paixão nacional e, nestes últimos dias, a Copa do Mundo tem sido o assunto do momento. Como sempre, dado o pontapé inicial dos jogos, grande parte dos brasileiros vestiu a camisa canarinho e passou a gritar o nome do Brasil nas partidas já disputadas.
E não são apenas os bolsonaristas. Em matéria de futebol, todos ou quase todos os brasileiros são torcedores sem distinção de classe ou de raça, de credo religioso ou político.
Torcedor desapaixonado, muitas copas do mundo eu vivi. Ainda guri, ouvi pelo rádio do armazém de meu pai, em Tijucas, a narração da histórica final entre Brasil e Uruguai. Tempo sem TV e de rádio para poucos, a casa comercial estava lotada. Em pé, os fregueses espremiam-se próximos ao balcão, para ouvir os locutores da Rádio Nacional, Antônio Cordeiro e Jorge Curi.
Entusiasmado com a cena presenciada num Maracanã lotado com mais de 170 mil torcedores, Antônio Cordeiro bradou na sua voz candente que o hino nacional acabara de ser cantado por uma multidão. Graças à magia das ondas radiofônicas, os acordes do hino ecoaram pelos quatro cantos do país.
Extasiado, o locutor dizia estar presenciando um magnífico espetáculo de civismo. Tudo indicava que a vitória seria nossa e a festa tomaria conta do país.
O futebol mudou muito, mas a paixão sempre foi a mesma. Lembro ainda do grito uníssono de Brasiiiiiiilllll ecoando entre as paredes de madeira da velha construção, pelo gol marcado por Friaça. Logo, a angústia e a tensão desapareceram. O delírio tomou conta daqueles corações de gente humilde e cheios de patriotismo, pobres fregueses que compravam fiado para pagar no fim do mês com os escassos tostões ganhos no trabalho mal pago.


Alegria nem sempre dura muito. O Uruguai logo empatou a partida e os brasileiros voltaram a sofrer a angustiante espera pelo desempate. Afinal, o Brasil tinha vencido de goleada os adversários anteriores. Veio o segundo tempo e o pequeno Uruguai, a então Suíça latino-americana, mostrou porque tinha sido o primeiro campeão do mundo.
O gol de Giggia acabou com a alegria e enterrou o sonho brasileiro de colocar a mão na Taça Jules Rimet, pela primeira vez. A tristeza tomou conta da nação brasileira. Choro e lágrimas escorreram pelas faces dos apaixonados torcedores dos quatro cantos do país, muitos deles acostumados a xingar a mãe do juiz e a ameaçar de porrada a torcida adversária.
Ontem, o Brasil jogou e, de goleada, passou para a fase seguinte, cotado como favorito para ganhar a Copa. Se isso acontecer, vai ser um delírio nacional. A festa vai emendar com o Natal, depois com as festas de fim de ano e com as férias de janeiro até o carnaval.
Só na quarta-feira de cinzas é que os brasileiros irão se dar conta de que estaremos diante de um novo governo. Então, Brasil hexacampeão ou não, o governo petista já estará promovendo um leviano e desastroso festival de gastos sem limite, sem compromisso com a lei de responsabilidade fiscal nem com o equilíbrio das contas públicas.
O apoio do Centrão já foi comprado. A moeda de troca será a manutenção do orçamento secreto e as bilionárias verbas de relator destinadas aos parlamentares para discutíveis e indecentes gastos nas suas paróquias eleitorais.
Severamente criticado pelo candidato Lula da Silva, agora, é defendido para patrocinar a indecência e a corrupção no emprego de bilhões de reais em recursos federais.
Ontem, o STF deveria ter julgado a ação contra as imorais emendas relator, mas o julgamento foi suspenso. Como a manutenção desse vergonhoso gasto do dinheiro público agora interessa ao governo petista, tudo indica que o STF vai deixar as coisas como estão.
A conta um dia chegará e o povo com certeza vai pagar!


Feriado de Praia Lotada

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 16.11.2022).

No último domingo, fiz minha habitual caminhada na praia de BCamboriú. Caminhar é viver, mesmo que tenha que carregar o peso da idade octogenária, que já não me permite mais aquela marcha lépida e forçada de seis quilômetros por hora.
Agora, é caminhar lentamente, respirando sem resfolegar, num ritmo de pernas já cansadas, tão devagar que me permita observar o entorno do percurso praiano. A velhice é assim, tempo de observar, de refletir e relembrar o que passou.
Brasileiro, todos sabem, adora esticar fim de semana e criar feriadão para descansar do trabalho duro, principalmente os funcionários públicos. Curiosamente, feriadão não é para ficar em casa e repousar, mas para botar o pé na estrada.


Assim, no feriado de ontem, da Proclamação da República, ao final de quatro dias de ócio turístico, muitos brasileiros voltaram para casa das suas viagens. Imagino que poucos se lembraram do marechal Deodoro ou da família imperial apeada do poder e embarcada à força para o exílio sem volta.
Feriadão é sinônimo de praia cheia na badalada BCamboriú. No último domingo, vi uma amostra do que está por vir no próximo veraneio. Era muita gente caminhando, outros muitos sentados embaixo dos guarda-sóis e um batalhão de ambulantes vendedores de sorvetes, picolés, sanduíches, vestes de praia, bijuterias artesanais e muitas outras coisas.
Aproveitar é preciso, parece ser o lema dos veranistas dos feriadões ou de poucos dias. Assim, no mar agitado, vindos de longe ou de perto, boa parte desses turistas banhava-se nas águas ainda frias de uma primavera cheia de timidez. Alguns deles, nem respeitavam o festival de bandeirolas vermelhas a advertir que, naquele local, o mar não estava pra peixe, muito menos para afoitos veranistas que, talvez, nem saibam nadar.
Pelo que vi, ignoram a advertência de perigo e enfrentam o mar agitado e perigoso para o indispensável banho do batismo marinho da primeira viagem.
Agora que Lula da Silva voltará ao poder, talvez estejam pensando que não será apenas a garantia de picanha para todos. É possível que alguns desses veranistas imaginem que as bandeiras rojas fincadas ao longo de toda a praia, ali estão para demarcar as áreas privativas de banho dos companheiros petistas e outros camaradas, que tanto gostam da cor encarnada.
E quando o bombeiro salva-vidas, vestido com a tradicional camiseta vermelha, aciona o seu apito de advertência e gesticula para alertar sobre o perigo, então esses incautos banhistas abanam as mãos num gesto de saudação imaginando que estão a cumprimentar um companheiro de militância política.
Ironia à parte, o fato é que, pelo retrato de uma praia lotada num feriado de novembro, é possível prever que a volta de Lula à presidência, a meu ver lamentável, não impedirá um próximo veraneio de multidões nas praias brasileiras.


Conversas de Consultório. Cirurgia de Cataratas
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 02.11.2022).


Sentados, celular nas mãos, meia dúzia de pacientes, a maioria mulheres, espera a chamada para a consulta com o oftalmologista. Uma paciente ali estava para consultar sobre a necessidade de uma cirurgia da catarata. Virou-se para a que estava ao seu lado e foi logo perguntando:
Desculpe-me, mas você já é paciente o Dr. Roberto? Estou aqui pela primeira vez porque já não enxergo bem de perto nem de longe. Disseram-me que deve ser por causa da tal da catarata. Você sabe como é, com a vista não se deve brincar. Por isso, gostaria de saber se ele é um bom profissional nessa especialidade.
A outra paciente, sexagenária, dessas de manter a jovialidade e elegância à base da medicina estética e de caprichosas maquiagens, abriu um sorriso de quem já é da casa.
— Olha, para mim é um médico muito bom. Já operei a catarata dos dois olhos e coloquei lentes importadas. Paguei o olho da cara, um dinheirão! Gastei quase todas as minhas economias. Mas, valeu. Depois da cirurgia, voltei a enxergar de perto e de longe como se tivesse 30 anos de idade. Venho aqui duas vezes por ano. O chato é que todas as vezes você só vê o médico depois de uma série de exames com a secretária.
— Você senta diante de um aparelho. Com aquela conversa cheia de gentileza para amansar paciente, a secretária manda olhar fixo numa bolinha e você recebe um sopro de arrevirar o olho, como se diz na minha terra. Em seguida, te manda sentar noutra banqueta e olhar fixo, sem piscar, para uma tela iluminada com um fundo que parece um caleidoscópio.
— São quatro ou cinco aparelhos, todos limpos com álcool antes e depois dos testes, o que é bom porque você nunca sabe quem, minutos antes, botou o queixo, a cara e os olhos no aparelho. Afinal, paciente com problema de visão não falta.
— O que posso te dizer é que, se você operar a catarata para colocar lentes importadas, prepara dinheiro porque a conta será salgada. O SUS e a Unimed só pagam lente nacional que melhora a visão, mas não é igual. Disse-me o médico que a lente estrangeira é bem superior.
— Tenho uma vizinha que operou a primeira vista e botou uma lente alemã. Para a segunda, coitada, faltou dinheiro e colocou uma lente brasileira mesmo.
— Então, com o olho da lente estrangeira passou a enxergar tudo colorido e, com o outro, tudo em preto e branco. Mas, agora, com a volta do Lula, passou a enxergar tudo nublado.

Primeiro automóvel de Brusque e o ladrão de cavalo

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 26.10.2022).

Segundo anotou o historiador Ayres Gevaerd, Brusque contava em 1917 com apenas três veículos automotorizados a circular pelas ruas da cidade, construídas a pá e picareta para o trânsito de carroças, carros de bois e cavaleiros vindos da zona rural a negócio ou a passeio. Quanto ao primeiro proprietário, uma curta nota de jornal do mês de agosto daquele ano registra que o senhor Niebuhr acabara de comprar um automóvel, usado para prender um ladrão.

A cidade, então tranquila, vivia em segurança, desconhecendo a delinquência que hoje nos faz viver trancafiados em nossas casas cercadas por altos muros, encastelados nas alturas dos edifícios, desconfiados dos rostos estranhos que caminham em nossas ruas. No entanto, se Caim matou Abel, é porque por mais que uma comunidade seja segura, algum crime sempre vai ocorrer. Assim, mesmo naquela Brusque tranquila de 1917, aconteceu um roubo que despertou a curiosidade dos brusquenses.

A notícia logo se espalhou pela cidade. Na edição do dia 16 de agosto de 1917, a Gazeta Brusquense noticiou que um indivíduo havia roubado um cavalo de montaria e disparado em direção ao vizinho município de Nova Trento. Confiante na velocidade do animal alheio, o ladrão cavalgava seguro, certo de estar fora do alcance das mãos da justiça que, à época, andava a pé e devagar.

Montado em seu cavalo, o surrupiador viajava a trote largo, confiante na impunidade da sua ação criminosa, esquecendo que roubar ainda não compensava nem contava com os benefícios das nulidades hoje consagrados pelas altas instâncias judiciárias para alforriar os grandes ladrões desta nação.

Infelizmente, para o incauto afanador do equino, se o castigo não chegou a cavalo, veio muito mais rápido, de automóvel. Para sua desgraça, logo que tomou conhecimento do furto, o dono do cavalo “perseguiu o gatuno no automóvel do senhor Niebuhr e, antes de uma hora, o ladrão foi preso em flagrante”. Diz o jornal que o gatuno foi a “primeira victima do primeiro automóvel de nossa cidade”.

Em 25 de outubro do mesmo ano, o jornal publicou mais uma nota sobre o azar dos ladrões brusquenses com o automóvel. Cheia de ironia, a Gazeta noticiou que um outro ladrão tinha alugado o mesmo veículo “do sr. Niebuhr para fugir da cidade” e não contava com a sua prisão tão rápida. Acabou preso “pela polícia que o perseguiu no automóvel do sr. Bauer”, que deveria ser o industrial João Bauer.

Há mais de 100 anos, o automóvel foi usado para prender ladrão. Hoje, este rouba carros para fugir da polícia.

Onde anda a Primavera?

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 20.10.2022).

A temperatura política está elevada, quase pegando fogo. Mas, a natureza não está nem um pouco preocupada com o clima eleitoral. Parece mesmo que está querendo evitar a chegada da primavera e prolongar o inverno. Faz um mês que o calendário meteorológico marcou o começo dessa romântica estação, cantada em versos por poetas de todas as cores e escolas. E nada de calor, de sol nem do cantar alegre dos pássaros.
Ao contrário do ar primaveril, tivemos até neve e geadas na serra, no final setembro. E o frio continuou a nos obrigar a usar casacos, blusas e até japonas. A chuva também não tem dado trégua. Desde agosto, tem chovido a cântaros, de encher as represas das grandes usinas hidrelétricas.
Hoje, ainda tivemos mais um dia de tempo embrumado. Amanheceu chuvoso, veio um pouco sol e voltou a chover no final da tarde. E nada de primavera.
Para os estudiosos, esse desarranjo climático é coisa do aquecimento global causado pela desastrosa ação humana contra a natureza.
Preservar o ambiente é uma necessidade que ninguém pode contestar. Afinal, precisamos respeitar a natureza para que ela possa cumprir a sua missão cósmica de nos fornecer água límpida, atmosfera respirável e florestas verdejantes. Só assim teremos vida saudável, sem as tragédias climáticas que causam sofrimento a tanta gente.
No entanto, esse nosso inverno teimoso e extemporâneo ou essa primavera chuvosa e friorenta é um fenômeno meteorológico já registrado no passado. Em 4 de agosto de 1860, Maximiliano von Schnéeburg chegou ao lugar denominado Vicente Só, às margens do rio Itajaí-Mirim, para fundar a Colônia Brusque. Na ocasião, escreveu que até o final de outubro, frio e chuvas contínuas tinham castigado os colonos pioneiros.
Segundo o seu relato, as tempestades haviam causado “por duas vezes, o transbordamento do rio Itajaí-Mirim”, cujas águas inundaram ranchos, caminhos e picadas da colônia recém-fundada.
Provavelmente, Schnéeburg e os primeiros colonos enfrentaram um tempo de lestada, que sempre traz frio e dias seguidos de chuva. Quem conviveu à beira-mar conhece o ditado que os pescadores das nossas praias escutaram dos seus antepassados nas conversas de pescaria: “Tempo de lestada, dias sem parar de chuvarada”.
Se os nossos antepassados conviveram com invernos teimosos de adentrar o tempo de primavera por mais de mês, então não se pode atribuir esse tempo frio e chuvoso ao aquecimento global.
Os pescadores que ainda lançam suas redes e espinheis nas baías do nosso litoral, sabem muito bem que só quando o velho vento leste parar de soprar é que chegará o tão esperado quanto já atrasado tempo primaveril.
Então, a primavera vai chegar trazendo manhãs luminosas, tardes quentes sem muito calor, noites frescas e agradáveis. As flores desabrocharão e os pássaros cantarão, porque a natureza não pode deixar de cumprir a sua missão.


Novela Pantanal, a vida é uma Beleza!

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 12.10.2022).

Assisti ao capítulo final da novela Pantanal, um sucesso de público. Sempre é bom saber o que se passa na tela global. Como sempre, um produto tecnicamente perfeito sobre a vida e os costumes da gente pantaneira, coronéis, peões e empregados, interpretados por artistas bonitos, bem-vestidos e educados, porque a magia global conseguiu emprestar um charme todo especial à estampa do sofrido e maltratado peão das fazendas da região pantaneira.
Sem dúvida, foi uma bela e merecida homenagem, um hino de reverência ao patrimônio ecológico e paisagístico do Pantanal, que deve ser preservado e admirado por todos nós.
No entanto, a história de uma novela não é a mesma da vida real. Esta já vem escrita, traçada em seus meandros de altos e baixos, vitórias e derrotas, momentos de alegria e de tristeza, que cada um de nós precisa enfrentar. E nem sempre somos capazes de encontrar o caminho certo do sucesso e da felicidade pessoal.


Na novela, é diferente porque o autor tem liberdade para escolher se a sua criatura vai ser bonita ou feia; boa, amiga e companheira ou má, falsa e traiçoeira; heroína e vitoriosa ou se vilã, covarde e fracassada.
E o autor carregou nas tintas do otimismo, na crença de que a vida de todos nós, até dos sofridos, humilhados e oprimidos, é uma beleza. Caprichou num final feliz, de botar no bolso qualquer final de filme americano.
No final, tudo acabou num mar de rosas, numa festa de pura alegria e felicidade que enterrou para sempre problemas, egoísmos, conflitos, incertezas e maldades. Até assassinatos foram sepultados porque não se podia manchar de sangue as bodas de três casamentos simultâneos de pais, filho e peão.
Foi um festival de pura felicidade. Por anos tratada como empregada doméstica, a amante, enfim, casa-se com o coronel que, então, percebeu que não é preciso ir longe para encontrar o grande amor da sua vida.
O filho adotivo criado como peão, por anos vivendo a dúvida da paternidade de sangue, transforma-se no filho do amor e também se casa cheio de felicidade. O outro, qual filho pródigo bíblico chegado ao lar depois de muitos anos, tem o seu futuro de líder político garantido para lutar pela causa pantaneira.
Não foi um final feliz só para família do coronel. O peão que matou o mau coronel engolido pela misteriosa sucuri, também encontra a felicidade ao lado da viúva, enfim livre do marido verdugo. Não parou por aí o rosário de felicidade e harmonia para sempre porque na festa também estavam os filhos do coronel assassinado, conformados e até aliviados, com a ideia de que o pai, enfim, havia colhido a morte da sua perversa semeadura.
Na festa final de casamento, só faltou a Globo mostrar o Bolsonaro e o Lula, felizes, dançando a valsa nupcial.
Depois da novela, as autoridades mato-grossenses que se preparem. É possível que a gente do garimpo, sedenta de ouro e de um lugar ao sol, mude a rota migratória e se mande para o Pantanal, em busca da sela prateada.

Conversas Paianas – Cabelereiro Francescco

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 07.10.2022).

As veranistas chapecoenses do Alvorada do Atlântico, encontraram-se com o cabelereiro Francisco, dono de um salão de beleza dos mais movimentados da Capital do Oeste, o Franccesco’s Beauty Saloon. Penteando e embelezando o visual de suas clientes, fica sabendo das fofocas e escândalos envolvendo a vida das socialites da cidade. E, não raro, também das aventuras amorosas dos maridos, como é comum nas conversas dos salões de beleza. Mas, desta vez o assunto foi a sua estada na Dubai Brasileira.
- Meniiiiinas, dei um upgrade no meu hotel. Acho que mereço. Agora, estou hospedado num num apartamento de frente para o mar. Adooooro ver as ondas quebrando na praia. Levanto às 9,30h da manhã, tomo um bom café reforçado para evitar o almoço. Como vocês podem ver, estou um pouco acima do peso. Para mim, isso é um horroooor! Tenho pavor da obesidade.
- Depois, vou à praia pegar um pouco de sol. Quero voltar bronzeado, para mostrar pros fofoqueiros de Chapecó que eu também sou filho de Deus. À tarde, saio a caminhar, a bater pernas por BCamboriú. Ontem, já eram quase cinco horas. Já não aguentava mais de fome, quando passei em frente ao Paris Six Café, uma butique de doces e salgados, que eles dizem “patisseri”. Vocês conhecem? É um luuuuxo, só falam em “peti gatô”, “tarte ô pome” e “croassan”.
- Não estava bem vestido, para o ambiente, uma bermuda, uma camiseta simples e um par de crocs xexelentos nos pés. Mas, não resisti. Estava varado de fome, me sentei a uma mesa perto de umas velhas metidas a chiques, que me olharam como quem pergunta o que o pobretão estava fazendo ali? Tirei os meus óculos de sol Louis Vitton, legítimo. Coloquei o meu IPhone, último modelo, em cima da mesa e encarei aquelas anciães cheias de colares e pulseiras que deviam ser bijuterias. Viraram a cara e não me olharam mais.
- O pior é que, neste período de temporada, BCamboriú está cheia de chapecoense. Estava eu, tranquilamente, comendo uma deliciosa fatia de torta com chantilly, eu adoooro doces!, quando apareceu, não sei de onde, uma antiga cliente, conhecidíssima pelos calotes que dá no comércio da cidade. Não vou dizer o nome porque é mulher de um advogado. Imaginem queridas, ainda me processa por dano moral. Mas, vocês conhecem bem a peça. Toda semana ia no meu salão, gastava uma nota com penteados dos mais dos caros e mandava botar na conta. Não me pagou, sumiu do meu salão e, ainda, começou falar mal de mim.
- Pois, não é que a caloteira me viu sentado e, como se fosse minha amiga íntima, como se não me devesse uma fortuna, teve o topete de falar bem alto, para as velhas escutarem, que eu estava irreconhecível de tão gordo, que estava uma bola, parecendo o Jô Soares. Como não sabe o que é desconfiômetro, ainda perguntou se podia sentar na minha mesa. Disse que eu já estava de saída e chamei o garçom para pagar conta.
- Imagiiiinem, minhas queridas, a gente está longe de Chapecó. Mesmo assim, não tem sossego para comer uma fatia de torta com um bom café. Aparece uma caloteira e me chama de obeso, na frente das daquelas idosas que ficaram a tirar sarro da minha cara. Mas, já pensei na vingança. Quando voltar para Chapecó, vou botá-la no Serasa.

Grito do Ipiranga e o Bicentenário da Independência

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 07.09.2022).

O assunto da crônica desta quarta-feira, não poderia ser outro senão o bicentenário da nossa independência política. Entre as datas comemorativas mais importantes da nossa história o Sete de Setembro tem sido festejado a cada ano para lembrar do dia em que nos tornamos livres do domínio colonialista português. Mas, a comemoração deste ano deve ser bem maior, pelos 200 anos de emancipação em face do domínio português.

É verdade que a nossa independência não foi conquistada a ferro e fogo, por meio de uma guerra de sangue derramado, como aconteceu em muitos países da América. Depois da Inconfidência Mineira, de 1789, e das revoluções baiana, de 1798 e pernambucana, de 1817, quando muitos dos seus defensores pagaram com a própria vida, o sentimento nacionalista parece ter fenecido nos corações dos brasileiros.


Mas o Brasil, colônia muito maior que a matriz colonialista, haveria de ser, sim, uma pátria independente. Não pela guerra, mas por meio de concessões que a família real aqui estabelecida viu-se obrigada a fazer. A principal e decisiva delas, a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal, em 1815, nos libertou da condição de simples colônia. Daí até a independência política seria uma questão de apenas pouco tempo que veio a acontecer, salvo a resistência portuguesa em algumas poucas províncias, sem guerra sangrenta de norte a sul.

Na Bahia é que a resistência das forças portuguesas foi maior. Vidas foram sacrificadas, entre elas a da freira Joana Angélica — mártir da nossa independência — assassinada por impedir que soldados portugueses entrassem no seu convento à procura dos defensores da liberdade política.

Mas, de um modo geral, nossa independência nos chegou como um presente entregue por um imperador com o coração dividido entre duas pátrias. Aquela em que nasceu e para onde retornou para morrer e esta em que viveu a infância, a juventude e os seus amores adulterinos só aos monarcas tolerados.

Assim, conta a história, sempre feita de versões, que bastou um grito do jovem Imperador às margens do riacho Ipiranga, para conquistarmos, aliás, para sermos presenteados com a independência política. Nenhum monarca foi destronado. Ao contrário, a espada da independência continuou nas mãos do mesmo monarca que continuou sua viagem de aventura amorosa vivida em São Paulo, de volta ao Rio de Janeiro.

Na capital do Império, sua fiel esposa, a imperatriz Leopoldina e José Bonifácio, o grande articulador da Independência, já haviam preparado todos os atos formais necessários à proclamação e consolidação da nossa emancipação.

Ipiranga, em tupi-guarani significa rio vermelho. No entanto, às suas margens, sangue pela independência e liberdade não correu e as suas águas, então cristalinas, continuaram o seu percurso tranquilamente para fazer parte da história da nossa nação.

Conversas Praianas. Sueli

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 22.06.2022).

As veranistas do condomínio Alvorada do Atlântico estão novamente reunidas para a conversa de fim de tarde. Mesmo com o calor do verão, a cuia do mate amargo vai passando de mão em mão, cevando a prosa, confirmando o ditado gauchesco que matear é prosear. A sexagenária Sueli, veranista chapecoense, está sorvendo o chá quente enquanto diz para as amigas.
- Nasci na colônia, no interior de Chapecó. Minha mãe me deu o nome de Sueli, em homenagem à parteira que veio a nossa casa para fazer o parto. Mas, não gosto do meu nome. Ainda se fosse com y. Eu gostaria mesmo é que fosse Suellen, com dois “eles”.
Uma das amigas, não gostou da conversa.
- O que tens contra esse nome? Minha mãe se chamava Sueli. E eu até acho bonito, gosto da sonoridade. Não é como esses nomes estrangeiros, que a gente tem que revirar a língua para pronunciar e que nada têm a ver conosco. Afinal, estamos no Brasil. Olha só a tua opinião. Gostarias de ser chamada de Suellen? Isso é mania dos brasileiros, que não valorizam a nossa cultura. Só gostam de nome inglês para os seus filhos.
- E, agora, também para os cachorros. Minha vizinha comprou um Golden e botou o nome de Sunset. Perguntei a ela o significava. Disse que não sabia, que tinha visto no Face e gostado. Um condômino aqui do prédio vive passeando com o seu Yellostone na trela. Vejam só a ignorância. Penso que devemos prestigiar a nossa Língua portuguesa.
- Desculpa. Nada contra a tua mãe nem contra a nossa Língua. Muito menos contra os cachorros. É que os meus pais mudaram para a cidade e a dona da Zona de meretrício se chamava de Sueli. Quando era adolescente caçoavam de mim. Na escola, como se diz hoje, faziam até bullying comigo. Quer ver quando a professora fazia chamada. Nos primeiros dias, parecia que todos tiravam sarro de mim. Eu tinha uma vergonha desgraçada.
- Numa tarde, minha mãe que só cuidava da casa e dos filhos, foi na loja do meu pai para pegar dinheiro e ir no mercado. Flagrou o meu pai conversando com a tal de Sueli, como se fossem velhos e chegados amigos. Ficou uma fera. Foi uma briga desgraçada, o meu pai dizendo que a Sueli era apenas uma freguesa e minha mãe dizendo que não acreditava, que todos os homens são iguais.
Ficaram brigados mais de um mês. Eu tive que enfrentar tudo isso.
- Durante muito tempo, eu não suportava que perguntassem pelo meu nome. Ficava sem jeito, toda ruborizada. O pior é que, quando eu estava numa festa ou numa reunião, algumas amigas gritavam Sueliiiiii!!! Bem alto, só para me ver constrangida. Era terrível, um sofrimento que só eu sabia o quanto doía.
- Quando casei e o padre falou bem alto o meu nome, quase perdi a voz para dizer o sim. A sorte é que eu tinha me preparado. Não podia dar vexame na frente dos convidados e nem perder o marido, que na época era figura escassa na praça de Chapecó.
Então, fui superando aquele trauma e hoje já não me importo mais. Mas, gostaria de ter sido batizada com o nome de Suellen.


Rodovia Antônio, uma Novela Sequicentenária!
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 15.06.2022).

No ano de 1862, o Barão Schneéburg, fundador de Brusque, escreveu ao governo provincial que “uma obra de grande e incontestável necessidade é a abertura e factura de uma boa estrada em direção conveniente da Colônia à Villa de Itajahy”.
Dois anos depois, diversos colonos assinaram requerimento, no qual se confessavam “convencidos da augusta benevolência de Sua Majestade Imperial e, assim, ousavam colocar ao pé do trono um pedido urgente e necessário para o progresso da Colônia”.
Com toda a reverência de respeitosos súditos, suplicavam que o Imperador se dignasse dar “as necessárias ordens para factura da comunicação terrestre da nossa Colônia com a Villa de Itajahy”. Só assim, diziam os colonos, ficaremos livres “do flagelo de continuar forçados a vender os nossos productos aos poucos negociantes da sede da Colônia” e deles comprar as “nossas precisões por preços caríssimos”.
Outros pedidos semelhantes continuaram sendo encaminhados aos governos provincial e imperial em documentos guardados no Museu Casa de Brusque.
Em 1875 foi anunciada o término da importante obra rodoviária, que só ficaria completa mesmo em 1905, com a construção da Ponte Vidal Ramos. Cheia de curvas, com muitas subidas e descidas, a velha estrada colonial serviu por quase um século.
Em 1974, cabou sendo substituída pela SC-486, mais moderna e digna do tráfego de veículos motorizados. Conhecida como a rodovia Antônio Heil, sua implantação foi mais uma longa novela, cujos capítulos se desenrolaram por 10 anos, até sua inauguração.
Alguns anos se passaram. Vieram enxames de automóveis e caminhões e o progresso já não tolerava mais estrada de poeira, buraco e lama. Então, foi a vez da campanha pelo asfaltamento.
O verbo mudara. Em vez de súplica à Sua Alteza Imperial, a República passou a garantir o direito de reivindicar, mas sem data marcada para atender ao pleito popular.
O tempo passa rápido e o progresso está sempre a exigir mudanças contínuas.
No começo deste século, uma nova campanha comunitária passou a reivindicar a duplicação dessa movimentada rodovia. Depois de inúmeras promessas, a obra foi iniciada em 2014 e sua inauguração com discursos oficiais aconteceu em 2017, por um governante de saída do cargo.
Como estamos cansados de saber, inauguração nunca foi garantia de obra pública completamente acabada. Assim, o trevo de acesso à BR-101 não foi construído.
Em março deste ano, foi anunciada a licitação para execução dessa obra final. Já se passaram dois meses. Na semana passada, foi noticiado que o governo ainda vai ajustar o preço da obra e só depois ocorrerá a licitação.
É triste. Em nosso país, obras públicas são prometidas. O início, nunca se sabe quando vai acontecer. E o seu final, muito menos ainda, porque só a Deus pertence.
E assim, tudo indica que vamos amargar mais alguns anos enfrentando engarrafamentos quilométricos para ingressar na BR-101.

CONVERSAS PRAIANAS

Convite!
É neste sábado, às 10h do dia 11 de junho ,que o amigo e escritor Joao Leal estará realizando o lançamento de mais um livro cheio de histórias ,contos e causos.
"Conversas Praianas" nos traz os bastidores das vivências na vizinha cidade litorânea de Balneário Camboriú.
Um encontro para celebrar a cultura !




Conversas Praianas: O Grande Piquenique ao Ar Livre
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 01.06.2022).
Nos finais de semana, tenho feito minhas caminhadas matinais na praia de BCamboriú. Não muito cedo que encontre uma praia deserta e não tão tarde que todos os veranistas já tenham chegado. Mesmo agora, não são poucos. Mas, estão longe dos milhares que lotam a praia no auge da temporada.
Agora, tem praia sobrando e, pelo que vi, mesmo no pico da temporada, o aterro não se fazia necessário, pois mais da metade da faixa de areia ficou vazia, ociosa, virada num deserto. Nessa área do saariana, só pegadas humanas indicando o vaivém do veranista até o mar para caminhar ou ocupar o seu espaço, sempre o mais próximo possível da água.
É claro que parte do aterro já está sendo ocupada por diversas quadras de esporte, porque agora a moda é o tênis de praia, que todos fazem questão de pronunciar em inglês. Praças e jardins, ciclovias e pistas para caminhada e outros fins também estão prometidos.
A verdade é que a grande massa de veranistas vem para curtir apenas alguns dias de ócio, de festa e para se banhar nas águas do Atlântico. Cada tribo familiar ou de amigos faz questão de ocupar o seu espaço praiano demarcado por um guarda-sol o mais perto possível do mar. E todos se espremem para ocupar apenas uma estreita faixa de areia, se possível com as águas a tocar-lhes os pés.
Para esses veranistas em férias, praia é sinônimo de horas a fio sentados em cadeiras de alumínio, embaixo de um guarda-sol e de uma barraca de pano ou de lona. É lazer, ociosidade e curtição da manhã à noite. E, claro, é também comer a se empanturrar, beber sem parar, até se inebriar ou, mais próprio da linguagem praiana, até ficar de porre.
Grande parte dos turistas de BCamboriú pertence a essa tribo chamada classe média. Sem serem ricos para esnobar em gastos supérfluos, é gente com renda suficiente para curtir, com dinheiro contado, alguns prazeres da vida burguesa. Essa gente não se avexa em levar o seu farnel, o seu rango para a merenda familiar do meio-dia e de toda a tarde na praia. Para eles, veraneio é tempo de descanso integral, de passar longe da cozinha e do fogão.
Praia aguça o apetite, atiça a sede e, se precisar, sabem que a praia não é só mar e areia. É também uma praça de alimentação móvel, com vendedores ambulantes passando, gritando a todo o momento, oferecendo sanduíches de todos os tipos, empadas e pastéis, batata frita, milho cozido e até o famoso espetinho de gato.
Para sobremesa, não faltam picolés e sorvetes, desfilando a toda a hora ao som das cornetas e gritos dos vendedores.
E, assim, a praia central de BCamboriú se converte numa arca ambulante a navegar ao longo da praia para saciar a gula e a sede desses milhares de bocas vindas de paragens distantes para o grande e coletivo piquenique ao ar livre.


BCamboriú, Meca dos Sheiks e Reis da Soja*
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 25.05.2022).

Pois é assim. Um dia já distante, BCamboriú foi praia apenas de veranistas do Vale do Itajaí, Brusque e Blumenau em primeiro lugar. Chegaram os paranaenses, de Curitiba e de Londrina, também veranistas gaúchos e do Oeste catarinense. Então, o Balneário conheceu os primeiros edifícios.
Veio o tempo dos argentinos que preferiam as “olas tranquilas y las aguas calientes” de BCamboriú, ao mar agitado e gélido de Mar del Plata. De dezembro a março, chegavam aos milhares para lotar os hotéis, pensões, apartamentos e fazer a alegria de proprietários e comerciantes. Mas, do outro lado da fronteira a crise está braba e, agora, quase não se ouve o portunhol nessa cidade praiana.
Mesmo sem argentinos, a cada final de ano, uma multidão de turistas vinda de todos os cantos deste país toma de assalto essa badalada praia, já apelidada de Dubai Brasileira, para transformá-la num campo de batalha, com gente disputando espaço ao sol na praia, mesa num restaurante e enfrentando longas filas nos supermercados.
É muita gente, comprimida numa estreita geografia entre a BR-101 e o Atlântico. Agora, vêm paraguaios, uruguaios, chilenos e alguns teimosos argentinos, que carregam sangue cigano nas veias.
Como o Brasil é grande e Deus é maior, BCamboriú tem agora outra clientela fiel, gente brasileira do Centro-Oeste para fazer a alegria dos donos de bares e restaurantes. E, claro, dos empresários da poderosa construção civil. Atualmente, o grosso dos veranistas vem do Centro-Oeste brasileiro, dessa vasta região de novos ricos produtores de carne e grãos.
Não é preciso consultar indicadores econômicos oficiais para constatar esse fato. Se veículo de luxo ainda é indicador de prosperidade, ao menos de classe média que permite viajar e veranear por alguns dias, basta observar os veículos que transitam em BCamboriú durante o verão e o restante do ano. Com certeza, verá luxuosas SUVs de cidades daquela região transitando pelas engarrafadas avenidas desse badalado balneário catarinense.
Sim, veraneio é tempo de avenidas congestionadas em BCamboriú, de trânsito que não se mexe, exigindo dos motoristas ao volante tempo e paciência. Nas minhas caminhadas pela calçada da Brasil, ultrapasso esses veículos parados, o sol fervendo a lataria que exala ainda mais calor no ambiente escaldante dos dias de verão intenso. É verdade que, bem perto dali, está a praia tomada por uma multidão de veranistas se banhando nas águas do mar ou buscando o refresco da brisa que sopra sobre as ondas do Atlântico.
Hoje, BCamboriú não tem mais porteiras, invadida por veranistas que vêm de perto e de longe, de muitos estados brasileiros, o Centro-Oeste em primeiro lugar e de outros países.
Isso explica a ousadia da construção de prédios de 80 e promessas de outros de 160 andares, coberturas de milhões de reais para os reis da soja e do futebol, para sheiks das Arábias e outros bilionários sem coroas.


A bela exposição do pintor dos cafezais

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 18.05.2022).

“Entre o sonho e o cafezal, entre guerra e paz, entre mártires, ofendidos, músicos, jangadas, pandorgas, nada resiste à mão pintora”.

Os versos da epígrafe acima são parte do belo poema que Carlos Drummond de Andrade escreveu para homenagear o pintor Cândido Portinari, falecido em 1962. Um dos maiores artistas plásticos brasileiros, ao longo de sua carreira, Portinari produziu uma magnífica obra artístico-visual. Suas belíssimas pinturas em telas encontram-se, hoje, penduradas nas paredes de museus e integram as melhores coleções particulares do mundo inteiro.

Muitos também e de grande beleza plástica, foram os seus painéis e murais, grandiosas obras que podem ser vistas nas paredes dos palácios Itamaraty, em Brasília e Capanema, no Rio de Janeiro; da igreja da Pampulha, de Belo Horizonte; da Biblioteca de Washington e de muitos outros prédios abertos à visitação pública.

O imponente mural Guerra e Paz que se encontra na sede da ONU é seguramente uma das obras mais representativas da universalidade da sua obra, não só pela grandiosa dimensão e indiscutível beleza plástica. Mas, principalmente, pelo simbolismo de ser uma obra pertencente ao patrimônio de todos os povos do mundo. Sua obra ganhou o mundo para consagrar Portinari como um artista plástico verdadeiramente universal.

A meu ver, a grandeza da sua obra pictórica decorre do seu compromisso com a temática social. Basta contemplar as pinturas que retratam os trabalhadores dos cafezais, gente humilde se sacrificando de suar a camisa para plantar, colher e carregar sobre a cabeça pesadas sacas de café, ouro negro a fazer a fortuna dos fazendeiros paulistas da época.


Penso que esse conjunto de telas, pintadas num tom marrom-escuro, a cor do café, revela bem a sua preocupação com o social, com o povo sofrido e pode ser considerado como o que há de mais belo na obra portinariana. Para o pintor nascido na pequena Brodosqui, os pintores clássicos só tiveram tintas e pincéis para retratar anjos, santos, igrejas e gente da nobreza.. Porém, mudar era preciso porque “não existe nenhuma grande obra de arte que não tenha ligação com o povo”.

Para quem gosta de arte, vale a pena visitar a exposição “Portinari para Todos”, que está acontecendo em São Paulo. A mostra foge ao tradicional para mergulhar no mundo extraordinário da tecnologia eletrônica, da informática e da comunicação virtual. Ali, belas e monumentais pinturas portinarianas não estão penduradas em paredes. Mas, transformadas em imagens virtuais que se renovam em metamorfose constante, sua monumental obra desfila nas telas de grandiosos painéis ao redor do imenso salão para formar um belíssimo e impactante caleidoscópio de belíssimas figuras e cores.

Portinari disse uma vez que a “pintura que não fala ao coração não é arte”. E eu posso dizer que a beleza de sua majestosa obra pictórica irradia sentimentos que só podem fazer bem ao coração.

Internet, entre o Bem e o Mal
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 04.05.2022).
Penso que o ser humano carrega consigo a sina maniqueísta de estar condenado a conviver entre o bem e o mal. Esse carma escatológico se transmite também às instituições e invenções humanas. Criadas para construir o bem-estar humano, acabam sendo usadas para fazer o mal. Exemplos mil aí estão para comprovar essa assertiva.
Inventado para ser um meio de transporte rápido de pessoas e mercadorias, o avião, essa maravilha moderna de paternidade disputada entre os irmãos Wright e o nosso Santos Dumont – o pai aqui não interessa – logo foi transformado numa das mais cruéis e mortíferas armas de guerra.
Desde o seu primeiro voo, o aeroplano como assim um dia foi chamado, tem transportado cargas e gente sem fim para o bem de toda a humanidade. Mas, quantas vidas pereceram sob o impacto das bombas lançadas dos céus pelas asas da morte e da destruição?
Assim também aconteceu com a internet, essa maravilhosa e milagrosa rede infinita de comunicação virtual. Em poucos anos, operou uma profunda revolução nos meios de comunicação social e da própria vida humana. Seus benefícios ninguém pode negar: informação, pesquisa e conhecimento, conversas sem fronteiras nacionais, imagens e muito mais à disposição de grande parte da população mundial, literalmente na palma das nossas mãos.
No entanto, a internet também trouxe consigo graves problemas, males que precisam ser combatidos. Infelizmente, em muitos casos, tem sido ela usada como uma rede sem limites de fofocas, difamações e calúnias. As redes sociais se transformaram num poderoso meio de comunicação para espalhar falsas notícias. O mais grave é a nossa dependência ao feitiço da tela fantástica de um computador ou do telefone celular, que parece ter nascido em nossas mãos.

Lamentavelmente, a internet tem sido também um instrumento de extorsão criminosa. Com mãos hábeis, inteligência a serviço do mal, esses bandidos-internautas usam o celular para ludibriar a boa-fé e afanar dinheiro de honestos e inexperientes cidadãos.
Esse esperto aparelho atravessa muros, grades e revistas das prisões de segurança máxima para ser operado por mãos delinquentes. Do interior de uma cela-castigo, o celular é transformado numa ferramenta do mal para escorchar dinheiro ganho com trabalho e suor de pessoas pobres.
A última novidade é o golpe cometido por meio do Pix. Criado para facilitar a vida de correntistas, essa operação simples, rápida e gratuita de transferência bancária tem sido usada para golpear pequenas economias de gente simples e de boa-fé.
É triste. Mas, parece que o bem sempre vem acompanhado do mal, sua sombra sinistra e da qual não conseguimos nos livrar.


O STF e Indigesto Indulto
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 27.04.2022).
Na última semana, o STF condenou o deputado Daniel Silveira por ter usado as redes sociais para ofender, difamar e agredir verbalmente os integrantes da corte, além de incitar seus seguidores e as forças armadas a fechar o tribunal. Desde que não seja para injuriar e ofender a honrar, penso que qualquer cidadão brasileiro tem o direito de criticar ministros do STF por seus votos e atos judiciais.
Afinal, alguns deles têm se conduzido de forma pouco recomendável. Em consequência, somente 23% dos brasileiros aprovam o trabalho desenvolvido pelo STF. Essa alta taxa de reprovação, porém, não justifica a forma destemperada, agressiva e injuriosa, recheada de impropérios, palavrões e insultos com que o parlamentar se manifestou por diversas vezes contra o tribunal e seus ministros.
Desde o início, não faltaram críticas severas ao STF pela forma com tratou o caso Daniel Silveira. Semearam mal na seara desse conturbado processo criminal e o resultado acabou gerando mais um atrito político entre os poderes.
Afrontando princípios fundamentais da Constituição Federal, atropelando regras elementares do processo penal acusatório – polícia investiga, MP acusa e juiz julga - o presidente do STF mandou instaurar inquérito policial e indicou o ministro Alexandre Moraes para conduzir a investigação contra o Daniel Silveira.
O ministro-investigante não hesitou em pendurar a toga forense para vestir o jaleco da PF. Metamorfoseou-se num implacável xerife do faroeste americano, determinou uma série de medidas restritivas e, não satisfeito, decretou a prisão do deputado sem autorização da Câmara.
Afrontada a Constituição, atropeladas as regras do devido processo penal, engavetado o princípio da imparcialidade judicial inerente a qualquer magistrado, os ministros deixaram evidente que o acusado não seria poupado da lâmina da espada da justiça, que eles próprios haveriam decretar.
Ficou evidente também a seletividade da ação penal aplicada ao deputado. Existem mais de 500 processos contra parlamentares no STF, todos mais antigos e engavetados, uma vergonhosa estatística que “desprestigia e desmoraliza a Corte”, conforme palavras do ministro Barroso. O fato é que o STF não julga, muito menos condena acusados com foro privilegiado, sinônimo de suprema impunidade.
No entanto, dentre as centenas de processos paralisados, a ação penal contra Daniel Silveira foi pinçada para um julgamento seletivo e condená-lo a pagar o preço da sua suprema insolência.
Com a polêmica condenação, os ministros deram o motivo que o presidente Bolsonaro precisava para reabilitar o amigo-apoiador e estão colhendo o fruto azedp da semeadura: um indigesto decreto de indulto que, na prática, inocentou Daniel Silveira. É como se a condenação não tivesse existido.
Embora alguns juristas pensem o contrário, o STF não tem competência para anular o decreto de graça ou indulto individual, que é um ato privativo do presidente da República. Daniel ficou livre também da pena de suspensão dos seus direitos políticos. Mas, essa é uma questão a ser discutida judicialmente, cuja última palavra ficará com os próprios ministros que o condenaram por meio de discutíveis malabarismos hermenêuticos. Outros, provavelmente, não faltarão.



Depois do que o STF fez com a Lava Jato, quando ministros que deveriam se dar por suspeitos – um, inimigo público nº 1 da Lava Jato e outros dois nomeados pelo principal réu interessado na causa – inverteram princípios hermenêuticos elementares para criar a versão de suspeição do juiz e livrar da cadeia os maiores criminosos da República, não surpreenderá mais qualquer decisão ditada pelos supremos juízes da nação brasileira.



Walter Orthmann: Trabalhar é Viver!
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 20.04.2022).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos prescreve que “todos os seres humanos têm direito ao trabalho, à livre escolha de emprego e à proteção contra o desemprego”. E a nossa Constituição republicana reza que é livre o exercício de qualquer trabalho, hoje reconhecido como um direito fundamental, um valor que dignifica o cidadão.


Sem dúvida, o trabalho deve ser visto uma atividade indispensável para se alcançar o bem-estar coletivo. Por isso, só pode engrandecer e deixar feliz quem exerce uma atividade com liberdade.
Por isso, admiro quem dedica a sua vida a exercer um trabalho livre e com amor ao que faz. A meu ver, essas pessoas merecem o nosso respeito e admiração pela tenacidade com que se dedicam ao trabalho e à missão de contribuir para o progresso e o bem-estar de toda a coletividade. Essas pessoas, penso eu, devem ser reverenciadas e homenageadas.
O trabalhador brusquense Walter Orthmann é uma dessas pessoas que tem dedicado a sua vida ao trabalho dignificante. Ao longo de mais de oito décadas, com competência, pertinácia e humildade galgou cada posto da sua exemplar carreira laboral. Sua obstinação inabalável pelo trabalho mostra que, desde criança, tem levado a sério as palavras de Sêneca: “Trabalha como se vivesses para sempre”.
Parece, também, não ter esquecido o conselho filosófico de Confúcio: “Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha”. Com sua estoica obstinação, tem feito a sua parte e trabalhado para ajudar a construir a prosperidade e o bem-estar da nossa comunidade brusquense.
No mês passado, Walter Orthmann completou 84 anos de trabalho ininterruptos numa mesma empresa, a RenauxView. Antes, ainda criança, já havia trabalhado quatro para pagar os estudos. Essa extraordinária epopeia trabalhista já lhe garantiu a presença frequente nos meios de comunicação, destaque numa Escola de Samba de São Paulo, um lugar no topo do livro dos recordes, o Guinness World Records e a admiração de todos os trabalhadores.
Ontem, mais uma marca alcançada, Walter Orthmann completou 100 anos de idade, batendo ponto na mesma empresa em que trabalha desde os 16 anos. No entanto, merecidamente, foi dispensado para receber as homenagens de autoridades e dirigentes da empresa. E, claro, para o abraço fraternal dos seus colegas.
Numa sociedade cada vez mais automatizada, a sua história de vida dedicada ao trabalho tenaz e perseverante, com certeza, será lembrada como um importante exemplo pelas futuras gerações de Brusque.
Afinal, como disse ele em uma de suas entrevistas, “é o trabalho que nos mantém vivo”. E não afirmou em vão. Agora centenário, continua com a saúde necessária para continuar trabalhando, a cada dia “carregando o seu punhado de areia”.

Raízes, uma bela exposição

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 13.04.2022).

Nos anos de 1970, aconteceu um movimento artístico que marcou a história cultural de nossa cidade. Seus integrantes eram todos jovens em plena adolescência, muitos deles cabeludos e com pinta de hippies, na época vistos como sinônimo de rebeldia e contestação. Com frequência, ocupavam a Praça Barão de Schneéburg para ali realizar suas manifestações a céu aberto de contestação aos padrões culturais e artísticos então vigentes.

Estou me referindo ao grupo Cogumelo Atômico. Não eram muitos os seus integrantes; não mais que uma dezena. Era eu então um jovem promotor público amante das artes e me aproximei do grupo. Guardo ainda na lembrança as imagens daquelas manifestações de arte na principal praça de nossa então pequena e conservadora cidade.


Ao violão, Samuel Cardeal cantava músicas de protesto, de Geraldo Vandré, Chico Buarque e de Vinicius de Moraes. No meio da Praça, uma corda estendida – uma espécie de Varal Cultural – exibindo folhas de papel com poesias e textos sobre música e arte em geral escritos por Luiz Teixeira, Inês Mafra e outros. Penduradas lá estavam também as pinturas de Jorge Grimm, Márcia Cardeal e Aloísio Buss.

O Grupo publicou também, durante alguns anos, o jornal Cogumelo Atômico impresso em mimeógrafo e enviado a simpatizantes do Movimento de todo o Brasil. Nas suas páginas, eram publicados artigos sobre política, cultura e arte. Hoje, sinto-me feliz por ter contribuído para que o jornal fosse publicado a cada mês. O Movimento cumpriu os seus objetivos e chegou ao fim. Mas, seus integrantes continuam atuando na Literatura, na comunicação social, nas artes visuais, no teatro e na música.

Agora, passados mais de 50 anos, Aloísio Buss, um dos integrantes daquele Movimento, está nos brindando com uma exposição de suas belas pinturas. A mostra foi bastante elogiada pelo público que se fez presente à abertura, na manhã do último sábado. O artista denominou a mostra de Raízes e os trabalhos foram realizados por meio da difícil e exaustiva técnica do pontilhismo, que exige tempo, paciência, muita concentração e, claro, talento do artista.


Aloísio Buss se confessa adepto do surrealismo. Diz que a arte deve ser produzida com liberdade e sem compromisso com fronteiras preestabelecidas pelo formalismo limitador da imaginação criativa. Minha arte, diz ele, “não é para ser entendida, mas para ser imaginada”. Desenhadas sobre papel Canson com milhares de pontos a bico de pena, as figuras assumem formas de um surrealismo cheio de leveza e de harmoniosas cores.

A exposição estará aberta ao público até o próximo dia 7 de maio, na Galeria da Livraria Graf. Vale a pena visitá-la, atender ao pedido do artista e dar asas à imaginação.


Outono. Reencontro das folhas amarelas com a Terra-Mãe*

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 23.03.2022).
Já estamos no outono. Pontualmente, a natureza cumpriu o calendário das estações. Desde o último domingo, primeiro dia dessa estação intermediária, já estamos sentindo uma temperatura agradável. Tem chovido nesses dois últimos dias, mas o verão de dias sufocantes parece que não voltará até a próxima estação estival.
Sim, já estamos no outono, essa estação intermediária que vai nos acostumando com dias de frio. Com maior ou menor intensidade, eles virão para provar que a natureza, apesar dos maus-tratos recebidos de imprevidentes e predatórios seres humanos, tem o seu calendário cumprido inexoravelmente a cada ano dessa infinita roda cósmica.



Vivemos num país tropical onde as estações não conseguem marcar com precisão os seus espaços temporais, nos graus centígrados dos termômetros. Assim, não será surpresa se a temperatura outonal do último domingo vier a ser quebrada por tardes ensolaradas de calor.
Ainda vamos continuar sob a influência imprevisível e, muitas vezes, desastrosa desse fenômeno meteorológico com nome de menina e com força gigantesca de causar catástrofes climáticas de graves consequências naturais e humanas. Mas, com certeza, não enfrentaremos mais aqueles dias de termômetros marcando acima dos 30 graus, com sensação térmica batendo nos 40 graus.
Assim, se a natureza não nos aprontar surpresas desagradáveis, deveremos vivenciar noites e manhãs frescas, daquelas que nos convidam a dormir o bom sono dos justos, a sonhar sem pesadelos e a acordar mais dispostos, mesmo que sejamos velhos de se levantar com dores em todas as juntas do corpo já alquebrado.
Se o outono não perder o rumo, podemos esperar dias com temperaturas agradáveis, daquelas que nos motivam a refletir sobre as coisas boas que nos cercam e que devem por nós serem desfrutadas.
Para mim, as manhãs outonais que estão chegando podem nos permitir o luxo ou a ilusão, mesmo que efêmera, de sentir prazer em viver.
Então, que venham os dias outonais para vestir de amarelo as árvores, até que as folhas amarelecidas pelo hálito das madrugadas refrescantes e quase frias despenquem de seus galhos num último balanço, no balé final de suas efêmeras vidas até o reencontro com a Terra-Mãe num ciclo de vida que se repete infinitamente a cada outono.

Guerra contra a Ucrânia e Genocídio
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 09.03.2022).

O genocídio foi definido como crime contra a humanidade pela recém-criada ONU, em 1948, após a catástrofe humana sem tamanho e os horrores causados pela Segunda Guerra Mundial. O grande conflito havia deixado um rastro de destruição sem precedentes na história da humanidade.
Bem vivas ainda estavam as imagens do apocalíptico cenário pós-guerra e do macabro holocausto que aniquilara milhões de judeus e indivíduos considerados inferiores, assim rotulados pela esquizofrenia nazista.
Era preciso punir futuros responsáveis por ações planejadas que visassem aniquilar um grupo nacional, racial, étnico ou religioso por meio de assassinatos em massa. Sonhava-se com uma humanidade sem guerra e com um tribunal penal internacional para punir crimes contra a humanidade e a paz internacional cometidos por governantes genocidas.


De lá pra cá, crimes de genocídio foram praticados por ódio racial e por intolerância política ou religiosa. Um tribunal penal internacional foi criado e está em funcionamento desde 2002. Infelizmente, muitas nações entre as quais os Estados Unidos, a China e Rússia, não reconhecem a sua jurisdição.
Assim, sem poder jurisdicional verdadeiramente universal, a Corte Penal internacional se limitou até agora a processar e condenar apenas quatro genocidas de países africanos, três da República do Congo e um do Mali.
Embora assentado em nobres princípios de uma justiça universal para todos, a verdade é que o Tribunal Penal de Roma, instalado em Haia, tem sido um fracasso, para não dizer inútil. Está impedido de julgar os grandes criminosos contra a humanidade e contra a paz. Lamentavelmente, a Corte mais parece um tribunal de exceção, só competente para julgar genocidas de pobres países africanos.
Prova disso é a atual guerra de agressão, verdadeiro crime contra a paz mundial, praticada pela Rússia contra a Ucrânia. Ao invadir um país vizinho sem qualquer justificativa, a não ser o odioso plano de causar a morte em massa da população civil para aniquilar uma nação soberana, Vladimir Putin está cometendo um abominável genocídio.
Isolado, comprou perigosa briga com quase todas as nações do mundo. Apenas poucos governantes como Maduro da Venezuela, Diaz-Canel de Cuba e o maluco da Coreia do Norte dão-lhe apoio nessa guerra genocida.
Mas, Vladimir Putin, essa encarnação hitleriana do século 21, sabe que o TPI não lhe botará as mãos para julgá-lo. Escudado em seu arsenal militar atômico, ameaçando com uma guerra nuclear e de mãos dadas com os camaradas chineses, o genocida está determinado a ocupar a Ucrânia para transformar o seu povo em súditos da sua ambição imperial.
Vivemos numa aldeia global, num imenso quintal e as consequências da odiosa guerra já se fazem sentir na economia e na política mundiais. Assim, não podemos ficar indiferentes em face do terrível crime contra a humanidade que vem sendo praticado contra a Ucrânia, por um déspota de mãos enxovalhadas com o sangue de um povo inocente.


Campanha da Fraternidade 2022

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 02.03.2022).

Por causa do coronavírus e sua espada de doença e morte, esta quarta-feira de cinzas amanheceu sem os últimos acordes e gritos carnavalescos. De qualquer forma, o tempo de quaresma está começando para nos fazer refletir sobre a Campanha da Fraternidade. Neste ano, a igreja católica escolheu o tema atual e importante, “Fraternidade e Educação”. É uma questão que vem dividindo a sociedade civil.


De um lado, estão os que defendem o modelo tradicional de escola, vista como um espaço de disciplina e de respeito aos valores educacionais já consagrados por práticas pedagógicas capazes de conduzir o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos curriculares com a necessária eficiência. Não rejeitam mudanças nem reformas. Mas, acreditam que elas devem ser implantadas de forma gradativa e oportuna, de forma a garantir que a educação mude, sim, mas para melhor.

Do outro lado da trincheira, soam as vozes da Nova Escola do século 21, pregando a necessidade de um olhar diferente sobre a educação, principalmente sobre a importante relação docente/aluno. Para tanto, é preciso abandonar os antigos conceitos educacionais que orientam a atual prática de ensino-aprendizagem. Nesse novo modelo, o aluno deve ser visto como ator importante de construção coletiva do seu próprio saber. Nada de carteiras enfileiradas, de aulas expositivas, de alunos calados, nada de toques de sineta. Tudo isso simboliza a velha educação autoritária, ineficiente e deformadora do potencial de competências e habilidades.

O problema, no entanto, não é mudar porque a educação de hoje já não é a mesma de 20 ou 50 anos atrás. Afinal, ninguém é contra reformas desde que necessárias, oportunas e contribuam para melhorar o sistema educacional existente. O que não se pode aceitar é que, em nome de uma nova escola do século 21, princípios básicos da educação sejam ideologizados por um olhar reducionista e que, principalmente, na área das ciências sociais, conteúdos curriculares sejam pensados e elaborados de forma sectária, para dar nova leitura dos fatos históricos sem a indispensável isenção científica.

Tenho lido críticas e denúncias sobre conteúdos curriculares que desqualificam antigos personagens da história brasileira, agora, rotulados de representantes da classe dominante, para enaltecer a figura de outros personagens vistos como heróis populares e injustiçados pela história oficial. Modelos econômicos e políticos já praticados com resultados desastrosos têm sido apresentados como solução para os nossos problemas. É preciso, sim, resgatar certos personagens da nossa história, mas sem discriminar ideologicamente outros nomes também importantes.

É evidente que essa prática pedagógica contraria os valores maiores da educação, afastando-a dos seus princípios básicos previstos no artigo 3º, da LDB, que consagra o pluralismo de ideias e a liberdade de aprender e ensinar. Somente respeitando esses princípios, estará a educação brasileira preparando nossa juventude para o exercício da cidadania e do trabalho. E, como prega a Igreja, para uma sociedade mais fraterna!


Nação de Macunaímas

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 16.02.2022).

Os meios de comunicação social têm noticiado sobre a Semana de Arte Moderna, ocorrida no final de janeiro de 1922. Naquele começo de ano, um grupo de artistas se reuniu para discutir e condenar a forma ultrapassada das manifestações artísticas nacionais, atreladas a uma matriz estética europeia, principalmente francesa. O centenário evento cultural marcou a história das artes deste país e lançou as bases do modernismo no Brasil. Seus organizadores, não mais que cinco, um poeta, dois escritores e duas pintoras, queriam produzir arte com maior liberdade, sem as peias de convenções ou dogmas de catecismos e sem receituários de academias.

Assim, a música já não deveria tocar mais no mesmo ritmo nem na mesma escala de sete notas. A prosa literária deveria estar livre para narrativas imaginárias e surrealistas. A poesia se libertaria da métrica e da rima. Defendendo mudanças no rumo das artes brasileiras, lançaram o Manifesto Antropófago, um texto redigido por Oswald de Andrade que exaltava a figura do indígena tupiniquim e condenava a nossa dependência cultural e artística. Rebelando-se “contra todas as catequeses” e de forma surrealista, o manifesto proclamava: “Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa”.

Houve mudanças, isso é inegável. Afinal, o tempo não deixa as coisas se acomodarem para sempre. A literatura, a pintura, a música, o teatro e a dança já não são as mesmas da época da Semana Moderna. Mas, “Revolução Caraíba com certeza também não aconteceu nesse país, onde mudanças são feitas para tudo continuar como antes: a mesma música, a mesma dança, o mesmo discurso e a mesma encenação no conspurcado e nefasto palco do planalto brasiliensis.

Apesar da importância do manifesto, a obra “Macunaíma” de Mário de Andrade é a que melhor representa as ideias do movimento modernista. Mereceu filme, série em TV, sínteses e resumos para a educação oficial e continua sendo discutida nos meios de comunicação e literários. A narrativa mistura o real ao fantástico e descreve o personagem central, Macunaíma, como um anti-herói. Filho de uma índia, nascido na selva amazônica, era “preto retinto e filho do medo da noite”. Cheio de esperteza, ardiloso, dissimulado, preguiçoso e mentiroso viveu para enganar e aplicar golpes contra as pessoas com quem se relacionava.

Se Mário de Andrade vivesse para publicar sua obra nos dias de hoje, com certeza, seria processado pelo crime de racismo por ofensa aos afrodescendentes brasileiros. A Funai, por sua vez, o acusaria de intolerância contra o povo indígena. No entanto, a obra deve ser vista como uma severa crítica ao comportamento ético do povo brasileiro que prefere a Lei de Gerson, aplaude a esperteza e gosta de levar vantagem em tudo, não importando os meios.

Mais do que isso, o romance deve ser entendido, principalmente, como uma certeira e atualizada crítica a muitos dos nossos governantes e seus asseclas. Mentirosos, falsos, corruptos e cheios de esperteza, eleitos ou não, desgraçadamente, esses macunaímas do século 21 chegam ao poder para impedir as reformas necessárias e assaltar os cofres da nação brasileira.

Conversas praianas: bazar praiano

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 02.02.2022).

Na sua origem persa, bazar significava “lugar dos preços”. Comum nas cidades árabes e países mulçumanos, atualmente a palavra é usada como sinônimo de mercado, de centro comercial. Ou seja, um espaço com tendas, quitandas e lojas para a venda dos mais variados produtos. No Brasil, é comum placa de lojas de bijouterias, roupas e souvenirs com o nome de bazar. Assim, fica explicado por que, ao caminhar pela agora alargada praia de Balneário Camboriú, me veio à lembrança o grande Bazar de Istambul que visitei por duas vezes. Caminhando, vi vendedores dos mais diversos produtos.

Para começar, o sempre presente vendedor de picolés e sorvetes. Antigamente, era o onomatopaico tirolite daquele inconfundível apito de fazer água na boca de quem é ou ainda se sente criança. Agora – picolés e sorvetes fabricados por grandes empresas de gelados – o que ouvi soando entre guarda-sóis, na busca frenética por um freguês, foi o fonfom das cornetas iguais àquela buzina que o Chacrinha usava para mandar embora os candidatos reprovados em seu conhecido programa de TV. Para mim, praia sem vendedor de picolé é futebol sem torcida, é carnaval sem bloco na rua. Enfim, não é praia de verdade.

Uns, carregando pesadas caixas térmicas, caminhavam em zigue-zague entre os veranistas. Outros, passavam retos, próximos à àgua para evitar a areia mole, empurrando pesados carrinhos da multinacional dos gelados. A cada instante da minha caminhada, ouvi os apitos e os gritos “olha o picolééé” de atiçar a gula dos pequenos.

Cruzei também com vendedores de cerveja. Não são muitos, embora o consumo seja alto. Pelo que tenho visto, a grande massa de banhistas que frequenta a concorrida praia central de Balneário Camboriú pertence ao time da classe média, gente acostumada a comparar preços e há uma grande diferença entre o custo de uma cerveja na prateleira de um supermercado e aquele praticado sobre a areia da praia. Além disso, grande parte dos banhistas dos últimos verões são novos ricos do agronegócio brasileiro.

Novo rico ou classe média, é gente acostumada a fazer força, disposta a carregar uma pesada caixa térmica numa cansativa caminhada de suar sem camisa sobre ruas e calçadas, até a chegada para demarcar o seu quintal praiano. Tudo para economizar alguns reais. No espaço de intimidade disputada palmo a palmo com outros veranistas, a enlatada loira estupidamente gelada – consumida da manhã à noite para despistar o calor, refrescar a carne e esquentar a cuca – é ostentada nas mãos desses veranistas e sorvida aos goles, em meio a conversas sobre os preços da arroba do boi, da saca de soja e de milho. E, claro, também sobre mulheres e futebol.

Tudo ao som da música sertaneja que soa alto, acima dos 90 decibéis e que chega a afrontar o marujar das ondas. Afinal, a maioria deles vem da região Centro-Oeste, desse eldorado de riqueza plantado bem no coração do território brasileiro, que tem feito a fortuna de muitos fazendeiros do agronegócio e dos seus ídolos musicais. São eles que fizeram a fama e a fortuna milionária de Chitãozinho e Xororó e continuam engordando as contas bancárias de Michel Teló, Luan Santana e de tantos outros.

Para essa nova geração de veranistas, tudo vale a pena para desfrutar um dia inteiro de completa ociosidade.

Onde Anda o Carteiro Amigo?
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 26.01.2022).
Já não esperamos o carteiro como antigamente, quando o sempre bem-vindo funcionário do Correio chegava à nossa porta para nos entregar cartas de familiares, de amigos e, emoção maior da juventude, da amada que estava longe. Agora, quando ele chega, é para nos trazer faturas de contas a pagar, encomendas do Sedex ou folhetos de propaganda de produtos que não queremos comprar.
Neste novo tempo de vida informatizada, comunicação se faz, direta e instantaneamente pelas ondas invisíveis da internet, por meio desse esperto aparelho chamado celular, sempre na palma das nossas mãos. Agora, somos todos internautas, navegantes desse mar infinito, viajantes dessa estrada sem limites, desse caminho sem fim das redes de comunicação social.
Vivemos recebendo e enviando fotos e mensagens mil, mas escrevendo pouco, porque a onda agora, qual tsunami a conduzir nossas ações é repassar, compartilhar, mandar para frente, numa corrente virtual sem fronteiras e sem fim.
E assim, já não lembramos mais da figura simpática e familiar do carteiro da nossa rua, trazendo aquela tão esperada carta. O convívio diário ou semanal fazia do carteiro uma pessoa amiga, de confiança, em muitos casos, uma pessoa da casa, que podia adentrar o lar do destinatário a fim de uma conversa amiga ou para entregar em mãos a correspondência ansiosamente esperada.



Quem assistiu ao filme O Carteiro, sobre o exílio de Pablo Neruda numa pequena cidade italiana, sabe bem do que estou falando. O poeta, então já conhecido mundialmente e mais tarde ganhador do Prêmio Nobel, se tornou um grande amigo do carteiro Mário, que quase todos os dias entregava a intensa correspondência destinada a Neruda.
Sei dos meus limites como cronista e não tenho qualquer pretensão ao Nobel da Literatura. Mas, também tenho minha história de carteiro. Quando estudei na França, minha hoje esposa de 50 anos de vida conjugal, Ana Maria, tinha ficado em Chapecó.
Enamorados, mantivemos uma intensa correspondência enviada e recebida semanalmente. Apaixonado, esperava as cartas da minha amada com a maior ansiedade e com a imensa saudade de quem estava distante, tão longe que mais parecia um exílio.
Sem dúvida, o Correio dos meus tempos de juventude foi o grande mensageiro de palavras e promessas de amor eterno. É verdade que muitas cartas levaram mensagens não cumpridas. Afinal, a paixão é uma fogueira que incendeia rápido jovens corações e, muitas vezes, logo se apaga.
Mas, nem todas as cartas foram mensageiras de palavras em vão e de promessas perdidas. Quantos amores prometidos e declarados não resultaram numa união conjugal duradoura até a morte?
Lembrei-me de escrever esta crônica para mandar o meu afetuoso abraço a esse funcionário que ainda nos traz correspondência. Afinal, ontem foi o Dia do Carteiro.


Conversas Praianas – Aterro e Bandeirolas da Ironia*
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 19.01.2022).
Foi uma extraordinária obra de engenharia, daquelas de fazer as mentes mais exigentes se espantarem e as mais comuns ficarem empolgadas com os milhões de toneladas de areia roubadas do fundo do mar. Num contínuo vaivém de 15 quilômetros pra lá com seu porão vazio e outro tanto pra cá, com seu ventre cheio, a draga Galileu despejou milhões de toneladas de areia roubadas do fundo oceânico para alargar a praia em mais 70 metros.
E, agora, todos estão a aplaudir o aterro da praia central de BCamboriú.
Realmente, foi uma obra admirável feita com prazo certo, com pontualidade de empresa séria vinda de um país, geograficamente pequeno como a Bélgica, mas grande em tecnologia e seriedade no cumprimento de prazos contratuais.
Mas, não se deve esquecer. Sempre que se mexe na natureza, o resultado pode não ser o desejado.
Muitos turistas, aqueles com pouco tempo para ficar, talvez não notem nem queiram enxergar mesmo. Para esses veranistas de curta temporada, praia é tempo de pés n’água, sombra fresca e bebida alcoólica de manhã à noite, é curtição em tempo integral sem hora para terminar porque em breve será a volta ao lar e ao trabalho.
No entanto, quem por ali caminhar beirando a água agora forçada ao recuo, pode ver que o mar não gostou da invasão do seu espaço natural de manobra.
O fato é que a praia não é mais a mesma, calma, tranquila, segura, com suas ondas a se esparramar lentamente a até se perderem sobre a areia.
Antes, placas informavam sobre a poluição ou, de forma menos antiturística, advertiam veranistas sobre pontos impróprios para o banho. Agora, quem pela praia passar com o olhar de frequente caminhante, vai notar um festival assustador de bandeiras vermelhas, mais parecendo uma passeata CUTista ou do MST.
Ali estão para advertir sobre os perigos que agora ameaçam os veranistas. Dizem salva-vidas e surfistas que buracos no fundo do mar, repuxos e correntezas, ameaçam a segurança dos afoitos banhistas. Muitos deles podem até tudo saber da vida, mas não nadar para evitar o abraço fatal do impiedoso Netuno.
Contraditória ironia do turismo praiano, aquelas vermelhas bandeirolas de advertência sobre áreas de exclusão de banho, ali estão fincadas bem em frente a uma multidão de veranistas. Grande parte deles - agricultores do Centro-Oeste - e outros também, com certeza, não comungam das ideias dessas duas agremiações sindicais.
Sempre vendendo otimismo, dizem as autoridades que o tempo se encarregará de colocar as coisas no devido lugar. Mas, quem poderá garantir?


 
Ano Novo 2022. Nova Praia, a Grande Roda e Fogos da Esperança*

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 13.01.2022).
Como sempre, em matéria de estatística, as autoridades de BCamboriú erraram feio ao anunciar dois milhões de veranistas, vindos de longe ou de perto para a espetacular virada 2021/2022. O número de 600 mil veranistas, segundo a PM, ficou longe da exagerada previsão oficial. Mesmo assim, como em outros verões, não se pode negar que muita gente ocupou parte da agora alargada praia central da Dubai brasileira.



O último dia do ano de 2021 amanheceu como a querer estragar a festa. Embrumado e chuvoso, assim permaneceu até as cinco da tarde. Então, o tempo atendeu às profanas preces dos veranistas. Para a alegria dessa gente disposta ao prazer lúdico e à ociosidade sem hora para acabar, o sol amigo brilhou em meio a um céu azulado. E uma procissão, que só terminaria nos últimos minutos do ano, rumou para ocupar parte praia, do Pontal Norte à Barra Sul.

Vista de cima, a praia semelhava a um acampamento de refugiados. Não de gente sofrida fugindo de uma guerra ou de uma calamidade da natureza, mas de milhares de nativos e turistas, essas aves de arribação vindas dos cantos mais distantes deste festivo país. Ali estavam a curtir suas férias e, certamente, a fugir por alguns dias das suas labutas e dos seus problemas cotidianos.

Era uma selva de barracas, ombrelones, cadeiras e de caixas térmicas abarrotadas de cerveja, a bebida preferida porque na praia cachaça não fica bem. Espumante, cada vez mais popular, também não poderia faltar para o brinde ao último suspiro do ano a terminar e aos primeiros momentos da euforia por um novo tempo a ser vivenciado. Afinal, festa de final de ano é alegria pura e muita emoção movidas a bebida alcóolica até o ano seguinte.

Finalmente, o tão esperado momento da virada, esse átimo temporal que marca o final de um ano acabado e que, no mesmo instante, anuncia o começo de um novo tempo a ser vivido. Em coro, milhares de vozes ecoaram pela praia inteira para a contagem regressiva do Novo Ano.

Abraços e votos de paz, felicidade e saúde, ficaram para depois. Os tradicionais votos de um Feliz 2022 ficaram por conta da Grande Roda. Afinal, publicidade é a alma do negócio. Então, os milhares de olhos se voltaram para o show pirotécnico que logo se desenhou, a fogo e a cores, acima das ondas que lentamente deslizavam em direção à areia da praia.
Houve falha na sincronização. No Pontal Norte, o show atrasou mais de 10 minutos. Mas, ninguém notou e todos aplaudiram.

E, nesse momento mágico, as cucas já inebriadas pelo efeito euforizante do álcool se encheram de ilusão e fantasia, diante do pipocar do foguetório que projetou uma multicolorida e luminosa chuva a flutuar por breves instantes na infinita escuridão do grande e infinito ciclorama oceânico que contorna a orla da praia.

Por 20 minutos, a esperança de dias de paz, a utopia de uma vida de felicidade e sonhos infinitos povoaram as milhares de mentes daquela gente, veranistas pé-na-areia. Enquanto isso, do alto das sacadas e janelas envidraçadas, a elite praiana certamente só desejou continuar sua boa vida de conforto e bem-estar social.


Seremos bons irmãos e amigos?

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 22.12.2021).

Por mais de ano e meio, salvo o convívio familiar no interior das quatro paredes de um lar, a epidemia impediu que as pessoas se reunissem para encontros de amigos e de fraternais abraços. Agora, passados os dias de sufoco e medo, milhões de infectados, mais de 640 mil mortos, macabro morticínio a não ser jamais esquecido, já dá para ver o enorme estrago causado pela pandemia nas relações pessoais e sociais. Sequelas nas nossas mentes, certamente ficarão para sempre.

Mas, nem tudo foi ou está perdido. Tempo de esperança e paz, o Natal está chegando. Seja por milagre; seja pelo triunfo da ciência e sua mensageira da saúde, a vacina; seja porque, como diz a filosofia popular, não há mal que sempre dure ou ainda por feliz coincidência, a verdade é que a tempestade covidiana está passando. E já não é sem tempo!

Daqui a três dias, no próximo sábado, mais tranquila e descontraída, a família, grande ou pequena, estará reunida para a festa natalina. Pais e filhos acrescidos de tios, sobrinhos, primos e até da sogra, todos sentarão à mesa garfando o peru, que já não morre mais na véspera, porque hoje ninguém mais tem quintal para criar aves domésticas. Tudo se compra no mercado nosso de cada dia e o peru ou o peitudo chester vêm de longe, de distantes frigoríficos, já temperado, pronto para ir ao forno, porque aliviar a faina estressante da dona de casa é preciso.

Jantar natalino, é claro, não é só peru e outras iguarias. É também encontro para muita conversa e discussão, às vezes acaloradas, de familiares com uma taça ou copo na mão. Como se sabe, só Maomé proibiu o pecado da bebida alcóolica, vista como abominável obra de Satanás. Mais complacente com as fraquezas do ser humano, Cristo até ofereceu vinho aos seus fiéis discípulos, que bem aprenderam a lição para não deixar de espalhar a boa nova pelo mundo a fora.

Com ou sem evangelho ou alcorão, a verdade é que faz milênios que o ser humano não sabe fazer festa sem a eloquência da euforia etílica libertada de uma boa garrafa de vinho, de cerveja ou de cachaça. No Brasil, nesta democracia de contradições mil em que vivemos, cada um bebe o que pode, não o que quer. E assim, todos ou quase todos se abraçarão ou se presentearão de copo na mão.

Sabemos que o Natal deve ser muito mais que só comida, bebida e só presentes materiais. Como disse o admirável mensageiro da paz e do amor fraternal, Papa Francisco, “o presente de Natal é você, quando consegue comportar-se como verdadeiro amigo e irmão de qualquer ser humano”. Não é fácil. Mas, no mínimo, devemos ser mais solidários com o próximo.

Aos meus amigos e leitores, desejo um Natal de braços abertos, mãos estendidas e muita paz.

Câmara de Vereadores de Brusque. Assessoria da Discórdia*

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 15.12.2021).
Pois é. Ninguém questiona a necessidade de um Poder Legislativo, cujos membros devem se conduzir como legítimos representantes do povo. Tanto que o parlamentar - seja municipal, estadual ou federal - faz questão de proclamar alto e bom som que foi eleito para servir aos interesses dos seus eleitores.
Isso significa que todo o parlamentar deveria sempre consultar a vontade dos cidadãos da sua comunidade eleitoral para aprovar resoluções, leis e regulamentos. Assim, deveria ser, mas não tem sido.
Também é público e notório que o cidadão condena veementemente o elevado custo de um parlamentar brasileiro e a exagerada despesa pública para manter o Congresso Nacional, as Assembleias estaduais e as Câmaras municipais. É uma gastança sem limites, sem escrúpulos, que afronta o baixo nível salarial e as condições de pobreza em que vive boa parte dos seus eleitores. Essa orgia de gastos com dinheiro público ofende também o senso mínimo de austeridade, de probidade e de moralidade, valores insculpidos na Constituição Federal.
Os privilégios e mordomias usufruídos por senadores e deputados federal, todos conhecem e condenam. As Assembleias estaduais, proporcionalmente é claro, seguem a mesma cartilha de gastos desmesurados, que cheiram à improbidade. Quanto aos vereadores, muitas delas gastam demasiado, sem escrúpulo e sem consideração com o bolso do seu eleitor-contribuinte,.
A Câmara Municipal de São Paulo é um exemplo explicito de descaso e de afronta aos princípios da moralidade e da probidade, no manejo do dinheiro público arrecadado do bolso dos cidadãos. Sem qualquer preocupação com a falta de recursos suficientes para a educação, a saúde e as obras de infraestrutura, cada vereador paulistano custa ao povo da sua cidade aproximadamente 190 mil reais mensais. São os subsídios, auxílios de encargo de gabinete e verba para pagar 17 assessores. Sem dúvida, é de causar profundo sentimento de repugnância.
Num cenário de orgia financeira como ocorre nos legislativos brasileiros, é preciso reconhecer que os vereadores de Brusque vinham se conduzindo bem em matéria de gastos. Pousavam bem na foto da moralidade e da probidade, ao lado de algumas câmaras municipais do país.


No entanto, depois da Resolução 11/2021, aprovada na semana passada, na calada da noite, a toque de caixa e sem consulta ao eleitor, penso que não se pode mais dizer que os nossos vereadores - salvo dois deles - estão preocupados com a austeridade e probidadade no gasto de recursos públicos.
A infeliz Resolução cria 17 cargos de assessor de livre nomeação, um para cada vereador. Quanto ao salário, resolveram esperar a reação da opinião pública, mas decidiram será de 4.500 reais.
Diante da reação negativa da opinião pública e das severas críticas dos representantes de entidades da sociedade civil, dizem os vereadores que precisam de assessoria para melhor cumprir o seu mandato. Mas, não foi isso que prometeram na campanha eleitoral, quando pediram voto aos seus eleitores.
Dizem que vão nomear assessores qualificados. Mas, a história dos assessores parlamentares tem sido uma história de nepotismo, compadresco, improbidade e de recahadinhas, com parentes e cabos eleitorais nomeados apenas para trabalhar pela reeleição do seu mecenas do dinheiro público.
Dizem, também, que precisam de um assessor para melhor atender ao eleitor. Mas, o cidadão-eleitor não vai ver nenhum assessor trabalhando na Câmara, porque estará ele assinando ponto nos bares, bodegas, canchas de bocha e outros locais da ociosidade, levando no bolso dinheiro do povo brusquense.
Dizem, ainda, que a Resolução é legal. Mas, a lei não manda em absoluto gastar dinheiro público com a criação de cargos de assessoria. Ao contrário, a lei manda o vereador se conduzir com respeito à moralidade e probidade, em relação ao dinheiro público.
O mal está feito. Dificilmente, os vereadores revogarão a infeliz Resolução. Seria preciso um ato de grandeza que, deles, não se pode esperar, embora todos viessem a aplaudir.
No entanto, a esperança sempre é a última que morre. Se entender que a Resolução fere os princípios da moralidade e probidade, o Ministério Público, quem sabe, poderá ingressar com ação civil.
Ao cidadão, resta o caminho da judicialização, com a proposição de uma ação popular, remédio jurídico à sua disposição para pleitear a anulação desse grave ato lesivo ao patrimônio municipal.
João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras. Promotor de Justiça aposentado

Moderna família, suprema justiça distante do cidadão

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 08.12.2021).

Inspiração nem sempre me aparece e assunto para escrever minhas crônicas não se compra em supermercado. Assim, às vezes consulto a folhinha calendário do Sagrado Coração de Jesus, presente de todos os anos de uma amiga da família. Editada pela Vozes há mais de 80 anos, tem resistido às mudanças trazidas por este novo tempo da comunicação virtual marcado pelo ritmo da internet sem lugar para os tradicionais calendários impressos, que as casas comerciais doavam aos seus fiéis fregueses.

Ali podemos encontrar informações úteis sobre Filosofia, Ética, história, jardinagem, preservação ambiental e, é claro, sobre religião. Ficamos sabendo, também, das datas comemorativas. Verifiquei que hoje se comemora o Dia Nacional da Família. Confesso que desconhecia a existência dessa data. Afinal, estão sempre inventando novas datas. Tantas, que todo o santo dia temos alguma para comemorar.

Para a família, temos até um decreto federal instituindo essa data, desde 1963. Reiterando o que nos ensina Sociologia, a História e a própria religião judaico-cristã, diz o decreto que, desde os primórdios da civilização e independentemente de ideologia, sistema político ou credo religioso, a família tem sido a célula-base da sociedade humana. Mesmo com as transformações sofridas ao longo dessa milenar caminhada de pais e filhos, num processo infinito de contínua procriação para preservar a espécie humana, é certo que a família continua sendo o pilar da vida social.

Mas, a família atual já não é mais a mesma da geração dos nossos pais, muito menos, dos nossos avós. Hoje, prevalece um conceito pluralista de família, baseado na relação de afetividade entre as pessoas. Vai da tradicional família a que estamos acostumados, principalmente os mais velhos como eu, ao novo modelo pluralista de família. Esta é agora vista como o conjunto de pessoas com grau de parentesco ou laços afetivos em comum, que vivem na mesma casa para formar um lar. É aí que se encaixam os novos modelos de família inconcebíveis até pouco tempo.

Advogados, magistrados, promotores e outros profissionais da área jurídica, também comemoram hoje o seu dia. Como não faltam leis neste país, o Dia da Justiça também tem a sua Lei. O dia já era comemorado desde 1940, em homenagem à Nossa Senhora da Conceição, padroeira da justiça. No entanto, oficialmente a data foi instituída pela Lei 1.408, em 1951.

A morosidade continua sendo o grande problema da justiça. Sua imagem tem se desgastado ainda mais perante a opinião popular, em consequência da vergonhosa omissão ou má vontade mesmo do STF julgar os grandes acusados deste país, aqueles com foro privilegiado. O cidadão também não pode apoiar nem estar satisfeito com uma suprema corte que destruiu o admirável trabalho realizado pela Lava Jato e que não admite a execução da pena contra acusado condenado em segundo grau de jurisdição. Decisões e entendimentos como estes afrontam o sentimento de justiça do cidadão brasileiro.



Conversas Praianas: a vida é uma beleza

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 1º.12.2021).

Nestes últimos dias de primavera, pandemia dando trégua para os brasileiros festejarem Natal e final de ano, tarde encalorada parecendo verão brabo, a piscina do condomínio Alvorada do Atlântico está movimentada. Numa mesa, as veranistas de Chapecó estão numa conversa animada. Mesmo com o calor forte, a cuia de chimarrão não pode faltar. Afinal, para essa gente oriunda das terras gaúchas, roda de conversa sem chimarrão é procissão sem santo no andor, é churrasco sem sal, Grenal sem gol e sem briga.

Maria Aparecida é nova na turma. De pais ricos, casada com um médico dono de uma grande clínica na Capital do Oeste, nunca precisou trabalhar. Gosta de festa, de roupas de butique, de jantar em bons restaurantes e de viajar para o exterior, prazer agora proibido pela maldita covid. Para ela, ao menos é o que tem dito com frequência, a vida é uma beleza, um passeio em meio a uma paisagem sempre colorida.

Algumas amigas já a conheciam em Chapecó, mas, todas estão curiosas sobre o modo de vida da nova companheira de veraneio e chimarrão. Afinal, no grupo não se pede passaporte. Mas, sempre é bom saber quem está na roda chupando a ponteira da bomba para sorver a erva amarga. Então, disse ela:

— Não sei se vocês acordam cedo. Eu só me levanto depois do meio-dia. E sempre de mau humor, de cara amarrada, irritada comigo mesma. Já quando solteira, minha mãe sempre reclamava. Mas, meu pai falava para deixar os filhos dormir o quanto quisessem. Dizia que bastava ele acordar cedo todos os dias. Quando casei, meu marido sabia disso e nunca se importou com minha preguiça, o meu “dolce far niente”. Para ele, médico tem que fazer um bom patrimônio enquanto é jovem e pode trabalhar duro.

— Quando novo, saía cedo para a clínica, a primeira especializada da cidade. A gente só se via ao meio-dia. Quando ele voltava para o almoço, eu estava na minha primeira refeição do dia. Nossos fusos horários nunca coincidiram. Nem agora, quando os dois filhos estão administrando a clínica. Meu marido vai lá todas as tardes. De manhã, não perdeu a mania de acordar cedo. Levanta, toma o seu café, assiste à TV, vai ao mercado e, passa o resto do tempo em frente ao computador.

— Sempre tivemos duas empregadas domésticas e elas faziam tudo. Eu só começava a tomar conhecimento do que se passava na casa, depois do meio-dia, quando os filhos pequenos estavam voltando da escola. Então, eles almoçavam com o pai e eu tomava o meu café. Nunca fiz questão de almoçar. De tarde, faço um lanche.

— Olha, para mim, a principal refeição é a da noite. Sempre que meu marido pode me acompanhar, saímos para jantar fora. Mas, com marido ou sem marido, adoro restaurante. Não dispenso uma boa janta até tarde da noite. Oh! E já fiquem sabendo, prá não perder o costume, vou jantar esta noite na Casa da Garoupa. Não é pelo peixe, que não gosto muito. Mas, pela conversa, até que o garçom comece a virar as cadeiras sobre as mesas.

ABL, a hora e vez da música popular e da TV

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 17.11.2021).
Fundada em 1897, instalada em sua imponente sede no centro do Rio de Janeiro, um palacete construído à semelhança do Petit Trianon, de Versalhes e denominada Casa Machado de Assis, seu imortal fundador, a Academia Brasileira de Letras já conheceu o seu tempo de glória, quando os seus acadêmicos eram figuras reconhecidas e reverenciadas nos meios literários, consagrados escritores deste país. Assim foram os acadêmicos Machado de Assis, Olavo Bilac, Clóvis Beviláqua, Drummond, Guimarães Rosa, Jorge Amado tantos outros.

É verdade que, em algumas ocasiões, a ABL elegeu políticos como Getúlio Vargas e José Sarney, um general e um cirurgião plástico para compor o seu quadro de acadêmicos, escolhas que até hoje são questionadas como um equívoco, um desvio de finalidade a ser evitado. Infelizmente, isso se repetiu com a recentes escolhas da atriz Fernanda Montenegro e do cantor Gilberto Gil. Foram duas eleições para inglês ver, com candidatos únicos e resultados anunciados antes mesmo das inscrições.


Os dois escolhidos integram o seletivo rol dos notáveis dos meios de comunicação tradicionais, na área da música popular e do teatro, especialmente, da TV global. Com frequência, suas figuras de artistas populares podem ser vistas nas páginas dos jornais, revistas e nas telas da mídia televisa. Assim, ainda sem envergar o vistoso e dispendioso fardão dourado, bordado a fios ouro vindos da França, os dois saíram muito bem na foto da imprensa tradicional, que dispensou os maiores elogios e aplausos para a eleição da dupla, enaltecida como uma demonstração do espírito democrático, feminista e antirracista da Academia.

Na verdade, a eleição de Fernanda Montenegro e Gil deve ser vista como mais um lamentável desvio de finalidade praticado pelos atuais imortais das letras brasileiras. Ignoraram os melhores escritores deste país, os que fazem da escrita em prosa e verso o seu ofício principal. São eles os autênticos escritores deste país em que, se escrevendo e publicando infelizmente pouco se colhe. Mesmo assim, seguem como uma inexplicável predestinação a sua fantástica sina de romancista, contista, cronista ou de poeta, atravessando as madrugadas silenciosas povoadas de misteriosos fantasmas da inspiração.

Fernanda Montenegro, sem dúvida, é uma grande atriz que deveria integrar uma academia de artes cênicas e não de letras. Gilberto Gil representa “um Brasil profundo e cosmopolita”, disse o acadêmico Luchesi. Mas, se era para escolher um músico, há seguramente dezenas de bons compositores e cantores como Alceu Valença, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Roberto Carlos, Fagner, Xitãozinho e Xororó, com melhor credencial para representar a nossa música popular.

É lamentável. Em vez de prestigiar a Literatura, na hora de escolher um novo acadêmico, os imortais da Casa Machado de Assis preferiram promover o teatro, a TV e a música. Certamente, a sessão de posse se transformará numa tragicomédia representada ao som da boa música tropicalista.


Covid19, a vitória da ciência e da vacina*
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 10.11.2021).
Quando pensávamos que as calamidades epidêmicas eram coisas do passado de mais de 100 anos, coisas comuns do tempo medieval, eis que o misterioso coronavírus viajou da longínqua China em pulmões infectados de turistas e gente de negócios para espalhar medo, doença e morte em todo o mundo.
E ninguém vai esquecer de 2020, o ano dessa tragédia sanitária que se abateu sobre uma humanidade que não conforma mais com a morte por atacado.
Imaginando que as epidemias semeadoras de doença para colher mortes de encher cemitérios fosse coisa do passado, época em que as pessoas suportavam a desgraça como uma espécie de provação vinda dos demônios e anjos do mal, a humanidade deste começo de século 21 entrou em pânico diante desse impiedoso cavaleiro do mal, o coronavírus.
No Brasil, a primeira morte ocorreu em São Paulo, em março do ano passado. Logo, a epidemia se alastrou para tomar conta do país. Desde então, mesmo com afastamento social, mesmo com tanta gente mascarada caminhando como se a fugir do diabo estivesse; mesmo que os abraços, os beijos e os apertos de mãos tenham dado lugar a patéticos socos em cenas de afetivo pugilato, mesmo assim o terrível vírus tem sido cruel com a nossa gente.
Passamos 2020, uns rezando, outros tomando ivermectina e cloroquina, muitos outros que não acreditam em reza nem mandinga, torcendo para não passar pela provação da enfermidade que asfixia e mata. Ignorando a boa medicina, o tratamento precoce, rezas de homens de fé e sem vacina para combatê-la, a Covid visitou os recantos mais isolados deste assustado país para levar doença e morte.
Chegamos a 2021. O número de infectados pelo vírus continuou crescendo para atingir a espantosa marca de mais de 600 mil mortes, num assombroso morticínio que levou dor e tristeza a milhares de lares brasileiros. Certamente, 2021 será lembrado como o ano das noites mal-assombradas e dos pesadelos povoados por virulentos fantasmas da patologia covidiana.
Foi um ano sem samba e sem carnaval, sem blocos e sem foliões nas ruas e passarelas, os salões fechados pelo medo do misterioso vírus. Um ano sem torcida nos estádios silenciosos, sem festa nas igrejas, nas escolas, nas ruas e praças de um país entristecido e enclausurado.
Com tristeza, passamos o outono e o inverno a ver as folhas caídas a rolar sobre o chão da Terra-Mãe e, a cada dia, a contar os números da tragédia pandêmica.
Mas, a esperança é a última que morre e não há mal que sempre dure. Afinal, a humanidade precisa continuar a sua infinita caminhada. E chegamos à primavera, que dizem ser a estação em que a natureza se renova e tudo volta aflorir e a reviver.
Coincidência ou mistério da natureza, a verdade é que a ciência derrotou o negacionismo obscurantista. Graças à vacina, o Brasil está vencendo a dolorosa batalha contra a Convid-19 e tudo indica que o coronavírus está sumindo dos ares desta nação adoecida para nos deixar em paz.


Academia Catarinense de Letras no mundo da comunicação virtual

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 27.10.2021).

Algumas datas comemorativas podem até ser vazias de qualquer valor ou significado histórico. Mas, a grande maioria delas guarda consigo o registro de um momento histórico importante, pleno de simbolismo a ser lembrado por um grupo humano, uma comunidade, um povo ou uma nação. Pois, assim tem sido para os acadêmicos em relação à data de fundação de sua Entidade, a Academia Catarinense de Letras.

No momento em que a pandemia nos obrigava ao isolamento social e a nos afastar de estranhos, dos amigos e até dos parentes, a nossa Academia completava 100 anos de existência, fundada que foi no dia 30 de outubro de 2020. O fato é que tão importante data parece ter sacudido, da melhor forma possível, a vida dessa Instituição literária.

A começar pelas suas reuniões mensais que, em respeito às determinações da saúde pública, passaram a ser realizadas por meio eletrônico. Essa importante inovação tem permitido que os acadêmicos residindo fora da capital, participem dessas reuniões sem sair de suas residências. Além disso, uma série de eventos culturais e literários, lançamentos de livro, painéis e palestras, concursos e premiações de obras no campo da Literatura, vêm sendo realizados também por meio eletrônico.


Desde sua fundação, sempre que uma de suas 40 Cadeiras fica vaga, edital é publicado nos meios de comunicação social. Então, escritores nascidos em nosso Estado ou aqui radicados há mais de 20 anos, com produção literária de reconhecido mérito, candidatam-se à eleição para escolha de um novo acadêmico. Durante 100 anos, essa escolha foi feita em Assembleia por meio do voto secreto e impresso. A apuração dos votos deveria cumprir um ritual de atos e regras – voto pelo correio ou presencial, contagem manual e incineração imediata das cédulas num prédio antigo e sujeito a incêndio – pouco simpáticas às ideias da Literatura pós-moderna e sem amarras deste século 21

Na semana passada, a Assembleia Geral que elegeu 5 novos acadêmicos escreveu uma nova e importante página na vida da centenária instituição literária. Refletindo esse novo tempo de comunicação virtual, a eleição foi integralmente realizada por meio eletrônico. Assim, com a valiosa ajuda do sistema eleitoral da OAB/SC, parte dos acadêmicos votaram na sede da Academia. Outros, no entanto, por residirem fora da capital puderam votar em suas casas, no seu computador ou até mesmo onde estivessem, desde que com o celular na palma da mão. Votos da Espanha, do Rio, de Brasília, de Brusque e de outras cidades foram proferidos e computados durante a histórica Assembleia.

Como se vê, ao completar 100 anos de existência, a ACLetras se renova e intensifica suas ações em prol da cultura literária catarinense. Penso que a sua condição de secular Instituição tem motivado os atuais acadêmicos, especialmente, o seu presidente Moacir Pereira e demais dirigentes a se empenhar com afinco para honrar e engrandecer o ideal que animou José Arthur Boiteux e os demais fundadores da nossa Academia.

Ao pai e mestre, com muito carinho, feliz aniversário!

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 11.08.2021).

Por Cristina Maria Leal, Rodrigo José Leal e Paula Maria Leal

Em 9 de janeiro desse ano, nossos pais comemoraram 50 anos de casamento. Para celebrar esse marcante momento, nossa família participou de uma missa na igreja São Sebastião, em Balneário Camboriú. Nessas ocasiões, é costume o padre socializar, ao microfone,  o nome completo dos cônjuges que celebram  bodas de ouro.  

Terminada a missa, todos os desconhecidos fiéis foram embora, exceto um casal e seus dois filhos que, pacientemente,  aguardaram nossos momentos privados de fotografias e de agradecimentos ao padre. Saindo da igreja, o desconhecido casal se aproximou e, o homem, educadamente, perguntou: 

“Com licença, o senhor é o professor Leal, de Brusque?” 

Surpreso, nosso pai respondeu: “Sim, sou eu”. 

Continuou  o homem: “Graças ao senhor, me tornei juiz de direito no Paraná, e quero lhe agradecer muito por isso”.  

À época seminarista em Brusque, o ex-aluno seguiu falando que as aulas do professor Leal, durante o curso de Filosofia, despertaram seu interesse pelo universo do Direito. Pouco a pouco, segundo o jovem seminarista, as aulas sobre justiça tomaram o espaço dos mistérios da fé.   

Foi então que o ex-aluno contou-nos que se viu no dilema: permanecer com os estudos sacerdotais ou caminhar às obras de justiça dos homens? O ex-aluno resolveu recorrer ao mestre. 

Foi aí que nosso pai, de modo acolhedor e cativante recebeu, fora do horário de aula, o jovem seminarista, em seu gabinete, na promotoria de justiça, em Brusque. Mostrou-lhe livros, esclareceu-lhe o papel de um juiz, de um promotor, de um advogado. Esse particular momento, segundo nos disse, foi inspirador ao novel seminarista. Os demais detalhes, de uma manhã de conversa ocorrida há mais de trinta e cinco anos, permaneceram nas memórias. Seus éticos e desafiadores efeitos, contudo, permaneceram para toda uma vida. E assim foi. A Igreja deu adeus a um futuro e dedicado sacerdote. A sociedade ganhou um comprometido e preparado mediador de conflitos terrenos. 

Esse casual e inesperado reencontro, entre o estimado professor e o seu respeitoso aluno, serviu como um símbolo, a nós, filhos. Ele nos apresentou, com contornos ainda mais nítidos, um dos legados que nosso pai sempre alimentou em nós, o de que o conhecimento transforma a vida das pessoas. 

Ele próprio (nosso pai), foi um tijucano que sempre lembrou de suas origens humildes e encontrou no conhecimento, um caminho para uma vida de realizações próprias e em prol de seus semelhantes, sem esquecer dos mais vulneráveis. Ajudou a guiar o caminho de muita gente, a exemplo desse desconhecido seminarista, que mais tarde, tornou-se juiz de direito e exemplar cidadão. Quis a sorte que, mais de 35 anos depois, esse bondoso gesto de nosso pai fosse generosamente revelado em uma das muitas “esquinas” de sua vida pontilhada de virtudes. 

Para finalizar, nós, filhos, gostaríamos de dizer, que a sua trajetória de vida é nosso principal exemplo. Sua bonita história trouxe-nos valores e ensinamentos. Sua dedicação e seu incansável estímulo à educação, à justiça, à cultura, aos mais humildes e ao meio ambiente, despertaram em nós, uma sensibilidade maior com esses valores que se constituem de grande importância para a nossa formação. Por isso, sentimo-nos felizes  em dedicar esse texto, ao nosso amado e querido Pai, pela passagem, no próximo dia 14, de seus bem vividos oitenta anos de vida! 


Brusque 161 Anos. A Luta pelo Primeiro Médico
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 04.08.2021).
Nesta quarta-feira, a nossa Brusque está completando 161 anos de fundação. Como no ano passado, estamos vivendo sob o flagelo da pandemia causada pelo Covid-19. Já ocorreram mais de 550 mil mortes em nosso país, e isso, realmente, é muito grave.

O que nos dá esperança é que a campanha de vacinação avançou bastante, mais de 100 milhões de vacinados com a primeira dose e tudo indica que vamos vencer a epidemia.

No entanto, o perigo de contágio, doença e morte ainda ronda as nossas cabeças e assusta os nossos pensamentos. E, pelo segundo ano consecutivo, a comemoração dessa importante data da nossa história ficou restrita a poucos atos e solenidades. Sem reuniões festivas nem aglomerações.

Hoje, temos hospitais com UTIs, médicos, enfermeiros e medicamentos. Temos até vacina para enfrentar o flagelo trazido pelo coronavírus e ainda vivemos com medo da doença e da morte. Mas, não era assim, obviamente, nos primeiros anos da nossa história.


Porisso, no dia em que Brusque completa 161 anos, vale lembrar que quando os fundadores aqui chegaram tiveram de enfrentar a malária e outras doenças endêmicas da época sem qualquer tipo de assistência médica.

O próprio Barão de Schneéburg conta, em documento por ele assinado, que um surto de “diarreia de sangue”, provavelmente, uma espécie de virose que ele atribuiu “à humidade contínua da atmosfera”. Essas doenças eram frequentes e atormentavam a vida dos colonos que, poucos meses antes ainda viviam nas frias terras germânicas, sem a ameaça de doença tropical. Porisso, desde o começo, o Diretor havia solicitado ao governo provincial a contratação de um médico para prestar a necessária assistência aos colonos.

No Brasil pobre, atrasado e sem médicos daquela época, não era fácil atender ao pedido do Barão. Mas, este se manteve firme na sua obstinada cruzada para que os seus colonos tivessem a assistência de um profissional da saúde. Em fevereiro de 1863, aproveitou um grave acidente aqui ocorrido para insistir na sua “súpplica”.

Brusque ainda sem padre residente, havia recebido a visita do pároco de Gaspar para batizados, casamentos e outros atos religiosos. Fogos de artifício, não havia na Colônia para se comprar. Porisso, mesmo sem foguetes ou rojões, os colonos fizeram questão de saudar a chegada do religioso.

E o fizeram com uma salva de tiros de espingarda. Para o colono José Scharf, foi uma dolorosa tragédia. O cano da sua espingarda explodiu e dilacerou sua mão esquerda.

O Barão receava que o infeliz colono contraísse tétano, perdesse a mão ou até a vida. Sempre dedicado e disposto a prestar a melhor assistência aos colonos, ordenou que o acidentado fosse levado a Itajaí e de lá para um hospital no Desterro ou para Blumenau.

Não se sabe se o colono José Scharf perdeu a sua mão, tão necessária ao trabalho na agricultura. O que se sabe é que, em ofício enviado ao presidente da província arquivado na Casa de Brusque, o Diretor aproveitou o acidente para reiterar “a sua supplica” de contratação de um médico, a fim de “sanar o flagello” vivido na Colônia com a falta de um profissional formado.

Coisa rara naquela época, a Colônia ainda esperou até 1864 para ter o seu primeiro médico aqui residente.

Salve, Agricultor das Mãos Calejadas
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 28.07.2021).
Não são todos porque muitos trabalham desde cedo e não têm tempo. Outros, no entanto, acordam cedo ou tarde, a hora que quiserem ou a preguiça deixar, para sentar à mesa e traçar a sua primeira refeição do dia. Faço parte desse segundo time de privilegiados que começam o dia comendo, porque alimentar o corpo é preciso e não é pecado.

E se, a cada manhã, temos à mesa café e leite, pão, manteiga e geleia, também frutas e cereais porque a dietética moderna assim recomenda; se temos carne, arroz, feijão e legumes no almoço e jantar, para alimentar o corpo, saciar a fome e a gula, este pecado original que o ser humano carrega consigo porque a perfeição moral é uma virtude que só os santos conseguem praticá-la, devemos lembrar e agradecer a essa figura que trabalha sem hora para terminar chamada agricultor.

Hoje, a agricultura se faz de forma mecanizada, a máquina substituindo as mãos e os braços humanos. É claro que o agricultor dos tempos atuais, produtor de milhares de toneladas de grãos que levam o nome inglês de commodities e que está mais para empresário da terra, também merece ser lembrado. Afinal, sem a produção de alimentos em larga escala a fome seria maior, nesse mundo de tanta injustiça social e de muita gente ainda sem ter o que comer.

No entanto, quero reverenciar, principalmente, a figura do agricultor tradicional, aquele que põe a mão na pá, na enxada e na foice para plantar e colher os grãos, as verduras e os frutos que nos alimentam durante todas as nossas vidas. Esse agricultor que põe as mãos nas tetas da vaca para que esse precioso maná que é o leite possa chegar à nossa mesa in natura ou na forma de queijos, iogurtes, natas e manteigas.

Penso que todos nós muito devemos a esse agricultor. Foi ele que, desde os tempos imemoriais, quando nossos ancestrais viviam em caverna e dependiam dos frutos que a natureza lhes oferecia, lançou a primeira semente à terra para lhes garantir a colheita do alimento produzido por mãos humanas.

Não foi só a garantia da colheita abundante ou muitas vezes destruída pelas intempéries. Aquelas primeiras semeaduras feitas por braços fortes e mãos calejadas iriam garantir a sobrevivência da própria espécie humana.

Durante a sua milenar caminhada cósmica por esse planeta Terra fustigado por graves adversidades naturais, profundas mudanças climáticas, o ser humano só conseguiu a sua sobrevivência graças ao fruto do trabalho, sempre cheio de sacrifício, do homem-gricultor.

A ele, que hoje comemora o seu Dia e ao meu avô materno que também foi agricultor de braços sacrificados e mãos calejadas, dedico esta crônica.



Jair Bolsonaro e a Síndrome do Mau Perdedor
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 14.07.2021).
Candidato duas vezes a presidente da República, Leonel Brizola culpou a Globo e o sistema eleitoral por suas derrotas nas urnas. Mas, quando eleito deputado federal e duas vezes governador do Rio de Janeiro não reclamou da Globo nem falou de fraude eleitoral.

Também derrotado nas duas primeiras campanhas presidenciais, Lula da Silva questionou o resultado das urnas, levantou suspeita sobre a validade do voto eletrônico e denunciou a Globo de fazer campanha contra o PT. Surpreso, lembro bem daquela imagem televisiva. Na noite seguinte à sua vitória, vi o então presidente eleito no meio do William Bonner e da Fátima Bernardes a prometer o paraíso para os brasileiros.

Chamo a isso de síndrome do mau perdedor, que não é defeito somente de alguns políticos brasileiros. Recentemente, no seu último delírio de insensatez autoritária, Donald Trump, talvez o pior presidente norteamericano, se recusou a aceitar a vitória do adversário, sob a falsa alegação de fraude eleitoral. Quatro anos antes, mesmo sem ter recebido a maioria dos votos populares, tinha assumido a presidência sem falar fraude.
Há três anos, turbinado pelo desejo de mudanças e pelo sentimento anti-petista da maioria dos eleitores, Jair Bolsonaro acabou vencendo a disputa presidencial. Então, considerou perfeitamente legítima a sua eleição pelo voto eletrônico.

Até o ano passado, as pesquisas indicavam forte aprovação ao seu governo, inclusive, à sua reeleição para mais um mandato presidencial. No entanto, devido ao seu comportamento e ao seu despreparo para governar, o cenário mudou.

A última pesquisa eleitoral realizada pelo DataFolha aponta que a maioria dos brasileiros (66%) considera o presidente despreparado para exercer o cargo e desaprova o seu governo. Os números apontam, ainda, que Jair Bolsonaro (36%) será derrotado por Lula da Silva (56%) na próxima eleição presidencial, inclusive por outros candidatos no páreo.
Picado pela mosca da reeleição e por sua permanência na cadeira presidencial, em vez de abrir espaço para um terceiro nome que possa evitar a volta de Lula da Silva, Jair Bolsonaro está revelando, agora, a sua face escancaradamente autoritária.

Rejeita o resultado das pesquisas com declarações grosseiras e impublicáveis. Ataca o sistema eleitoral, o mesmo que lhe garantiu a vitória em 2018. Quer acabar com o voto eletrônico que considera fraudulento e que, a seu ver, permite a manipulação do resultado das eleições.

O presidente Bolsonaro sabe que perdeu a maioria do apoio popular e que dificilmente será reeleito. Porisso, padecendo da síndrome do péssimo perdedor, insiste em afirmar que a próxima eleição presidencial será uma fraude. Assim como vociferava o seu então “coach” político, o derrotado Donald Trump, diz que se o voto eletrônico for mantido, não vai aceitar o resultado das urnas.

Não creio que as forças armadas colocarão a mão no fogo por um ex-capitão que saiu do exército pela porta dos fundos.


Orgulho Gay
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 30.06.2021).
Os dicionários ensinam que a palavra orgulho é um substantivo masculino que significa altivez, brio ou dignidade. Mas, como muitas outras palavras, significa também vaidade, arrogância e presunção para designar um indivíduo que tem excesso de admiração em relação a si próprio. Este último sentido tem sido mais usado, penso eu, na linguagem coloquial das nossas relações sociais.


Escrevo esta crônica para comentar dois episódios ocorridos na última segunda-feira, dia 28 de junho da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2021. Com a liberdade que lhes assegura a sociedade democrática e que devemos respeitar, lésbicas, gays, bi e trans e bissexuais, queens e assexuados, mais outras variantes - o movimento é eclético e a sigla não para de crescer - comemoraram o dia do Orgulho LGBTQIA+.

À noite, estarrecido, vi na tela da TV o prédio da Câmara dos Deputados todo iluminado e colorido. Não eram as cores da bandeira brasileira nem o verde das nossas florestas nem o azul dos céus de Brasília e deste país tropical. O que vi com os meus próprios olhos, foi a imagem do edifício do parlamento brasileiro – a bela obra arquitetônica de Oscar Niemeyer – travestido com as cores do arco-íris.

Certamente, os nossos congressistas quiseram mostrar para todos os brasileiros-eleitores que apoiam, têm orgulho de ser LGBT+ e que, em matéria de identidade gênero, todos militam no partido da neutralidade. Esquecem que essa opção preferencial, explicitamente manifestada em cores e palavras, ressoa como discriminatória. E, até certo ponto, preconceituosa em relação aos outros que ainda devem ser maioria nesta terra onde cantam sabiás e outras aves abençoadas e que não ousam proclamar o orgulho de serem heteros.
Afinal, todos temos direitos iguais, independentemente, da sua identidade de gênero assumida.

No mesmo dia, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina postou em sua página eletrônica oficial o cartaz comemorativo do Orgulho LGBTQIA+, com aquele coração estampado em meio às vistosas cores do arco-íris. Ali podia ser lido: “O Direito de Amar é de Todes”. Explico ao leitor que assim mesmo estava escrito no cartaz, pois a orgulhosa militância tem uma nova bandeira de luta.

Seus representantes lutam agora para reformar a nossa língua oficial, que consideram discriminatória, excludente e machista. Por isso, querem ditar novas regras gramaticais a fim de mudar, entre outras coisas, o número, o gênero e o “sexo” das palavras.

Na verdade, pretendem o reconhecimento oficial do seu dialeto tribal denominado de linguagem neutra. Defendem, por exemplo, que o plural das palavras observe regras de neutralidade no tratamento das pessoas e sujeitos da frase.

Para os defensores dessa linguagem tribal, o correto é escrever e falar “todes”, “outres”, “muites”, “algumes” e por aí a fora. Dizem que usar os pronomes“todos”, “outros” etc. no masculino para se referir a um público em que esteja presente uma mulher, um gay ou uma lésbica é praticar uma fala machista que deve ser corrigida.

Nossos desembargadores que tomem cuidado! Podem receber petições nas quais sejam tratados por magistrates, excelences, meretíssimes, preclares e outras variantes linguísticas, cujos signatares tenham feito sua opção pelo uso da linguagem neutra.


Sala de Emergência
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em junho.2021).
Não é só a Covid. Envelhecemos e a doença aparece para nos fazer uma indesejada visita. Meu coração de muitas décadas vividas, mesmo com as pílulas de cada dia, saiu do ritmo e me deixou assustado. Acabei internado por três dias no Hospital do Coração. Mas, já estou de volta com a saúde que me é permitida, nessa avançada idade da minha vida.

Ser internado, não é fácil, principalmente, neste tenebroso tempo de coronavírus e pandemia. Para começar, manda o protocolo médico, o paciente deve passar por uma triagem preliminar. Uma sempre atenciosa enfermeira mede a febre e a pressão, põe aquele dedal eletrônico num dos dedos para ver, diz ela, a taxa de oxigenação e tira o sangue para os exames que forem indicados.
Só depois, você estará preparado para ver o médico plantonista. No meu caso, uma cardiologista que não me deixou desistir de ali continuar.

Então, me colocaram na sala de emergência, onde permaneci por cinco horas à espera de um quarto e, enfim, de um leito para repousar. Embora real, o cenário, é claro, não podia ser agradável. Luz quase na penumbra, uma TV ligada sem áudio para não perturbar, ali estavam mais de meia dúzia de pacientes necessitando tratamento de urgência.

Eletrônica a serviço da Medicina moderna, estávamos todos conectados a um monitor, a sua tela a mostrar os sinais vitais de uma saúde cada vez mais dependente do mundo virtual.
Estirado numa poltrona, pude observar os meus aflitos companheiros emergenciais, cada um com as suas angústias e dramas diante da doença.

Ao meu lado, conectado a um frasco de soro como todos nós, um jovem na casa dos 40 anos, como eu também com problema cardíaco. Apesar da dificuldade e limitações impostas pelos fios da sua conexão aos dos instrumentos eletrônicos, falava ao celular, esse esperto aparelho que nos acompanha dia e noite, mesmo na maca de uma sala de emergência. Dizia ele, para uma pessoa amiga ou da família, que já estava bom, que queria ir para casa comer uma feijoada e tomar uma cerveja.

À minha frente, um doente mais velho que parecia com câncer. Assim deduzi pelos gemidos e gritos que, de vez em quando, ecoavam pela sala. Ao seu lado, uma jovem incansável nos cuidados que dispensava ao pai, cena rara de se ver nos dias de hoje quando os asilos, agora eufemisticamente chamados de “casas de repouso”, parecem ser o destino dos idosos.

Dois ou três jovens haviam chegado intoxicados pela bebida ou pela comida. São as vítimas comuns do pecado da gula que nos leva a comer e a beber exageradamente, numa ação cujo prazer, se é que existe, só o masoquismo poderá explicar.

Aquelas cenas me levaram a refletir sobre a fraqueza e a fragilidade do ser humano diante da doença que nos assusta, nos causa sofrimento e sempre nos enche de tristeza. E também sobre a coragem e valentia quando sentimos que o mal passou.


O Bondindinho
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 26.05.2021).
Elas se reúnem quase todas as tardes no Mares do Atlântico, para conversas que lembram o passado de cada uma, vivido em diferentes cidades. Três delas, com apartamentos na Barra Sul, pegam o Bondindinho, seis quilômetros de viagem, para vir conversar com as amigas.

Essa viagem gratuita em transporte coletivo, já deu pano pra manga. Maria Georgina, de Xanxerê, conhecida pela franqueza que incomoda, que algumas vezes causa mal estar, discussões acaloradas e até bate-bocas de ficar de mal com a outra, perguntou meio na brincadeira, meio na seriedade, se as três não tinham vergonha de usar o transporte gratuito.

- Eu, sinceramente, não entendo. Vocês moram em apartamento de frente pro mar, pegam o Bondindinho, ficam naquela parte reservada ao transporte gratuito e atravessam a praia de sul a norte para vir até aqui falar da vida alheia. Vocês não têm vergonha de viajar espremidas, sacolejando naquele pequeno curral reservado para os idosos?

- Por que não pegam um taxi ou um Uber e dividem o custo? Sai barato, quase nada, para cada uma. E deixem o transporte gratuito para os velhos necessitados. É porisso que o Brasil não tem mais jeito.

Conhecedoras das frequentes inconveniências de Georgina, as demais amigas procuraram levar na brincadeira aquele sermão de censura, aquela descompostura descascada em público. Foi um riso forçado, amarelado para descontrair o clima de tensão. Não adiantou, uma das usuárias do transporte gratuito não gostou do que tinha acabado de escutar. Achou a pergunta inconveniente, até grosseira e mal-educada. Sentiu-se ofendida e a resposta veio rápida.

- Olha, o Estatuto do Idoso garante transporte gratuito para todas pessoas acima de 65 anos, sem fazer qualquer distinção. O Estatuto não quer saber se a velha mora em frente ao mar, do outro lado da BR-101 ou no morro, numa favela. Para a lei, todos são iguais. Assim, ninguém aqui da turma tem direito de criticar a outra que usa o transporte público de graça.

- Acho que nenhuma de nós tem que se preocupar com a vida dos outros. Muito menos, ninguém da turma pode ficar criticando a vida das amigas.

- Eu, por exemplo, sei que tu, Georgina e o teu marido não usam cheque nem cartão de crédito. Pagam tudo em dinheiro vivo. E já escutei dizer que é para sonegar imposto de renda e fugir do Leão. Mas, nunca saí por aí fofocando sobre isso, que é problema da Receita Federal.

Maria Georgina procurou remediar, dizendo que não teve intenção nenhuma de ofender as amigas da Barra Sul. Só queria que elas entendessem que tem gente idosa mais necessitada de transporte gratuito.

Mas, o ambiente estava pesado, tenso. Já não havia mais clima para qualquer conversa amistosa. Então, Maria Antônia, mais velha da turma, aproveitou o silêncio sepulcral para dizer que a água quente do chimarrão tinha acabado e que era melhor continuar a conversa no dia seguinte.



Salve, Enfermeira
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 12.05.2021).
A importância da Medicina e do seu profissional, o médico, todos fazemos questão de reconhecer. Principalmente, quando saímos do consultório com a saúde no corpo ou caminhando do hospital, depois de um tratamento bem sucedido.

Mas, nem sempre lembramos da enfermeira ou do enfermeiro que passa o tempo inteiro ao nosso lado quando estamos internados, confinados num quarto de hospital.

Profissão antiga, um dia só exercida por freira de fé, de juramento e de hábito religioso dos tempos medievais, a história moderna da enfermagem tem as suas mulheres-heroínas, que enfrentaram guerras para levar suas mãos solidárias e de conforto aos soldados necessitados de assistência para aliviar a dor de seus corpos feridos, mutilados e ensanguentados.

Essa história começa no século 19, com a inglesa Florence Nightingale considerada a patrona da enfermagem moderna.
Nós, temos também a baiana Ana Néri, considerada a primeira enfermeira brasileira. Voluntariamente, deixou o conforto e a segurança do lar para cuidar com amor e carinho dos feridos cheios de dor e sofrimento tombados na Guerra do Paraguai.
Com justiça, é homenageada em todo o país como a mãezona da enfermagem brasileira.

Hoje, tudo muda de forma inevitável, é o tempo da enfermeira de diploma universitário. E, também, do técnico e auxiliar de enfermagem. No entanto, quando estamos doentes num hospital, a enfermeira continua sendo aquela mesma profissional que nos tratará com delicadeza, carinho e que sempre nos levará esperança.

Mesmo que os familiares nos façam companhia, há sempre aquelas horas de agonia, de tensão, de dor, de sofrimento e, é claro - ninguém é ferro, principalmente, o doente – aqueles momentos de medo diante da doença e da sombra sinistra da morte, que não deveria, mas, nos assusta.

E quem está sempre conosco, nas horas marcadas ou quando chamada pelo apito da campainha que vai soar numa sala que não sabemos onde fica, a não ser a esperança de que ela vai aparecer com seu uniforme, que já foi obrigatoriamente branco como a neve, mas hoje pode ser verde ou azul-claro?

É a enfermeira, esse anjo dos corredores hospitalares que aparecerá à cabeceira do nosso leito, que torcemos para não ser de morte. Vem nos medir a pressão e a febre, dar o remédio e a injeção que alivia a dor e o sofrimento, a nos estender a constrangedora comadre sem afilhado ou o papagaio que não fala, mas alivia a nossa agonia fisiológica.

E, ainda de quebra, nos leva uma palavra de conforto que espanca a tristeza, de esperança que nos anima, dizendo que está tudo bem e que a gente vai melhorar.

Essa verdadeira enfermeira ou também enfermeiro claro, hoje, comemora o seu Dia, trabalhando porque não é funcionária pública.

Com esta crônica, redigida com as ataduras e esparadrapos da gratidão e com uma boa dose de admiração e carinho, homenageio essa importante profissional para a saúde de todos nós.



CPI da Covid. Os investigados investigam
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 05.05.2021).
Nossos governantes politizaram a ação de combate à Covid-19. Prefeitos e governadores passaram a usar a imprensa para se promover da pandemia. Alguns têm sido acusados ​​por uso criminoso de verbas federais destravadas ao enfrentamento da pandemia.

Por sua vez, desde o começo dessa tragédia sanitária, o presidente Bolsonaro tem se comportado com descaso e de forma leviana diante da ação contagiosa da “gripezinha” causada pelo coronavírus.

Penso que esse fato justificaria, uma ampla e imparcial investigação pelo Senado Federal, um fim de apurar a responsabilidade política e criminal dos maus governantes. No entanto, a história das CPIs tem sido um repeteco de finais sem resultados convincentes sobre a responsabilidade dos investigados por crimes contra o patrimônio público. Além disso, em meio a uma intensa guerra de versões e acusações, fica difícil acreditar que a CPI da Covid, instalada no Senado na última semana, seja capaz de investigar qualquer fato com o mínimo grau de isenção.

Pela importância da CPI deveria ser integrada por senadores com o mínimo de idoneidade e decência para investigar outros políticos. Mas, preferiram caprichar na escolha de colegas sem autoridade moral para investigar possíveis malfeitos cometidos.

Para começo de conversa, colocaram na presidência da CPI um senador que, em 2019, quando o governador do grande Estado do Amazonas, teve que abrir a porta da sua residência para a polícia federal prender sua mulher Nejmi Aziz e dois seus irmãos, por apropriação criminosa de recursos da área da saúde.

Por sua vez, o representante do PT na CPI é o senador Humberto Costa conhecido na lista de propinas da Odebrecht pelo codinome de “Drácula”, por causa de envolvimento com a tenebrosa máfia do roubo de sangue da rede de hospitais, quando foi ministro pública da Saúde. Fica difícil aceitar a sua isenção para investigar eventual ato de corrupção cometido por outro político.

Outro membro da CPI conhecido do noticiário policial é o senador Jader Barbalho, que também marcou presença na lista de propinas da Odebrecht, com o codinome de “Whisky”.

Finalmente, a estrela da CPI, o conhecido senador Renan Calheiros, que responde a 9 (fora os já arquivados ou que estão em outros tribunais) inquéritos perante o Supremo Oráculo dos arquivamentos e engavetamentos, das anulações e das decretações de prescrição contra seus privilégios acusados .

Como escreveu JR Guzzo, o relator é um dos membros da CPI, dando expediente no nosso Senado Federal, mais inscritos com o Código Penal. Para o jornalista, uma nomeação de Renan Calheiros, insulta a dignidade da população brasileira.

Que nação é esta, em que senadores processados ​​por crimes corrupção, são escolhidos para investigar políticos supostamente enfrentados em crimes contra a saúde e o patrimônio público? Para mim, a escolha senatorial representa uma vergonhosa afronta ao mínimo de respeito que o cidadão ainda merece.

Mas, se um ministro do STF, declaradamente inimigo e suspeito da Lava-Jato, sentenciou que a suspeição é do seu ex-colega magistrado Sérgio Moro, então, o Senado também pode nomear investigados para investigar possíveis crimes.



O Júri de Campo Velho e o Jovem Promotor
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 28.04.2021).
Naquele final de junho de 1969, quase toda a população tinha lotado o salão do clube social para assistir à sessão do Júri. Num entrevero de bodega, por discussão de mulher, o fazendeiro Chico Pires não deu chance ao então amigo de copo. Rápido, disparou três certeiros tiros em seu vizinho Maneca Soares, também dono de uma pequena fazenda de gado.

Preso, há meses, Chico Pires aguardava seu julgamento, que só aconteceu quando um jovem Promotor Público chegou à pequena cidade de Campo Velho.

A expectativa era enorme. Pelo crime, envolvendo dois conhecidos fazendeiros. Também, pelo novo Promotor Público, Frederico Schmitt, jovem de menos de 30 anos, loiro, de origem alemã, há pouco tempo formado na Faculdade de Direito do Paraná. Todos queriam ver o seu trabalho de acusação.

Com a palavra para seu discurso acusatório, o jovem Promotor postou-se diante de um quadro negro, coisa nunca vista no plenário do Júri la comarca. De giz na mão, traçou um desenho perfeito da cena do crime: posição do réu, da vítima e das testemunhas oculares, o dono da bodega do lado de dentro do balcão, no momento fatídico dos disparos de arma de fogo. Analisou cada depoimento e repeti, de forma incontestável, que o réu tinha assassinado uma vítima sem que esta pudesse se defender.

Disse, ainda, que o réu costumava andar armado, fato revelador de uma personalidade perversa, predisposta à violência e ao crime. Terminou o seu trabalho acusação convencido da condenação de Chico Pires.

O defensor, João Pedro de Almeida, famoso na tribuna do Júri em toda a região, todos já conheciam e admiravam. Advogado experiente, orador dos melhores, tribuno matreiro, diziam na cidade, com certo exagero é claro !, "nunca tinha perdido um Júri". Seria, sem dúvida, o Júri do Ano.

Na tribuna, o experiente advogado sabia que o Promotor tinha feito um trabalho sério, muito bem-feito e que, contestar as provas, todas incriminatórias, seria o mesmo que pedir a condenação do seu cliente. Mas, conhecia bem os jurados. Sabia o que cada um pedindo e pensava. Sem abrir o processo nem falar das provas, começou o seu discurso.

- Vejam, senhores jurados, quem mandaram, lá do litoral, para a nossa comarca. Não é um Promotor Público que aqui está. Mas, hum professor para nos dar lição de moral, para que possamos usar como devemos viver na nossa querida Campo Velho. Vejam, o absurdo. Este jovem Promotor, mal pisou em nossa terra e quer acabar com o traje de nossa gente andar armada. Pelo que acabou de falar, o nosso homem do campo não vai poder nem usar um facão para trabalhar na roça.

- Não conhece um palmo da nossa terra nem a nossa gente e quer acabar com o traje que herdamos dos nossos pais e avós. Deve ter nascido em Pomerode e estudado na Suíça. O doutor Promotor, aliás, o professor de moral, pensa que o nosso homem do campo é um criminoso e deve ser condenado só porque usa uma arma para se defender das feras e das agressões injustas como foi o caso do meu cliente.

Ao final, o Júri absolveu Chico Pires. Então, o jovem Promotor adequado que, apesar de termos uma única lei no país, só o tempo mudaria o traje e a cultura daquela gente e grupo região.


Tiradentes, herói e patrono da nação brasileira
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 21.04.2021).
Nos termos, a palavra herói se refere a um personagem que se destaca por atos de extraordinária coragem, por um profundo senso de justiça e pela disposição de se doar uma importante causa coletiva. Tanto que, na antiga Grécia, os heróis eram reverenciados como semideuses, personagens quase divinos.

Não é somente isso. O verdadeiro herói será sempre um personagem admirado e amado por seu povo. Se assim é, infelizmente, somos um país sem heróis.

Pedro Álvares Cabral que aqui aportou, não se sabe com certeza, se por acaso ou por querer, poucos dias aqui ficou, encheu suas caravelas de água e comida e se mandou a caminho das Índias. Assim, não é e nem pode ser considerado um herói nacional.

Ganhamos a independência, presente de um príncipe português, Pedro I, que preferiu voltar ao seu país natal para acertar as contas com seu irmão Miguel, na disputa pela coroa lusitana. Deu-nos um belo e importante presente - a nossa independência - mas também não pode ser lembrado como nosso herói.

Veio a República e o marechal Deodoro que, só se converteu à causa republicana nos últimos instantes. Para alguns historiadores, foi mais um oportunista do que um autêntico republicano admirado pelo povo. Assim, também não merece posar de herói nacional.

Nos primeiros anos de escola, aprendemos que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, morreu por conspirar contra domínio português e querer a nossa independência o que era visto pelo Estado português como um crime grave. Com ele e com o mesmo projeto de emancipação estava parte da elite de Vila Rica.


Porém, Tiradentes mostrou-se o mais desapegado de interesse pessoal, o mais arrojado e com coragem de defender e proclamar uma justa causa da independência nas ruas, nas tabernas e em todos os cantos da então Vila Rica. Autêntico, foi o único que, durante o processo, assumiu a responsabilidade pelas ações da Inconfidência Mineira.

Em consequência, foi o único condenado à morte na força e, assim induzida, no dia 21 de abril de 1792. A sentença mandou que, após enforcado, seu corpo fosse decapitado, esquartejado e sua cabeça exposta na praça principal de Vila Rica. Para a justiça portuguesa, a condenação deveria ser um exemplo, uma lição para que os brasileiros esquecessem da ideia de independência.

Mas, assim não aconteceu. O tempo, essa poderosa alavanca que move montanhas e destrói sólidas rochas de granito, se encarregou de lançar a condenação de Tiradentes no mundo das trevas das históricas injustiças políticas. Mostrou, ainda, que foi ele um justo, um bravo no sentido mais sublime palavra, ao dar a sua vida na defesa da boa causa coletiva.
Porisso, desde 1965, a lei federal instituiu o dia 21 de abril como feriado nacional e Tiradentes como Patrono da Nação Brasileira.

Penso que, se algum herói temos para colocar no panteão da nossa história, Tiradentes seguramente ali tem o seu lugar de honra.


Triste Fim da Lava-Jato *
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 10.03.2021).
"Quando se dirige a mim, Vossa Excelência não está falando com os seus capangas do Mato Grosso. Vossa excelência está destruindo a credibilidade do judiciário e da justiça desse país". (Palavras do ministro Joaquim Barbosa ao seu colega do STF, Gilmar Mendes, numa das situações de julgamento do caso Mensalão)

Na próxima semana, a Lava-Jato completaria sete anos de existência. Durante esse tempo, aplicou métodos modernos de investigação criminal eletrônica, confissões, produziu caminhões de provas documentais e periciais, processou acordos de colaboração premiada com a devolução de bilhões de reais, decretou a prisão, processou e condenou dezenas de acusados ​​de gigantesco esquema de corrupção da Petrobras, os maiores assaltantes dos cofres da nação.

Enfim, realizou um extraordinário trabalho nunca visto na história forense deste país cartorial, onde os fortes, os poderosos, tratam a coisa pública como extensão do seu próprio quintal contaminado pela corrupção.

Assim, a Operação Lava-Jato ganhou enorme apoio da opinião pública, considerada como o modelo de justiça criminal que todos querem e defendem, a justiça disposta a processar e condenar os responsáveis por grandes crimes econômicofinanceiros. Sabem que para a delinquência comum, temos justiça criminal.

Também, durante esses anos, os processos criminais da Lava-Jato, especialmente, aqueles contra Lula da Silva foram alvos de dezenas de recursos e habeas-corpus. Os tribunais superiores, inclusive o STF, sempre rejeitaram as alegações de nulidade processual, livremente apresentadas por inúmeros e bem pagos advogados.

E confirmaram a legalidade dos atos processuais praticados nas ações da Lava-Jato. Cabe destacar que a inocência de Lula da Silva nunca foi o ponto nuclear da sua defesa e sim o de eventual nulidade.

Na última segunda-feira, o ministro Fachin anulou os processos da Lava-Jato contra o ex-presidente Lula. A monocrática decisão tomou conta dos noticiários. Na área econômica, a repercussão foi um desastre, causando alta do dólar e queda da Bolsa de Valores.

Nas redes sociais, a reação foi a pior possível. Circulam mensagens de textos e vídeos com palavrões e graves acusações contra ministros e o próprio STF. Se algum desses supremos juízes mandar investigar, certamente, milhares de internautas correm o risco de serem processados e até presos. Precedente, que até imunidade parlamentar foi desconsiderada, já existe.

O ministro Fachin anulou os processos por incompetência territorial da justiça federal de Curitiba. Mas, não absolveu o ex-presidente Lula. Este ainda continua acusado de inúmeros e graves crimes corrupção, que serão julgados por outros juízes. No entanto, na prática, é provável que a decisão do ministro signifique impunidade, para o acusado Lula da Silva e para os demais acusados da Lava-Jato.

E isso, o cidadão comum não pode entender, por mais sofisticado, requintado e afetado seja o discurso da justiça negacionista da Suprema Corte.

Joaquim Barbosa se aposentou. No entanto, 15 anos depois, parece que suas palavras ainda continuam valendo para o ministro Gilmar Mendes e seus colegas, adversários explícitos da Lava-Jato.

E o cidadão comum continuará vendo o STF como o sagrado oráculo de impunidade para os grandes assaltantes da bolsa da nação brasileira.


Carnaval da Terceira Idade – O Bloco Chapecoense*
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 03.03.2021).
A Covid, já dissemos, acabou com o carnaval da Terceira Idade do Alvorada do Atlântico. O jeito, então, foi falar dos bailes dos anos anteriores. Com a ironia de sempre, Maria Antônia estava contando para algumas amigas, novas no condomínio, sobre o desfile da turma de Chapecó que não chegou a acontecer.

Disse ela que os foliões o Oeste queriam relembrar os carnavais pulados nos clubes Chapecoense e Industrial e mostrar para turma de Curitiba que, mesmo com a velhice nas costas, também tinham samba no pé.

- Vocês precisavam ver a confusão. Uma das mulheres lembrou que Chapecó é a cidade do Índio Condá. Então, tiveram a ideia de formar um bloco de uns 10 casais fantasiados de índios. Chegaram a convidar alguns amigos de prédios vizinhos, veranistas até Passo Fundo e Marau, para completar o bloco carnavalesco.

- A tribo oestina estava animada. Uma semana antes, só falavam daquelas imagens dos bravos indígenas do velho Oeste montados em seus cavalos, cavalgando em meio às belas pradarias, arco e flecha nas mãos, enfrentando os tiros mortais vomitados pelos rifles do exército ianque.

- Diziam que Chapecó já foi terra de faroeste e que hoje, com orgulho, é a Capital do Oeste catarinense. Já se imaginavam desfilando com aqueles vistosos e imponentes cocares de penas coloridas, com aquelas belas roupas dos índios do Oeste Americano.

- Vocês sabem muito bem. Somos do tempo áureo do cinema a serviço do lazer e aquelas imagens tinham feito a cabeça de toda a nossa geração. Mas, acho que o pessoal de Chapecó esqueceu que aqueles índios altos e bonitos, bem vestidos e penteados, só existem na ilusão criada pelos filmes produzidos pela fantástica máquina cinematográfica de Hollywood.

- Seria o Bloco Indio Condá. Queriam homenagear o herói de Chapecó, mas ninguém sabia quem tinha sido esse personagem histórico. Pra piorar, uma veranista de Xanxerê lembrou que o índio brasileiro sempre andou nu. Seria preciso muita criatividade para desfilar de indígena guarani, porque nudez não combina com a gente da terceira idade. Olha, a discussão pegou fogo.

- Só acabou quando um promotor de justiça, aposentado sem perder a mania de autoridade, advertiu o grupo sobre o risco que estavam correndo. Parecia na tribuna do júri: “Olha vocês se cuidem. Neste novo tempo de proteção integral, as minorias estão por cima da carne seca. Agora, é a vez delas. As raças e etnias de todas cores; as crenças religiosas de todos os deuses e deusas; as opções libidinais de todos os gêneros e todos os sexo estão vivendo sob um escudo de leis e estatutos.

- E não vai faltar uma ONG de arco e flecha na mão, para denunciar a nossa turma por discriminação contra a minoria indígena”.

- Amigas, para encurtar a conversa, nada de bloco de índio. As mulheres, então, decidiram desfilar fantasiadas de colombina, melindrosa e odalisca. Mas, essa é outra história.


Segue CRÔNICA de João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 17.02.2021).
Carnaval da Terceira Idade, Bloco da Lava Olimpo
Neste ano, a pandemia ainda ameaçando a nossa gente, os condôminos do Mares do Atlântico decidiram suspender o seu carnaval da terceira idade. Mas, as mulheres usando máscaras, continuam se reunindo e o assunto do último final de tarde foi o baile do ano passado. Quase sempre com a palavra, Maria Antônia está relembrando o que se passou naquela noite.

- Vocês sabem como é. A turma de Curitiba sempre quer ser a melhor. Formou um bloco de doze casais, quase todos já passando dos 70 anos de idade, para “homenagear” a suprema justiça brasileira, tão empenhada no combate à corrupção.

- Cantando e pulando, num cortejo triunfal de ofuscar a alegria dos demais carnavalescos, o Bloco Operação Lava-Olimpo dos foliões paranaenses entrou no salão para arrasar. Ostentando luxuosas fantasias, portando máscaras que diziam vindas de Veneza, os curitibocas realmente impressionaram pela beleza das plumas, dos paetês e o colorido das fantasias.

- Os homens vestiam togas negras de seda reluzente, compridas de tocar o chão, cheias de rendas e babados. Na cabeça, aquele chapéu medieval, o capelo de magistrado. No rosto, máscaras com caricaturas ridicularizando os onze deuses do Supremo Olimpo, que não estavam bem, e continuam em baixa, nas conversas do povo brasileiro.

- Mas, eles, vivendo nas alturas planaltinas, acham que o povo ignora as leis, os códigos e não sabe o que é Justiça, essa deusa de olhos vendados e cheia de mistérios, que se incorpora em seres humanos ungidos para julgar os seus semelhantes.

- Um deles, no entanto, se distinguia com a máscara do mortal magistrado Sérgio Moro, que brandiu a espada da justiça criminal contra o maior esquema de corrupção deste país e, porisso, aplaudido como o grande herói da terráquea justiça conhecida por República de Curitiba.

- Lembro bem das mulheres. Capricharam nas fantasias à imagem das vestes divinas das deusas gregas da sabedoria, da justiça e da beleza feminina. Uma delas, formada em Direito na década de 1960, conhecia essa história dos gregos terem deusas para tudo.

- Com douradas máscaras cobrindo o rosto, prateadas espadas e balanças nas mãos, as folionas curitibanas, desfilaram numa versão carnavalesca das mitológicas Themis, Atenas e Afrodite, dançando e se requebrando ao som da antiga marcha carnavalesca Mamãe eu Quero Mamar.

- Depois da volta triunfal pelo salão, a parada para uma rápida encenação. Então, as deusas da justiça apontaram suas espadas para os 11 deuses-magistrados do Supremo Olimpo, dizendo-lhes aos gritos que a verdadeira justiça deve ser feita com os mesmos pesos da sagrada balança da equidade. E não com a gangorra dos vícios humanos, dos interesses escusos e das filigranas de uma hermenêutica abstrata, descolada do sentimento de justiça popular.

- Amigas, foi um sucesso. A turma de Curitiba tomou conta do baile.
- Só sinto que este ano não teve carnaval porque, certamente, o bloco seria o da “Covid-19 - Vacina x Cloroquina”, o assunto do momento. Além disso, todos sabem que, contrariados com a condenação e prisão dos grandes assaltantes dos cofres da nação, os magistrados do Olimpo planaltino estão querendo acabar com a Lava-Jato. Para mim, é um absurdo.

- Não sou advogada nem juíza, Mas, para esses deuses da justiça olimpiana, processar e condenar presidentes, parlamentares, ministros de Estado e grandes empresários, parece que afronta sagrados princípios constitucionais. Para eles, as nulidades processuais devem prevalecer sobre os fatos, a fim de lançar a verdade na gaveta da vergonha nacional.

- É triste. O Brasil vai continuar sendo o país do futebol e dos grandes esquemas de corrupção. E, claro, também do carnaval. A elite, grande parte imune à espada da lei e da grande justiça criminal, vai continuar nos camarotes do grande desfile dos blocos antirrepublicanos.

E o povo, como sempre, pulando e sambando de pé no asfalto.


Segue CRÔNICA de João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

Conversas Praianas: Covid-19 na Porta do Apartamento
(Publicada no jornal O Município de Brusque, em 03.02.2021).
Os estudiosos dizem que os brasileiros abusaram das festas de fim de ano. Agora, a conta indigesta da doença e da morte está sendo cobrada por esse implacável coronavírus, esse misterioso cavaleiro das trevas e do apocalipse. É que as pessoas, parece, cansaram de viver afastadas e estão saindo, cada vez mais, do seu casulo domiciliar.

Assim, desde o final do ano passado, as condôminas do Mares do Atlântico voltaram a se reunir para as suas tertúlias, as suas fofocas de final de tarde.

Como sempre, Maria Antônia tem mais uma história para contar às amigas sobre esse maldito vírus.

- Até setembro do ano passado, eu e meu marido ficamos confinados. Só botávamos o pé fora do apartamento quando não tinha outro jeito. Nossos filhos e netos vinham nos visitar, mas só com máscara e álcool nas mãos. Não tenho tanto medo da Covid. Mas, meu marido é obeso e, por cima, diabético. Todas as noites assiste ao Jornal Nacional.

- No começo, com aquelas cenas das mortes por todo o país, vivia em pânico. Depois de um tempo, ficou mais tranquilo. Mas, diz que não quer morrer asfixiado por essa tal de Covid.

- Agora, tem uma coisa! Se vocês pensam que, lá em casa, nós nos cuidamos demais é porque não foram até a porta do apartamento daquela tal de Roselis, moradora do 908. Ela e o marido é que exageram.

- Álcool gel na parede; uma dúzia de pares de sapatos, tênis e chinelos; sacolas de supermercado cheias de alimentos; cesta de frutas; roupas penduradas em cabides, ainda com aquela capa de plástico da lavanderia; pacotes de encomendas vindas pelo correio, sacolas de remédios e mais uma barafunda de coisas.

- Tudo em cima de cadeiras, bancos e muita coisa espalhada no chão, logo na saída o elevador. O vizinho do lado reclamou para o síndico. Estava com dificuldade para entrar e sair do seu apartamento. Mas, a Roselis alegou que pandemia é caso de força maior, de vida ou morte, que o marido não pode correr risco e a queixa do vizinho ficou por isso mesmo.

- Encontrei com ela no corredor e perguntei sobre aquele mundaréu de coisas na entrada do seu apartamento. Respondeu que é uma questão de precaução contra da Covid e que todas as coisas só entram no apartamento depois de três dias de quarentena.

- Disse-me, ainda que, desde que a pandemia começou, o marido lava todo o dinheiro com álcool para evitar o perigo de contágio. Não sei se vocês sabem. O marido dela é conhecido no prédio por pagar tudo em dinheiro vivo. Comentam que é para escapar do imposto de renda.

- Com a pandemia, ele botou na cabeça que as cédulas são as maiores propagadoras do coronavírus. Para mim, são contagiosas porque são notas da sonegação de imposto.

- Dizem que eu falo muito. Mas, ninguém pode negar. Este Mares do Atlântico é um bonde lotado de gente esquisita.
*Publicada no jornal O Município de Brusque, em 03.02.2021.
João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras.

Aos Amigos e Amigas, para leitura, comentários e compartilhamento, crônica de minha autoria.
Ano Novo, Covid-19 e Vacina para Todos
Neste último dia, nestas últimas horas de 2020, quem lembra do calendário sinistro dessa pandemia causada pelo coronavírus? De Wuhan, em novembro de 2019, vieram as notícias dos primeiros casos da Covid-19.

Mas, a China está no outro lado do mundo e tínhamos as festas de Natal e fim de ano. Então, a gente pensou que a Covid, ainda desconhecida pela ciência, era problema dos chineses. Afinal, se eles gostam de pangolim e de outras iguarias da culinária exótica, que enfrentassem e vencessem a epidemia causada pelo novo e misterioso vírus.

Depois, no final de janeiro de 2020, foi a notícia do coronavírus desembarcado na França, provavelmente nas asas de um avião de carreira, lotado de turistas. E a epidemia se alastrou pelo continente europeu, o tenebroso vírus escolhendo os idosos como opção preferencial de suas garras asfixiantes.

Mas, nós, brasileiros, em plena temporada de férias - sinônimo de sol, praia, prazer lúdico e festa sem parar – como iríamos nos preocupar com a ameaça de um inimigo contagioso, letal é verdade, que ainda estava no outro lado do Atlântico? E quem poderia garantir que chegaria também ao Brasil?
Chegou fevereiro e a Covid tinha se instalado nos pulmões dos brasileiros.

Mas, neste país do carnaval, mesmo com o estado de emergência decretado, continuar a festa era preciso. E a folia de momo rolou de norte a sul nesse país abençoado por Deus, como quer o verso do cancioneiro popular que parece não chegar aos céus, muito menos ao ouvido divino. Neste tempo de pós-modernidade, Deus prefere deixar o problema da doença com a ciência médica.

Veio março e, a cada mês, mais notícias de brasileiros infectados e mortos pelo coronavírus. E a pandemia, tingida com as cores da política a serviço do interesse de governantes sem compromisso com a saúde do povo, tomou conta desta nação dividida entre isolacionistas e negacionistas.
Então, chegamos ao final deste tenebroso ano de 2020 e a Covid-19 continua mais intensa, até mais forte.

Mas, cansados do isolamento ou porque fim de ano é tempo de festa, de reunião de familiares e amigos, poucos escutaram a voz da razão e da ciência médica, que aconselha ao afastamento social.

Como enxames, multidões deixaram o isolamento doméstico para congestionar as ruas, as praças e a orla marítima; para lotar restaurantes e festas em locais abertos ou fechados porque essa gente festiva, essa espécie de homo ludicus imagina que diversão é direito fundamental.
E, assim, tudo indica que vamos começar janeiro
com a Covid nos ameaçando, nos infectando, causando ainda mais mortes.
Amanhã começa um novo ano e a esperança renovada em dias melhores.

Estou confiante, animado até porque já existe vacina, eficaz e segura, capaz de erradicar a Covid-19 da face da terra.
Assim, cheio de esperança, desejo a todos os amigos e amigas do Face, leitores de minhas crônicas, os melhores de votos de um Novo Ano com muita paz.
E que todos nós, vacinados contra o maldito vírus, tenhamos um 2021 de merecida e garantida saúde.
*Crônica a ser publicada no jornal O Município.

João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

Segue CRÔNICA de João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

(Publicada no jornal O Município, edição de 02.12.2020)

Covid-19 e Vacina Obrigatória
Quando pensávamos que a pandemia estava arrefecendo, eis que uma nova onda do terrível coronavírus está se espalhando pelo país inteiro. Santa Catarina, no começo um exemplo de combate à doença, agora tomou a dianteira nesse macabro certame de contágio, doença e morte. Estamos às portas do Natal e do final de ano e ninguém vai segurar mais essa gente que acha que já deu a sua parcela de isolamento e quer festa e aglomeração. A partir de agora, só uma vacina eficaz poderá nos livrar desta praga epidêmica.
O que nos dá esperança é que a ciência médica já têm algumas vacinas em fase final de testes. Chinesa, inglesa, americana ou mesmo brasileira, porque saúde pública não deve ter pátria nem cor política, parece certo que, no começo de 2021, teremos vacina testada, aprovada e pronta para nos imunizar contra a temível doença. Não é acreditar demais. Afinal, muitas doenças letais e contagiosas foram erradicadas por vacinas que protegem a saúde de todos nós.

Se assim é, a questão da obrigatoriedade de se vacinar precisa ser resolvida pelo Congresso Nacional. Lamentavelmente, o presidente Bolsonaro tem sido um péssimo governante diante da pandemia e já declarou que a futura vacina não será obrigatória. Foi um equívoco, uma irresponsabilidade porque a competência para obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa é do Poder Legislativo. Tanto é que alguns projetos de lei já tramitam no Congresso Nacional.

Penso que uma futura vacina, devidamente aprovada pela Anvisa, deve ser obrigatória, sim. Afinal, a saúde pública é um bem jurídico garantido pela Constituição Federal e o poder público tem o dever de assegurá-la a todos os cidadãos.
Isso, não significa que o cidadão, conforme alegou equivocamente o presidente Bolsonaro, seja arrastado a um posto de vacinação para ser picado pela agulha de uma seringa a serviço da saúde coletiva. Basta que lei torne o atestado de vacina obrigatório para que o cidadão possa ingressar e permanecer em lugares de uso coletivo, tais como estabelecimentos comerciais e industrias, restaurantes, bares, transporte coletivo, cinemas e demais espaços similares.

Há precedentes legais dessa forma de obrigação: voto, trabalho prisional, vacinas para as crianças. No entanto, nenhum eleitor é conduzido à urna para votar; nenhum preso é forçado a trabalhar, nenhum pai é obrigado a levar o seu filho menor a um posto de vacinação.

Nos casos de descumprimento ou recusa da obrigação, o eleitor paga multa e perde alguns direitos, o preso fica confinado ao interior da cela e o pai omisso pode ser responsabilizado com medidas previstas no Estatuto da Criança ou até do Código Penal.
Assim, que venha a vacina, que seja legalmente obrigatória e que todos tenham a necessária consciência cívica para se vacinar contra a Covid-19, porque a saúde coletiva depende da participação solidária de cada cidadão.

E, como vivemos numa democracia, quem não quiser se vacinar que fique confinado, até que a pandemia seja vencida e o tenebroso coronavírus desapareça dos ares das nossas cidades.


Segue CRÔNICA de João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

(Publicada no jornal O Município, edição de 25.11.2020)

Velhice, cão e bengala

Meu colega de Academia, David Gonçalves, um dos melhores escritores catarinenses, acaba de publicar uma de suas obras – “Sombras do Tempo” – agora, em versão digital, pela Amazon. Trata-se de uma coletânea de excelentes contos em torno de uma temática cada vez mais atual e preocupante, a velhice, tempo em que, segundo o autor, só nos “restam o cão e a bengala como amigos inseparáveis”.

Numa linguagem franca, com seu estilo direto, cortante que por vezes faz sangrar a emoção do seu leitor, com sua prosa que não deixa lugar para confetes e paetês, a obra reúne inquietantes textos sobre a realidade da velhice. Já na apresentação do livro, David adverte que os seus contos são um grito angustiante de revolta contra a vida miserável que a sociedade impõe aos velhos. Para o autor, a eufemística melhor idade “é uma mentira deslavada”, pois com a velhice, vêm “o ostracismo, as doenças, as desilusões”.

David é mais jovem, mas pensamos parelho. Numa crônica publicada neste jornal, já escrevi que envelhecer é administrar perdas. Sim, para mim, a velhice é uma sentença inapelável que nos obriga a conviver com as deficiências e fraquezas acumuladas ao longo da vida que, como sombras inseparáveis, nos acompanham a cada dia, a cada hora da nossa sofrida existência. Quanto mais vivemos, mais escancara a nossa hipossuficiência em face do pesado fardo a ser carregado.

Na ocasião, um amigo e leitor me contestou, me chamou de pessimista. Disse-lhe que assim vejo a realidade e a natureza da vida. Aliás, não só da vida humana, mas a de todo o mundo animal. Disse-me que eu estava exagerando, fazendo um drama absurdo, uma tragédia sem sentido sobre uma fase importante da vida humana. De forma amiga, falou que me via caminhar lépido pelas ruas do bairro e que eu nem parecia ter a idade marcada na certidão de nascimento. Agradeci a gentileza, as palavras de amizade e nos despedimos.

No dia seguinte, ao levantar cedo para a caminhada quase diária, refleti sobre as palavras do amigo. Senti-me mais tranquilo com a minha velhice que, reconheço, não é só convivência com perdas e danos sofridos e com as batalhas perdidas. Não é sinônimo, apenas, de doença e de dor física e mental. É um tempo, isso sim, em que temos que nos dar por felizes quando podemos caminhar com as nossas próprias pernas e pensar com a nossa própria cabeça.

Então, senti-me resignado em poder levantar toda manhã e, mesmo com dores por todo o corpo, ir ao banheiro, lavar o rosto, escovar os dentes e tomar, com as próprias mãos, a dezena de pílulas da vida. Em poder, depois do café da manhã, sair para caminhar, conversar com os amigos, fazer minhas leituras e escrever as minhas crônicas. Afinal a vida é uma caminhada com muitas curvas, muitos atalhos, é verdade, mas sem volta aos tempos de infância ou juventude.



Fiquei mais conformado, mas sinto que meu confrade, David Gonçalves, tem razão, quando escreve que, na velhice, vamos ficando sozinhos e, quando ironiza dizendo que “a gente mata o tempo e ele nos enterra”.

Quanto a mim, não tenho cão, caminho sozinho e, felizmente, ainda sem bengala!


Segue CRÔNICA de João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

(Publicada no jornal O Município, edição de 18.11.2020)

Conversas Praianas - Presidente Bolsonaro e a Covid*
O assunto preferido da turma de condôminas do Mares do Atlântico é a vida do lar e da família, que significa falar sobre os maridos, filhos, genros e netos. É claro que as famílias alheias não escapam de comentários. Agora, todas mascaradas e afastadas uma das outras, a Covid também entrou na pauta dos assuntos.
Cada uma sempre tem alguma coisa para falar sobre a pandemia. Maria Antônia, que mora no 708, disse que ela e seu marido sempre usam máscara e que só saem do apartamento quando necessário. Dizia ela para as amigas:
- Acho que devemos seguir a orientação dos responsáveis pela saúde pública. Eu gostava de ouvir aquele ministro da saúde, o Mandetta, até que o Bolsonaro resolveu demiti-lo. Parece que o presidente ficou enciumado porque o seu ministro estava aparecendo demais na TV. O Bolsonaro não quer que lhe façam sombra.
- Não é certo o presidente andar nas ruas sem máscara, apertando a mão de muitos apoiadores. É uma irresponsabilidade, pelo perigo de contágio da doença. Tanto fez que acabou pegando a Covid. Passou para a mulher, a filha e para muitos ministros e assessores.
- Teve sorte porque não precisou ser entubado. Mas, não foi aquela “gripezinha”, como ele um dia falou. Não é médico e manda o povo tomar cloroquina e essa tal de ivermectina. Mas, quando pegou a Covid parece que não quis saber da cloroquina.
- A verdade é que o Bolsonaro tem falado muita besteira. Para mim, não fica bem um presidente dizer, sem provas, que o coronavirus é coisa inventada pelos chineses e que não vai comprar a vacina deles. No fundo, só porque vai ser produzida em São Paulo, em parceria com o Butantã. Acha que o Dória vai se promover politicamente com a vacina dos amarelos.
- Quando a Anvisa se precipitou e mandou o Butantã suspender os testes com a CoronaVac, o Bolsonaro chegou a comemorar, a dizer que foi uma vitória sua. Ora, parece que ele considera a pandemia uma disputa política.
- A meu ver, todas as pessoas devem contribuir para evitar que a epidemia se propague com maior intensidade. É preciso que todos tomem os cuidados necessários. E possíveis, é claro. Penso que usar máscara é o mínimo que cada um deve fazer. É uma questão de respeito para com a saúde dos outros. Se vale para nós, cidadãos comuns, vale muito mais para o presidente da República, que precisa ser um exemplo para todos os brasileiros.
- Olha, votei no Capitão, mas ele não está se conduzindo bem no caso dessa pandemia.
Maria Antônia estava empolgada. Já se preparava para continuar o seu discurso de crítica à conduta do presidente em face da Covid, quando notou o olhar de desaprovação, das suas amigas, todas Bolsonaristas de carteirinha. Então, fez uma pausa para refletir melhor nas palavras que iria falar.
Foi o suficiente para que uma das amigas lembrasse que, no grupo, não se falava de política. Maria Antônia ainda tentou dizer que ali sempre se falou da Lava-Jato e das condenações criminais contra o ex-presidente Lula, que todas acham que deveria estar na cadeia. Mas, não adiantou.
E, então, a conversa descambou para a roda gigante, que está prestes a ser inaugurada.


Segue CRÔNICA de João José Leal – Da Academia Catarinense de Letras

(Publicada no jornal O Município, edição de 04.11.2020)

Um século promovendo a cultura literária catarinense

Na última sexta-feira, a Academia Catarinense de Letras completou 100 de fundação. Não tem a idade da congênere francesa, já quatrocentona, matriz inspiradora de tantas academias mundo afora. Mas, um século de existência, neste país quase sem memória e de pouco compromisso com a tradição cultural, é um grande feito, uma data para ser realmente comemorada.

Tudo começou com um convite por escrito, assinado por José Arthur Boiteux, personagem a quem muito devem a Literatura e a história política e jurídica de Santa Catarina. Na curta mensagem convocatória, estava a proposta de se discutir e aprovar, “a exemplo de outros Estados brasileiros”, a fundação de uma associação literária catarinense.


Com a presença dos principais homens das letras residentes na capital, a histórica assembleia aconteceu às 15 horas do dia 30 de outubro de 1920, em pleno Palácio do Governo estadual. Ao final, estava fundada a Sociedade Catarinense de Letras.

Os fundadores sonhavam com uma instituição capaz de honrar o culto à Língua Portuguesa, de engrandecer a cultura literária e de promover as artes em geral. Certamente, tinham consciência das muitas dificuldades. Mas, estavam dispostos a enfrentar o enorme desafio, a fim de criar uma instituição sólida, capaz de marcar permanentemente a história das letras e da cultura em geral de Santa Catarina. Passaram-se dois anos e, à semelhança da Academia Brasileira, a Entidade literária já era conhecida pela atual denominação de Academia Catarinense de Letras.


Vocacionada ao pioneirismo, a ACLetras logo no início, quando a mulher brasileira vivia confinada ao interior do lar, a Instituição não hesitou em admitir escritoras em seu quadro social. Maura de Senna Pereira e Delminda Silveira foram as primeiras. A tradição tem se mantido e, certamente, será intensificada, em nome do princípio da igualdade não discriminatória.

Durante essa centenária caminhada, a ACLetras – a nossa Academia – tem realizado um extraordinário trabalho de promoção e difusão da Literatura, da Língua Portuguesa, das artes e da cultura em geral. Essa permanente e relevante missão cultural tem sido cumprida por meio da produção literária de seus membros, que se destacam como escritores de nosso Estado. E, também, pelo estímulo às obras literárias de autores não-integrantes do quadro da Academia. Tudo para promover a Literatura, a língua Portuguesa e os valores culturais em território catarinense e nacional.

Ao completar o seu primeiro século de existência, a ACLetras vê a literatura e a informação em geral deixarem a sua antiga e tradicional forma impressa para se apresentar no modo virtual das mágicas telas dos computadores e celulares. Eis, o enorme desafio que a agora centenária Instituição, deve superar para continuar cumprindo a sua principal finalidade estatutária “de cultivar a língua vernácula” e de promover a cultura literária catarinense.

O desafio, certamente, será vencido porque, como dizem os versos do seu Hino do Centenário, de autoria do acadêmico Artêmio Zanon: “Desse século vivido / Nos anima a mesma chama; Ao futuro garantido / A nossa arte nos conclama”.

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