OS HABITANTES DA FLORESTA



TERRITÓRIO XOKLENG: NAÇÃO DE CAÇADORES/COLETORES ENTRE O PLANALTO E O LITORAL CATARINENSE

Muito antes de serem construídas as estradas pela quais circulamos atualmente, antes mesmo de serem levantadas as primeiras construções de tijolos e do estabelecimento dos primeiros moradores brancos, estas terras já eram povoadas pelos Xokleng, povo nômade  de caçadores/coletores que nos meses de primavera e verão desciam a serra e ocupavam as vastas áreas de Mata Atlântica do litoral catarinense e também do Vale do rio Itajaí-Açu em busca de alimentos.


Os Xokleng formavam um grupo cultural com regras e costumes próprios desenvolvidos para a vida nômade. Como não praticavam a agricultura, tinham que mudar o local de moradia com frequência, a fim de encontrarem frutos para coleta e animais para a caça. Por dependerem da caça e da coleta para sobreviverem, não podiam permanecer por muito tempo em um mesmo lugar, pois com o passar dos dias os animais disponíveis para a caça diminuíam, assim como os frutos.
 Por terem uma vida baseada no nomadismo, tinham uma produção material voltada para essas necessidades, pois a posse de muitos bens materiais que necessitam ser carregados pela floresta dificultaria a locomoção pelo território. Diante da necessidade de movimento, os Xokleng produziam bens materiais necessários a sua subsistência cotidiana, ou seja, poucos instrumentos, embora práticos. Cabe ressaltar que muitos elementos da cultura são imateriais, como por exemplo: músicas, histórias, contos, crenças e cerimoniais, que, no caso dos Xokleng, em grande parte, perderam-se diante do contato com o homem branco. O que chegou até nós foram fragmentos dessa cultura devido aos conflitos e perda do território que esse povo enfrentou ao longo dos séculos XIX e XX.


A localização em seu território era feita com base em árvores, morros, nascentes de água, etc. Assim, como é fácil para um de nós chegarmos a qualquer ponto da cidade desde que se tenha o endereço, como o nome do bairro, da rua, número da casa etc, para um nativo também o era no meio da floresta, uma vez que se orientava pelos elementos da floresta.
Os instrumentos por eles utilizados eram feitos de pedra lascada, madeira e fibras retiradas da mata. Não conheciam instrumentos de metais antes de entrarem em contado com os brancos. Lanças, arcos, flechas e dardos faziam parte dos seus instrumentos de caça, além das diversas armadilhas utilizadas para os diferentes tipos de animais.
  
A prática da caça e a diversidade da fauna e da flora

A dieta alimentar de um povo de caçadores/coletores está associada ao ecossistema onde vive. Conhecendo este ecossistema e suas características, é possível conhecer os animais que estavam disponíveis para a caça, como também os frutos, raízes, ovos e insetos para a coleta. Logo vem a mente a pergunta: o que os Xokleng caçavam? Como caçavam? Na parte da coleta, quais frutos estavam disponíveis? Quais frutos eram venenosos e quais se prestavam ao consumo? Para podermos compreender melhor estes questionamentos cabe conhecermos o ambiente em que viveram.


O povo Xokleng habitava uma ampla área, parte das quais nas atuais terras do Estado de Santa Catarina, onde exerciam suas atividades de caça/coleta e pesca. Como povo nômade, necessitavam de uma ampla área para poderem obter seus alimentos, uma vez que, ficar restrito a um pequeno território significaria a exaustão desses recursos, daí a importância da migração sazonal  e de um vasto território para a sua sobrevivência.
Segundo as pesquisas realizadas pelo antropólogo Silvio Coelho dos Santos, os Xokleng tinham “... nas florestas que se localizavam entre o litoral e o planalto catarinense o seu território de domínio e de refúgio. Ao norte, chegavam até a altura de Paranaguá; ao sul, até as proximidades de Porto Alegre; ao noroeste, dominavam as florestas que chegavam até o rio Iguaçu e aos campos de Palmas”  .
A vegetação da região litorânea de Santa Catarina é caracterizada pela presença da Mata Atlântica (Floresta Ombrófila Densa). A região do Planalto Meridional apresenta a cobertura vegetal chamada de Floresta de Pinhais. O principal destaque é a presença do pinheiro-do-paraná, árvore que produz o pinhão, fruto importante para alimentação dos Xokleng.
Os Xokleng em suas andanças por este amplo território procuravam por alimentos, sendo que cada uma das regiões apresentadas – litoral e planalto – ofereciam diferentes tipos de recursos e em estações diferentes. No inverno era no planalto que realizavam suas atividades de caça e coleta, procurando pelas pinhas e os animais que vinham a sua procura. Na área entre o planalto e o litoral, encontravam grande diversidade de frutos, raízes e animais à disposição. Por essa razão praticavam aquilo que descrevemos como nomadismo sazonal.
Devemos lembrar que além dos homens, buscavam pelas frutas maduras os animais, de modo que as aves, mamíferos e répteis, dispersos durante as outras estações do ano, se concentravam nas árvores produtoras de frutos, facilitando a caça. É preciso lembrar que as árvores encontravam-se espalhadas pela mata, sendo necessário, muitas vezes, deslocar-se por longas distâncias para encontrá-las.
Os Xokleng realizavam a coleta de frutas como: Amoreira-do-mato, Araçá-amarelo, Araticum, Bacupari, Butiá-da-praia, Figueira-do-mato, Grumixama, Guamirim-araçá, Ingás, Palmito (Euterpe edulis), Guabiroba, Jabuticaba; Pitanga etc.
Nas áreas de floresta de pinhais, o pinhão representava o principal alimento. Além de realizarem a coleta do pinhão, que era abundante na região, abatiam os animais que buscavam por esta fonte de alimento. O pinhão poderia ser consumido assado com casca na brasa ou mesmo tostados ao fogo e triturados depois em pilões, reduzidos assim a uma verdadeira massa, com a qual preparam um caldo cozido com água. Com a massa produzida da moagem dos pinhões preparavam pequenos bolos, de forma redonda e chata, do tamanho de um pires, que são depois assados sobre brasas. Essas informações foram retiradas de ‘Memória sobre os Botocudos do Paraná e Santa Catarina’, organizado pelo Serviço de Proteção aos Índios sob a inspeção do Dr. José M. de Paula. 
Além dos frutos provenientes da coleta, tinham a sua disposição ovos, larvas e diversos tipos de insetos, como também o mel, alimentos que podiam ser encontrados nas duas regiões, praticamente o ano inteiro.
A caça era responsável por parte considerável da alimentação desse grupo humano. Tinham a sua disposição diferentes tipos de animais, como, por exemplo: antas, porcos do mato, cotias, quatis, mãos-peladas, iraras, lontras, furões, como também integrantes da família dos felinos como gato-do-mato, puma, jaguatirica e onça. Se já não bastasse poderiam empreender a caça de bugios, tatus, tamanduás, gambás, capivaras, jacarés e lagartos entre outros.
A atividade da coleta de frutos e raízes, como também a pesca, eram atividades praticadas e que forneciam importante base alimentar, bastando para isso, lembrar a qualidade das águas e a quantidade de rios existentes na região, principalmente no Vale do Rio Itajaí-Açu.
A pesca com armadilhas, como o cove, por exemplo, instrumento tipicamente indígena; ou a pesca com arco e flecha; com a utilização de raízes venenosas (como o Timbó), que ao serem amassadas dentro da água causavam a morte dos peixes, sem prejudicar o seu consumo. Das águas retiravam lindos carás, pesados e lisos jundiás, ou teimosos cascudos enfiados em suas tocas. Das lagostas de água doce, dos camarões e não podemos nos esquecer da traíra.
Sobre as espécies de peixes encontradas nas águas dos rios da região litorânea de Santa Catarina e, portanto, pescados e consumidos pelos Xokleng, cabe acrescentarmos as seguintes informações:



Imprima a figura à direita e descubra o que deixou o nosso amigo Barriga Redonda tão interessado!!






Os peixes existentes na região são pertencentes a espécies de pequeno porte, principalmente nas partes superiores dos cursos d'água da região, com leitos acidentados e encachoeirados. Entre outros, ocorrem acarás, traíras, jundiás, cascudos e lambaris. Nas partes inferiores dos cursos dos rios, já próximos ao litoral, e nas lagoas costeiras, além destas espécies, ocorrem ainda outras adaptadas a águas salobras, como tainhas, robalos, bagres e outros.
 A caça e a coleta são atividades distintas em muitos aspectos. A primeira tanto pode resultar em sucesso, ou seja, no abate de um grande animal que alimente o grupo por vários dias, como pode redundar em fracasso completo. Ela é feita pelos homens e em silêncio. Já a coleta, ruidosamente feita pelas mulheres (que a utilizavam como eficiente forma de socialização), sistematicamente termina com vegetais suficientes para o grupo. Percorrer silenciosamente os caminhos traçados no meio da mata, olhos e ouvidos atentos, organização e preparo para abater a presa, era atividade cotidiana dos indivíduos masculinos, embora em ocasiões específicas as mulheres também praticassem a caça, principalmente com uso de armadilhas.
Segundo nos ensinam os pesquisadores, a caça era uma atividade essencialmente masculina, embora em caso de ausência dos homens, as mulheres possam preparar armadilhas para capturar pequenos animais. A caça podia ser uma atividade tanto comunitária como individual. No primeiro caso, normalmente o grupo de caçadores era composto por parentes e afins. Constam nos relatos dos pesquisadores, que os porcos do mato eram os animais mais apreciados, juntamente com a anta. Uma vara de porcos significava comida para vários dias. Quando encontravam a porcada, seguiam-na por semanas, abatendo-os, sempre que possível.
Além dos mamíferos existentes na região, não podemos deixar de citar, novamente, a enorme quantidade de aves que povoavam ruidosamente as matas. Animais que, nas épocas de maturação, aglomeravam-se ao redor das árvores frutíferas, embora espalhadas nas demais estações do ano. Entre as aves que poderiam ser abatidas estavam: tucanos, inhambus, macucos, jaós, marrecas, rolas, aracuãs, jacupemas, também conhecidos pelos nomes de jacupeba e jacu-velho; jacutinga, urus, perdizes, saracuras, frangos-d’água, seriemas, periquitos, papagaios, pombas, além de muitas outras famílias de aves com representantes de menor porte. A destreza no uso do arco e flecha era, com toda certeza, necessária para prover alimento ao grupo.
A trajetória do povo Xokleng foi afetada pelo início dos projetos de colonização desenvolvidos pelo Governo Imperial, a partir do século XIX, no intuito de ocupar a região sul do Brasil e promover o desenvolvimento econômico/comercial, como também a ocupação de uma faixa territorial da nação, considerada como um “vazio demográfico”, conceito que não levava em consideração os povos nativos que aí viviam. Esses foram, simplesmente, desconsiderados.
Estas ações colocaram em rota de colisão os nativos e os imigrantes europeus que chegavam a estas terras, atraídos por promessas de uma vida melhor, sendo a propriedade da terra a mais vistosa delas. Na medida em que os projetos de colonização ganharam força e foram se materializando, mais e mais imigrantes entravam na região, trazendo, além de seus pertences, seus sonhos. O confronto era questão de tempo.

Bibliografia Consultada
             LAVINA; Rodrigo. Os Xokleng de Santa Catarina: Uma Etnohistória e Sugestões para os Arqueólogos. UNISINOS – Dissertação de Mestrado em História. 1994. (internet)
             PINSKY, Jaime; As primeiras civilizações. 16ª edição revista e ampliada. Coleção Discutindo a História. Editora Atual, 1994.
             SANTOS, Silvio Coelho dos. Os Índios Xokleng: memória Visual. Florianópolis: Ed. da UFSC, Ed. da Univali, 1997.
             SANTOS, Silvio Coelho. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng. Porto Alegre: Editora Movimento, 1987.

Pesquisa: Robson Gallassini (in memoriam).


MATERIAL NÃO PEDAGÓGICO.
APENAS DE ENTRETENIMENTO.
Os quadrinhos são meramente ilustrativos.
Para realizar pesquisas, consulte o ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, ACESSANDO O LINK ABAIXO:


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